Abaixo segue uma das conversas mais interessantes que já tive no Orkut, talvez a mais filosófica de todas. Participaram da conversa o Cid, que bolou a frase que deu início a tudo, o Enio, que encarou com paciência a discussão, o Cenourinha e o Luiz.
A conversa aconteceu na comunidade do flash mob Zombie Walk - Rio Grande / RS, e pode ser lida no contexto original neste link.
Abaixo eu coloquei uma versão simplificada para facilitar a leitura.
Claudio
Aspecto psicanalítico de um zumbi
"Cemitério maldito: menino após sua morte, renasce na fase oral zumbi onde busca introjetar tudo a sua frente; frustrado com o fracasso entra em sua fase canibal a qual se manisfeta com violência e muito sangue. POR QUE PRA ELE TODOS SOMOS TETAS." Cid, 2007.
Enio
Pode crer Cláudio!
Seria este laudo psicanalítico baseado em experiências "empíricas" de tua pessoa?
hehehehe!
Abraço!
Cláudio
Citação...
Não é um laudo baseado nas minhas experiências pessoais, embora seja bastante interessante, pois nem mesmo fui eu que emiti. Estava falando sobre a Zombie Walk com um colega de aula e ele veio com essa pérola. Achei interessante e adequado o uso da fase oral, que é a mais primitiva e que está relacionada a problemas psicológicos mais profundos tais como a psicose e a esquizofrenia acentuada.
Embora seja uma questão primariamente fictícia, é divertido especular sobre a cisão de realidade na mente de um zumbi (se é que existe alguma realidade para um zumbi... ou mesmo mente?).
Na verdade, os zumbis são o melhor modelo "humano" para o behaviorismo ortodoxo, daí a expressão prejorativa cunhada pelos opositores do behaviorismo para descrever tal modelo: "zumbis filosóficos." Afinal, zumbis não sentem, não se emocionam, apenas apresentam um comportamento maniático característico. Sua cognição também é limitada ao básico necessário para alcançar a gratificação de forma rudimentar.
Muitas pessoas encontram-se atualmente num estado muito semelhante a este: são aquelas pessoas que assistem os programas de domingo da tv aberta, canais de compras, pessoas que não conseguem desenvolver uma conversa que ultrapasse os assuntos discutidos em revistas de grande circulação nacional... Enfim, talvez zumbis existam mesmo, e dependendo da postura de sobrevivência baseada no capital, é possível dizer que se alimentem da carne e do sangue de outros seres humanos. (:
Enio
Boas especulações:
Como divertimento, conforme tu salientou, pois a existència de uma "mente zumbi" é uma impossibilidade científica, já que a mente, seja ela qual for, para manter-se em atividade (cognitiva, emotiva, passiva, intelectiva, instintiva), necessita de um aparato fisiológico funcional, o sistema nervoso (sobretudo o cérebro). Para manter-se ativo este aparato precisa ser constituido de tecidos vivos, o que não é o caso doz Zumbis, então, a menos que estejamos só no campo das metáforas, nada disso tem mesmo base lógica, e nisso podemos concordar com os opositores do behaviorismo quanto às suas prescrições acerca dos condicionamentos humanos, tidos como inatos e irreversíveis, ou seja, ao pensamento determinista. Dos mortos não dá pra esperar nada mesmo, nem um piscar de olhos que seja, infelizmente, essa é a verdade.
Cláudio
O Enio do pântano
A dicotomia entre mente e corpo é um assunto que ainda está em aberto. Embora eu esteja mais inclinado a acreditar que a mente é um resultado dos processos eletroquímicos que ocorrem no sistema nervoso, a ciência ainda não pode esclarecer algumas informações importantes a este respeito. Um exemplo disso é a questão do "homem do pântano." Imagina que tu estivesse passeando pelo pântano em uma noite qualquer, e um raio te atingisse, desintegrando completamente teu corpo. No mesmo instante, em algum outro lugar do pântano, algum fenômeno meteorológico raro ainda desconhecido rearranjasse diversos elementos básicos encontrados no pântano criando um ser exatamente igual a ti, mesmo a nível molecular, no momento em que o raio te atingiu. Este ser teria todas as tuas memórias (tendo em mente que a organização e estado neural teria se reproduzido) e se comportaria da mesma maneira que tu. Ele sairia do pântano, iria para o Cruz, tomaria uma cerveja e até mesmo cumprimentaria os teus amigos.
Mas o Enio do pântano não seria você, concorda? Ele agiria como se conhecesse teus amigos, tendo até a memória deles, mas não poderia conhecê-los, uma vez que nunca esteve com eles. Teria o Enio do pântano uma mente? Ou seria ele apenas uma emulação daquilo que era o Enio?
Será que o Enio que todos conhecemos não é, na verdade, uma criatura oriunda do pântano, que nem mesmo está realmente viva? E se ele for, isso faria alguma diferença? heheheheheh... (é uma brincadeira, ok?) :D
Enio
Sabe de uma coisa?
Tudo parece mais claro pra mim agora. Já faz tanto tempo... Passei minha infância exposto aos rigores do clima, nos pântanos que existiam lá pelas bandas do Parque São Pedro... Num daqueles dias temperados, de Primavera, havia uma tempestade se aproximando... Lembro de um clarão, depois um estrondo e um impacto forte, mais nada. Acordei em meio aos miasmas e cheiro fétido que emanava da lama e das plantas aquáticas, recoberto de sanguessugas; metade de meu cabelo ficou branco, ratos e capivaras se puseram em fuga, assim como os passáros que haviam em volta...
E agora?
Porquê há limo na minha pele de vez em quano e meu couro cabeludo descama conchas como um sambaqui???
É isso!
Eu sou o Monstro:
O Monstro do Pântano!
HAAAAAAAAAAA!
hehehehe!
brincadeira!!! (é óbvio) hehehehe!
(...) sobre a dicotomia mente/corpo(?)
Não acredito que ela, a mente, possa existir sem os sinapsmos e outros elementos de ressonância não só fisiológica, mas também psíquica, que dependem dos processos eletrobioquímicos que tu citou. No momento em que houvesse a hipotética "transmutação" que tu sugeriu, ocasionada por um raio, noutra parte do pãntano, seria criado um êmulo de minha pessoa, com base em um "banco de dados" originado de meu sistema nervoso central, mas sem as vivências que caracterizam meu 'eu' e singularizam minha personalidade (junto aos "inatismos psiquicos"). O exato momento em que meus 'dados' mnemônicos fossem transladados para outro corpo, criado de elementos do pântano, mesmo que fosse um lapso extremamente breve medido em milionésimos de segundo, seria um rompimento radical nos processos vitais; tal "apagamento" anularia todos os já citados sinapsmos e dinãmica cerebral, mesmo os dados sendo preservados, eles seriam como um monte de informações descontextualizadas, mero reflexo de uma mente que se foi, porque morreu.
O "monstro do pântano", personagem dos quadrinhos da DC comics, quando passou por semelhante processo sofreu uma espécie de "hibridismo" molecular, ou seja, ele não chegou a morrer, só teve a "carcaça trocada", foi uma upgrade de elementos constitutivos de seu corpo, uma substituição de elementos minerais e orgânicos. Talvez por isso a mente dele, do personagem, tenha se mantido, ainda que com graves lapsos de memória. :)
Cláudio
Mais um...
Realmente conheço pouco sobre a história do Homem do Pântano dos quadrinhos. A muitos anos atrás li uma revistinha em que ele dá uma batata alucinógena para uma mulher e mantém alguma espécie de relação sexual mental com ela; e li, também, uma revistinha da Orquídea Negra onde ele tem uma participação importante. Mas os teus argumentos sobre o caso são muito bons.
O principal aspecto da discução gira em torno da emulação de uma mente fora de seu contexto original. Pensando sobre isso, cheguei uma conclusão semelhante à tua no que diz respeito ao que aconteceria com o intervalo de tempo e lugar entre as duas mentes de mesma origem.
Isso já foi discutindo em um filme do atual governador da Califórnia, mas ficou um tanto ofuscado pela ação e efeitos especiais, de maneira que proponho um exemplo ligeiramente diferente: posto que um cientista fizesse um clone idêntico a você e transferisse sua mente para esse clone, e que ele pusesse o original e o clone face a face no momento do despertar. E se, ao fazer isso, o cientista maluco dissesse: "Ótimo, a experiência foi um sucesso! Agora um de vocês precisa morrer. E quem vai morrer é o original." - no que ele aponta para o teu eu original. Neste momento haveria uma cisão entre a mente original e a emulada na criatura. Uma estaria tomada de um sentimento de revolta, pensando na injustiça da situação, dado que nenhum motivo para tal escolha foi exposto; e a outra mente agora saberia ser um êmulo de um ser que em breve não mais viverá. Toda a linha existencial daquele amontoado de informações eletrobioquímicas foi alterada.
Quais seriam os aspectos psicológicos? A criatura iria para casa, e reconhecendo a casa , ao mesmo tempo, teria em mente que nunca esteve lá de fato: apenas em suas lembranças artificias. Qual impacto isso teria sobre sua visão de mundo? Como os valores éticos e morais do ser original agiriam em relação a essa nova adaptação inusitada?
Enio
Isso dá pano pra manga.
O Monstro do Pãntano é na minha opinião um dos personagens mais legais da DC. Ele foi, digamos, remodelado, assim como outros personagens que tiveram fases mais "infantis", caso do Batman, e as histórias dele são fortes, com fundo metafísico e existencial digno de nota, recomendo. Toda essa troca de idéias me faz lembrar uma grande obra literária, "Frankenstein", de Mary Shelley, e sua maior criação, o "Monstro" do Dr. Frankenstein, tão rico quanto o Monstro do Pântano da DC, que provavelmente influenciou a criação desse personagem dos quadrinhos. Claro que tu já deve ter ouvido falar, mas se ainda não leu te aconselho. Além de muito boa, a história levanta questões que são pertinentes aqui. A criatura do Dr. Frankenstein nunca teve infância, ela se viu no mundo de repente, já constituida fisicamente, nunca
passou pelas fases de desenvolvimento físico, motor, psíquico, como uma pessoa normal, e foi a partir de seu "arbítrio momentâneo" que teve que desenvolver sua personalidade. É diferente de tua proposta, pois a criatura de que falo não trazia
substancialmente características do dono "anterior" do cérebro que foi nela utilizado, (podemos especular que só foram-lhe efetivamente repassados os caracteres inatos, como o instinto de sobrevivência e assemelhados).
Mas o que pego do exemplo do livro de Mary Shelley é a questão da momentãneidade, pois mesmo que o clone que tu sugeriu tivesse os mesmo padrões mentais do original, e toda sua carga de emoções, lembranças e também a carga intelectual, ele estaria como que "nascendo" naquele exato momento, e ao nascer, mesmo nessa situação hipotética, passamos a constituir nossa própria personalidade,
que será singular, e essa capacidade é uma idiossincrasia humana, ou seja, é algo que nos é característico, pois envolve elementos como arbítrio, capacidade de opinar, de livre escolha, de aprendizado dinãmico e muitas outras coisas. É certo que ao eliiminar o original, o clone restante seria outro ser, mesmo que impregnado por vários aspectos psicológicos, éticos, filosóficos e morais daquele ser do qual se originou, disso não tenho dúvida (acho que foi o que ocorreu no filme do "Schwarza" que tu citou).
Quanto às outras questões que tu levantou:
"Quais seriam os aspectos psicológicos? A criatura iria para casa, e reconhecendo a casa, ao mesmo tempo, teria em mente que nunca esteve lá de fato: apenas em suas lembranças artificias. Qual impacto isso teria sobre sua visão de mundo? Como os valores éticos e morais do ser original agiriam em relação a essa nova adaptação inusitada?"
Meu amigo! Isso aí rende muito. Dá uma tese de pós-doutorado: hehehehe!
Nem sei por onde começar. :)
Cláudio
Tese...
É, acredito que chegamos a um hiato na discução devido ao local onde ela está sendo travada. Ao discutir um assunto tão complexo no orkut não podemos usufruir de uma espontaneidade tão grande como se estivéssemos, por exemplo, em um bar tomando uma cervejinha - local evidentemente mais apropriado para discuções filosóficas. Mas, acho que o tópico rendeu bastante e esta é, talvez, uma das melhores interlocuções que já travei por meio de posts.
Ainda não tive a felicidade de ler o clássico Frankenstein, apenas vi alguns filmes o que, de certo, não substitui toda a riqueza da forma escrita. Tantos livros bons para ler e tão pouco tempo... Interessante o espectro que a discução cobriu: dos zumbis fixados na fase oral, até o Frankenstein, monstro que parece apresentar problemas no complexo de édipo, fase genital. Ele se sente rejeitado pelo seu criador, seu pai e, pelo menos no filme, ele projeta a figura da mãe de uma forma bastante destrutiva na mulher do seu criador. Digo "espectro" porque no filme o monstro assume uma defesa altamente intelectualizada para lidar com a rejeição e o sentimento de vingança, contrastando com os zumbis que não necessitam de tais defesas.
Acho que os conceito zumbi tem um impacto bastante libertador no imaginário humano, especialmente na era em que vivemos: não há preocupações estéticas, nem com horários, nem com coisa alguma que não seja a ingestão de miolos frescos. São, também, uma caricatura do homem moderno, uma vez que geralmente andam em grandes grupos mas mantém uma atitude totalmente individualista dada sua própria incapacidade de estabelecer relações com seus semelhantes.
Existem teóricos que acreditam num movimento de retorno ao modo tribal, em subsociedades humanas. Acredito que isso seja um modo de reverter o individualismo, e por isso não me admira a maneira como tais tribos urbanas sejam inicialmente combatidas e, posteriormente, assimiladas pela cultura de massa.
Enio
Concordo Cláudio.
Para atingir nossos fins o meio em que principiamos a discussão, Orkut, já não nos oferece maiores facilidades. Não tenho dúvidas quanto ao que tu sugeriu a respeito do local adequado às discussões filosóficas, um bar, tomando cerva (ainda que eu prefira vinho). Sobre isso penso que o boteco deve ser um dos elementos culturais mais antigos do mundo. É provável que já existissem na Grécia antiga, como parte das trocas culturais dos gregos com outros povos, sobretudo o egípcio, de quem eles devem ter adquirido também o hábito de tomar cerveja (quente); mas o fato é de que os pré-socráticos já deviam dispor de algo assim na época, e é provável também que o primeiro dono de boteco tenha sido Tales de Mileto, se levarmos em conta que a base da proposição filosófica de Tales era o elemento água (olha que bela metáfora). Deve vir daí a expressão popular: “Tô numa ÁGUA desgraçada”. Hahahaha!
No fim das contas, burro foi Sócrates, que aceitou beber cicuta ao invés de uma “água-ardente”. Hahaha!
O tópico rendeu bastante até agora, e não tenho dúvidas de que foi um dos melhores que já “encarei’ aqui no Orkut. Aprendi até agora muito, e penso que pode render ainda mais, não só pelo que tu postou por último, já que as indagações presentes desde o início são riquíssimas. No momento em que tu sugeriu a questão da fase oral, mais primitiva e instintiva, enquanto matriz psíquica da mente zumbi, seria natural, por exemplo, passarmos por outras fazes do desenvolvimento psíquico dos mortos-vivos, chegando fatalmente à fase anal-retentiva e às suas particularidades. Por ser possível chegarmos a isso, já que estamos no campo das idéias, onde tudo é possível, podemos explorar outra possibilidade, considerando que os zumbis demonstram, no seu estranho jeito de se “alimentar”, a predileção por CÉREBROS: Seria esse “alimento” processado e metabolizado de modo semelhante ao que ocorre no corpo vivo? Pessoalmente acho que não. No plano das conjecturas penso que o cérebro seria uma espécie de energia etérea e sutil que os zumbis absorvem para, segundo o que vi num filme, lhes aliviar a “dor de estar morto” (seja lá o que for isso).
De fato, toda a cultura zumbi tem essa função de construir hipóteses sobre a condição humana. A literatura registra a desconstrução do homem em face das transformações sociais, históricas e tecnológicas, e filosóficas, é óbvio; as obras de autores como Robert L. Stevenson (O médico e o monstro) e Franz Kafka demonstram isso. A desconstrução “biológica”, entretanto, nos parece mais perturbadora, talvez por ser de fato a grande verdade da vida, ou seja, todos vamos morrer um dia; nossa destinação, à putrescência, aos vermes e ao pó, é trágica, como já nos lembrava o poeta Augusto dos Anjos a quase oitenta anos atrás. Os filmes de George Romero trazem essa ansiedade humana em termos contemporâneos, numa linguagem tão crua quanto à de Augusto dos Anjos, mas em sintonia com os novos tempos e atendendo a necessidade de termos o elemento morte mais presente no dia-a-dia, justamente para que possamos entender e valorizar a vida. Dissertar sobre todas as mensagens ácidas e críticas do grande diretor George Romero também rende muita coisa: O vejo como um cineasta genial, e ele não precisa de ambientações orientais e nem de uma única BURCA que seja para ser o que é (só de “menininhos zumbis” de vez em quando: hahaha!).
Perdendo seu caráter social o homem se degrada, não teremos como discordar disso. Não se pode seguir Nietzsche tão à risca assim, mesmo que tenha-se que ter claro que, ao contrário do que querem os marxistas, não podemos considerar os grupos humanos como “massas” (já foi dito que massa é bom com molho branco). Temos que alcançar o equilíbrio entre a individualidade e a nossa natureza social, pois isso faz de nós humanos. O fenômeno tribal já é uma realidade. Depois de Ted Boys, Hippies, Skins, Punks, Headbangers, Lurcher’s e tantos outros movimentos tribais, chegamos à zumbizada: hehehhe! Não tenho dúvida que há um forte ânimo tribal ‘cimentando’ isso tudo. Parece um evento isolado, já que a periodicidade sugerida para a Zombie Walk é a de uma vez ao ano, o que acho muito bom, mas nada impede que os Zombiewalkers possam se reunir esporadicamente para encontros sociais, festas temáticas, pedágios, excursões para participar de Zombiewalks em outras cidades, arrecadação de pedágio, participações em peças teatrais e em filmes, sendo inclusive possível criar um grupo de teatro pelo pessoal, dado o forte "apelo dramático" de toda cultura zumbi...
São milhões de possibilidades, como é comum a qualquer "sistema" tribal.
Quanto à assimilação pela cultura de massa???
Só o tempo vai dizer.
ops, já ia esquecendo...
Tuas considerações sobre o complexo de Édipo acerca do Monstro de Frankenstein são muito interessantes. Apesar de ter visto alguns dos filmes lembro melhor do enredo do livro, e há de fato uma fixação por parte da criatura em relação à figura feminina, posto que a maior exigência do Monstro é que o Doutor lhe crie uma “companheira” (isso abre mais uma vertente pra discussão). Mas o complexo de Édipo que o acomete é de fato muito forte e, ouso dizer que, ao menos diante do que li no livro, ele, o Monstro, o projeta sobre seu criador... Parece estranho, paradoxal, mas é verdade (eu acho).
Cláudio
A cicuta de Sócrates
Concordo em grau, gênero e número quando dizes que Sócrates foi burro ao ingerir cicuta ao invés de uma "água-ardente." A inevitabilidade da exitinção do indivíduo faz com que todo suicídio, na minha opinião, seja um ato de precipitação e de esquiva das inúmeras possibilidades que jamais se concretizarão uma vez que se "fecha o livro antes de ler o capítulo final." Mas a vida é um dos poucos bens ainda inalienáveis e cada um sabe o que faz com a sua. Surpreendentemente, podemos relacionar os hábitos alimentares dos mortos vivos com isso, se imaginarmos que eles são uma força natural (ou não) que avança em direção à humanidade e impõe nesta um despertar diante da ameaça da antropofagia. É como se existisse uma mensagem implícita de que precisamos utilizar nossa "energia etérea" para algum propósito, ou serviremos apenas de alimento para um organismo que não pensa e não possui sentimentos: um organismo morto que suga a energia dos vivos, seus sonhos, suas habilidades mais refinadas, de maneira indiferente à individualidade. Estranho como isso se assemelha ao modo como as pessoas rendem-se ao trabalho, correspondendo àquilo que delas é esperado em cada vínculo empregatício: desde o operário de uma fábrica, até um juíz federal, todos encarnam papéis e aceitam aquilo que já estava estabelecido anteriormente. Uma vez que toda sua vontade e independencia de pensamento é sugada por esse sistema, os indivíduos se tornam não mais do que seus propagadores.
Não deveríamos ter medo de morrer, uma vez que estamos inseridos neste sistema que não nos permite ser mais do que meio vivos, ou mortos vivos. Deveríamos nos preocupar em acordar; muito mais do que propor mudanças, propor um modo de pensar libertador. Que a voz dos filósofos se fizesse ouvir nas escolas, nas ruas; precisamos muito mais do que apenas assumir um papel para sermos alguém, deveríamos imprimir personalidade em cada obra que executássemos. Essa seria a reação de fuga aos dedos mortos que se estendem em nossa direção, aproximando-se cada vez mais a medida que vamos "assumindo responsabilidades e encargos." Embora sejam bastante inspiradoras as iniciativas de indivíduos que fogem à esse sistema em suas atribuições, precisamos muito mais do que iniciativas isoladas. Grandes pensadores vêm a séculos avisando para a necessidade desse despertar, ou o ser humano controla e se utiliza da sociedade, ou por ela é controlado e utilizado até o bagaço. Deveríamos ser mais do que um problema ecológico, uma espécie belicosa que para matar uns aos outros extermina, no processo, ecossistemas inteiros. Somos formigas com armas atômicas... Um dia ainda conseguiremos virar poeira espacial mesmo.
Cláudio
O monstro e o complexo de édipo
... ou o complexo de édipo monstruoso... heheheh.. Admito que tentei propor essa discução em aula com a minha professora de Teoria Psicanalítica. Após uma certa resistência por parte dela e do restante da turma à idéia de um indivíduo sendo criado exclusivamente pelo "pai" - visão da qual não compartilho, uma vez que na prática tanto o homem adulto quanto a mulher adulta são capazes de prover as necessidades físicas e afetivas de uma criança, dependendo apenas do amor que nutrem por ela. Tentei explicar o caso sem entrar no âmbito literário, uma vez que queria transpor a ficção para o mais próximo possível da realidade. Conforme foi dito em aula, alguns teóricos da psicanálise, diferentemente de Freud, acreditam que o complexo de épido não é uma regra. Ainda não tenho conhecimento o suficiente para dizer se concordo ou discordo com isso, mas o livro do monstro parece apontar na direção oposta.
A importância dessa ficção é inegável, assim como seu aspecto humano, caso contrário não despertaria tanto fascínio após ter conquistado leitores por várias gerações. O monstro sente uma grande revolta pela rejeição de seu "pai/criador", ao passo que seu pai transfere todo seu amor para uma companheira após ter rejeitado o monstro. O monstro se vê no lugar dessa companheira, como herdeiro de direito desse amor, numa espécie de complexo de édipo invertido, à semelhança daquilo que é chamado de complexo de elektra. Tenho a impressão de que o monstro era estéril, incapaz de se reproduzir, o que ajudaria a sustentar essa hipótese de uma sexualidade não bem definida. Ao ser continuamente rejeitado por seu criador, a solução encontrada por seu "ego" é tentar assumir uma identificação especular com o "pai", vindo a demandar que este lhe providencie uma companheira, uma igual em sua dor. O monstro, ser todo recortado e costurado, lembra o estágio do espelho proposto por Lacan, mas ao deparar-se com sua imagem refletida, ao invés de uma promessa, tudo o que vê é a expressão aterradora de sua fragmentação interna no exterior.
CENOURINHA
AHHHHHHHHHHHHHH
EU TO FICANDO LOKOOOOOO
TENTEI LER TRES RESPOSTAS DE VCS AO TOPICO E NAUM CONSEGUIIIIIIIIII
ISSO É MUITU COMPLEXO E LONGOOOOOOOOOOO
AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHH
ASSIM EU VO ACABA VIRANDO UM ZUMBI!
Cláudio
Deus responde
Quando não entenderes alguma coisa, pergunte à Deus (www.google.com)... Normalmente Deus responde por meio de sua filha (www.wikipedia.org).
Luiz
MalvaDInho:Desde que inventaram o Google parei de ir na missa dos Domingos.
Agora tenho todas as respostas para meus sofrimentos terrenos. Deus, nunca mais...
MALvAdão: Se mamãe estivesse viva iria sofrer vendo você venerando uma máquina...
MalvaDInho: Mãe eu arrumo outra no Submarino.
Enio
Cláudio!
Não evoque o "santo nome" em vão...
hahahaha!
Gostei de tuas considerações a respeito do suicídio, ainda que tenhas pego como gancho o "ato falho" de Sócrates, que não tomou cicuta para cometer Harakiri, mas para cumprir uma sentença, já que ele foi condenado à morte por "corromper a juventude" (até parece). Há toda uma possibilidade teórica que diz que o suícidio é uma hipótese (Antonin Artaud), ou seja, se tudo que tu disse faz sentido, por outro lado pode-se dizer que o suicídio é um ato de coragem e autonomia, que em tese comprovaria a plena e definitiva supremacia do indivíduo, como climax de sua vontade soberana sobre si mesmo.
Acho que tu conseguiu sintetizar o cerne da questão, que George Romero tenta passar à humanidade desde que começou a filmar toscamente seus zumbis. Se a humanidade não "usar a cabeça", não fará mesmo sentido dispor de uma estrutura tão desenvolvida como o cérebro (tido como o construto mais desenvolvido do universo). Tuas relações, sobre a metáfora de "comer cérebro" são pertinentes, concordo com tudo e digo mais: vejo que gente que deveria usá-lo, como George W. Bush, não o faz de forma satisfatória; aliás, a cabeça dele é tão podre que nem os zumbis iriam querer saber; o que lhes interessa é cérebro, não merda.
Sobre Franknestein, no livro o Doutor interrompe o trabalho de criação de uma companheira para sua ciratura, com medo de que ele se reproduza, ou seja, o Monstro poderia se perpetuar, mas talvez não fosse essa sua intenção maior, pois ele era dotado de faculdades intelectuais que o faziam entender que o homem é mais do que somente aspectos e elementeos fisiológicos, mas sendo o que era ele sabia que não haveria lugar para ele no mundo, e que afinal, sua raiva contra o criador era um inutilidade... Não posso te contar como termina o livro, para não estragar a surpresa, mas acho que uma das mensagens da obra é de que a vingança não é um motivo que vale a pena.
Veja bem, essa aparente mensagem de retaliação como força menor é na verdade uma "submensagem", pois vejo todo o enredo como metonímia da necessidade de construção humana, que é refletida inclusive no semblante fragmentado do Monstro, conforme tu destacou, e isso justifica a tua tentativa de trazer a discussão à sala de aula.
De qualquer maneira, vão te chamar de louco sempre que vieres com algo assim: hehehehe!
Cláudio
A loucura e autonomia
Eu acho que ouvi falar em algum lugar, não lembro se foi em alguma aula de história do direito ou em alguma aula de filosofia, que o Sócrates tinha a opção de deixar Roma ao invés de beber cicuta, mas que naquela época deixar Roma era uma punição considerada pior do que a morte. Pode ser que eu esteja enganado, pois nem me lembro onde ouvi isso. Talvez estivessem se referindo àquele cara que você citou.
Pessoalmente não vejo o suicídio como uma boa alternativa, mas existem casos e casos. "Desde que não me suicidem, tudo bem." hehehehe!! Brincadeira.
Eu já esperava as reações que vi em aula, mas esperava também colher alguma coisa que enriquecesse minhas hipóteses de alguma maneira... Talvez tenha conseguido, embora não esteja sendo capaz de definir exatamente o quê, neste momento, com clareza.
Todos nós temos núcleos de insanidade, apenas mantemos eles sobre controle a maior parte do tempo. Alguns até acreditam que a loucura é uma opção num momento em que a vida se mostra mais pesada do que a pessoa consegue lidar psicologicamente.
Não vejo motivos para flertar com a loucura, em doses homeopáticas, em contextos criativos. Acho que só tem a acrescentar. (:
A última frase saiu errada... Era pra ser "não vejo motivos para não flertar com a loucura..." etc. :P
Enio
É Verdade Cláudio.
Sócrates tinha a opção do desterro ou de pagar uma multa, mas para o filósofo isso seria como que admitir a culpa, por isso ele preferiu à execução ingerindo cicuta, pretendendo assim cumprir a pena mais "digna", segundo a mentalidade da época. Permita-me te corrigir quanto ao local de execução da pena, pois Sócrates atuava em Atenas, não em Roma. Lembro de ter lido que antes de morrer ele teria dito aos presentes algo mais ou menos assim: "Ambos nos encaminhamos a um destino: vós à vida, eu à morte; resta saber quem de nós terá melhor sorte". Sócrates, segundo o que nos consta, não temia morrer desde que isso não fosse contra seus ideais de vida, mas eu não sei se concordo que um ideal seja o suficiente para justificar a morte física de alguém, mesmo assim, a narrativa da vida de Sócrates não deixa de ser um tipo de lição de caráter, boa ou má, mas é.Vou te dizer, acho que não só tu colheu coisas boas em aula com estas indagações, mas toda a turma se beneficiou, mesmo sendo improvável que alguém admita. Na área das humanas, drasticamente, o positivismo histórico ainda se mantém; parece que as pessoas não entendem, por exemplo, que algo como Marx é tão literário quanto Irmãos Grimm, inclusive quanto a questões moralizantes, de formação social e tudo mais; nos meios acadêmicos ainda persiste a mentalidade de que "tens que ser prático" e ler o que vai "ser útil"; é uma pena, pois isso não exercita o discernimento do indivíduo a ponto de fazê-lo ver que construir-se a si mesmo, engrandecer-se como ser pensante, é a coisa mais "prática" e útil que alguém pode fazer por si mesmo. Infelizmenten essa mentalidade estéril continua, mais e mais cérebros são inutilizados e nada mais resta a essas cabeças de vento do que virar "comida pra zumbi", como tu já falou.
Concordo totalmente a respeito da loucura em doses homeopáticas, e as vezes acho-a boa mesmo em doses cavalares. Como tu colocou acho que podemos ter na loucura um "escapismo justificável" e um espaço para a alteridade. Ser louco é ser assimétrico, fora dos padrões do que é tido como certo, e isso é regra no universo, pois não existe perfeição, ou seja, ser torto, tosco, feio... Tudo isso é normal, portanto, ser louco é ser humano. Sobre isso aconselho à leitura de "O Alienista", de Machado de Assis; é um texto curto, deve ter umas 60 páginas, e é muito bom, uma crítica ao cientificismo que trata também da questão da loucura no imaginário coletivo e te faz rir muito, leitura indispensável.
Cláudio
Tirado do nariz (:
Realmente, me espanta não encontrar muitos artigos acadêmicos da área das humanas que façam referências às ficções literárias. No primeiro trabalho que fiz na faculdade, utilizei o conto "O Nariz", do Gogol, para fazer as considerações finais. Desde então, procuro relacionar os assuntos acadêmicos com a cultura popular, e isso torna o trabalho bem mais prazeroso. Especialmente na área das humanas se faz necessário o estímulo a uma visão ampla por parte do estudante que virá a ser um profissional no estudo. Utilizando um paradoxo lingüístico, "se para toda regra existe uma exceção", a razão de ser é o próprio ser humano: em se tratando de indivíduos, relacionamentos e sociedades, as regras devem ser tidas preferencialmente como guias, caso contrário corre-se o risco de cometer atrocidades morais e éticas... Infelizmente percebo que esta é uma visão pouco difundida e, mesmo fora do direito, muitos profissionais adotam o ditado "dura lex, sed lex" em suas práticas. Talvez se tivessem lido mais, vivido mais e, porque não, até sofrido mais, poderiam desenvolver um olhar mais empático e subjetivo.
Eu li "O Alienista" pela primeira vez este ano e achei muito divertido, mas com uma mensagem muito séria que interpreto mais ou menos assim: "aquele que trabalha na área da saúde deve manter uma perspectiva sã em suas funções" - é a busca pela sanidade e não pela patologia, sempre tendo em mente a questão de como ajudar aquele indivíduo, como promover alguma melhora no seu estado geral. E, é claro, tendo em mente que haverão casos em que, devido as próprias limitações profissionais, o melhor é justamente nada fazer.
Enio
Legal cara...
Terminar um trabalho com Gogol deve mesmo conferir alto grau de humanismo ao que tu propôs; ainda não tive o privilégio de ler Gogol; estive com "Almas Mortas" em mãos, mas era de uma ex-namorada, que foi-se levando, entre outras coisas, seus livros. Li poucos russos, só um conto de Tchekov e "Crime e Castigo" de Dostoievysk, mas pretendo reparar isso um dia, mas, cá entre nós, bem que os autores russos podiam ser "menos volumosos", pois ando sem tempo pra ler o que quero, quanto mais ler centenas de páginas. Só posso fazer eco ao que tu disse sobre a relação que deveria existir entre viver, proceder, agir, escrever... Para tudo isso é preciso sentir, sorrir, sofrer, enfim, viver. Concordamos mesmo nesse aspecto.
Sobre "O Alienista", como você mesmo pôde conferir, o livro é bom demais, sendo a mensagem por ele trazida algo que, pela sua essência, será pertinente ainda por muitos séculos, fazendo de sua leitura uma necessidade.
Por falar em necessidade, e em Loucura, assista ao show do The Cramps ao vivo no Napa Mental Hospital (1982); depois de ler o Alienista e assistir a esse show surreal tua vida vai dar uma guinada, te garanto, após assistir isso tive que concordar que que a loucura é condição indispensável pra ser feliz. :)
A conversa aconteceu na comunidade do flash mob Zombie Walk - Rio Grande / RS, e pode ser lida no contexto original neste link.
Abaixo eu coloquei uma versão simplificada para facilitar a leitura.
Claudio
Aspecto psicanalítico de um zumbi
"Cemitério maldito: menino após sua morte, renasce na fase oral zumbi onde busca introjetar tudo a sua frente; frustrado com o fracasso entra em sua fase canibal a qual se manisfeta com violência e muito sangue. POR QUE PRA ELE TODOS SOMOS TETAS." Cid, 2007.
Enio
Pode crer Cláudio!
Seria este laudo psicanalítico baseado em experiências "empíricas" de tua pessoa?
hehehehe!
Abraço!
Cláudio
Citação...
Não é um laudo baseado nas minhas experiências pessoais, embora seja bastante interessante, pois nem mesmo fui eu que emiti. Estava falando sobre a Zombie Walk com um colega de aula e ele veio com essa pérola. Achei interessante e adequado o uso da fase oral, que é a mais primitiva e que está relacionada a problemas psicológicos mais profundos tais como a psicose e a esquizofrenia acentuada.
Embora seja uma questão primariamente fictícia, é divertido especular sobre a cisão de realidade na mente de um zumbi (se é que existe alguma realidade para um zumbi... ou mesmo mente?).
Na verdade, os zumbis são o melhor modelo "humano" para o behaviorismo ortodoxo, daí a expressão prejorativa cunhada pelos opositores do behaviorismo para descrever tal modelo: "zumbis filosóficos." Afinal, zumbis não sentem, não se emocionam, apenas apresentam um comportamento maniático característico. Sua cognição também é limitada ao básico necessário para alcançar a gratificação de forma rudimentar.
Muitas pessoas encontram-se atualmente num estado muito semelhante a este: são aquelas pessoas que assistem os programas de domingo da tv aberta, canais de compras, pessoas que não conseguem desenvolver uma conversa que ultrapasse os assuntos discutidos em revistas de grande circulação nacional... Enfim, talvez zumbis existam mesmo, e dependendo da postura de sobrevivência baseada no capital, é possível dizer que se alimentem da carne e do sangue de outros seres humanos. (:
Enio
Boas especulações:
Como divertimento, conforme tu salientou, pois a existència de uma "mente zumbi" é uma impossibilidade científica, já que a mente, seja ela qual for, para manter-se em atividade (cognitiva, emotiva, passiva, intelectiva, instintiva), necessita de um aparato fisiológico funcional, o sistema nervoso (sobretudo o cérebro). Para manter-se ativo este aparato precisa ser constituido de tecidos vivos, o que não é o caso doz Zumbis, então, a menos que estejamos só no campo das metáforas, nada disso tem mesmo base lógica, e nisso podemos concordar com os opositores do behaviorismo quanto às suas prescrições acerca dos condicionamentos humanos, tidos como inatos e irreversíveis, ou seja, ao pensamento determinista. Dos mortos não dá pra esperar nada mesmo, nem um piscar de olhos que seja, infelizmente, essa é a verdade.
Cláudio
O Enio do pântano
A dicotomia entre mente e corpo é um assunto que ainda está em aberto. Embora eu esteja mais inclinado a acreditar que a mente é um resultado dos processos eletroquímicos que ocorrem no sistema nervoso, a ciência ainda não pode esclarecer algumas informações importantes a este respeito. Um exemplo disso é a questão do "homem do pântano." Imagina que tu estivesse passeando pelo pântano em uma noite qualquer, e um raio te atingisse, desintegrando completamente teu corpo. No mesmo instante, em algum outro lugar do pântano, algum fenômeno meteorológico raro ainda desconhecido rearranjasse diversos elementos básicos encontrados no pântano criando um ser exatamente igual a ti, mesmo a nível molecular, no momento em que o raio te atingiu. Este ser teria todas as tuas memórias (tendo em mente que a organização e estado neural teria se reproduzido) e se comportaria da mesma maneira que tu. Ele sairia do pântano, iria para o Cruz, tomaria uma cerveja e até mesmo cumprimentaria os teus amigos.
Mas o Enio do pântano não seria você, concorda? Ele agiria como se conhecesse teus amigos, tendo até a memória deles, mas não poderia conhecê-los, uma vez que nunca esteve com eles. Teria o Enio do pântano uma mente? Ou seria ele apenas uma emulação daquilo que era o Enio?
Será que o Enio que todos conhecemos não é, na verdade, uma criatura oriunda do pântano, que nem mesmo está realmente viva? E se ele for, isso faria alguma diferença? heheheheheh... (é uma brincadeira, ok?) :D
Enio
Sabe de uma coisa?
Tudo parece mais claro pra mim agora. Já faz tanto tempo... Passei minha infância exposto aos rigores do clima, nos pântanos que existiam lá pelas bandas do Parque São Pedro... Num daqueles dias temperados, de Primavera, havia uma tempestade se aproximando... Lembro de um clarão, depois um estrondo e um impacto forte, mais nada. Acordei em meio aos miasmas e cheiro fétido que emanava da lama e das plantas aquáticas, recoberto de sanguessugas; metade de meu cabelo ficou branco, ratos e capivaras se puseram em fuga, assim como os passáros que haviam em volta...
E agora?
Porquê há limo na minha pele de vez em quano e meu couro cabeludo descama conchas como um sambaqui???
É isso!
Eu sou o Monstro:
O Monstro do Pântano!
HAAAAAAAAAAA!
hehehehe!
brincadeira!!! (é óbvio) hehehehe!
(...) sobre a dicotomia mente/corpo(?)
Não acredito que ela, a mente, possa existir sem os sinapsmos e outros elementos de ressonância não só fisiológica, mas também psíquica, que dependem dos processos eletrobioquímicos que tu citou. No momento em que houvesse a hipotética "transmutação" que tu sugeriu, ocasionada por um raio, noutra parte do pãntano, seria criado um êmulo de minha pessoa, com base em um "banco de dados" originado de meu sistema nervoso central, mas sem as vivências que caracterizam meu 'eu' e singularizam minha personalidade (junto aos "inatismos psiquicos"). O exato momento em que meus 'dados' mnemônicos fossem transladados para outro corpo, criado de elementos do pântano, mesmo que fosse um lapso extremamente breve medido em milionésimos de segundo, seria um rompimento radical nos processos vitais; tal "apagamento" anularia todos os já citados sinapsmos e dinãmica cerebral, mesmo os dados sendo preservados, eles seriam como um monte de informações descontextualizadas, mero reflexo de uma mente que se foi, porque morreu.
O "monstro do pântano", personagem dos quadrinhos da DC comics, quando passou por semelhante processo sofreu uma espécie de "hibridismo" molecular, ou seja, ele não chegou a morrer, só teve a "carcaça trocada", foi uma upgrade de elementos constitutivos de seu corpo, uma substituição de elementos minerais e orgânicos. Talvez por isso a mente dele, do personagem, tenha se mantido, ainda que com graves lapsos de memória. :)
Cláudio
Mais um...
Realmente conheço pouco sobre a história do Homem do Pântano dos quadrinhos. A muitos anos atrás li uma revistinha em que ele dá uma batata alucinógena para uma mulher e mantém alguma espécie de relação sexual mental com ela; e li, também, uma revistinha da Orquídea Negra onde ele tem uma participação importante. Mas os teus argumentos sobre o caso são muito bons.
O principal aspecto da discução gira em torno da emulação de uma mente fora de seu contexto original. Pensando sobre isso, cheguei uma conclusão semelhante à tua no que diz respeito ao que aconteceria com o intervalo de tempo e lugar entre as duas mentes de mesma origem.
Isso já foi discutindo em um filme do atual governador da Califórnia, mas ficou um tanto ofuscado pela ação e efeitos especiais, de maneira que proponho um exemplo ligeiramente diferente: posto que um cientista fizesse um clone idêntico a você e transferisse sua mente para esse clone, e que ele pusesse o original e o clone face a face no momento do despertar. E se, ao fazer isso, o cientista maluco dissesse: "Ótimo, a experiência foi um sucesso! Agora um de vocês precisa morrer. E quem vai morrer é o original." - no que ele aponta para o teu eu original. Neste momento haveria uma cisão entre a mente original e a emulada na criatura. Uma estaria tomada de um sentimento de revolta, pensando na injustiça da situação, dado que nenhum motivo para tal escolha foi exposto; e a outra mente agora saberia ser um êmulo de um ser que em breve não mais viverá. Toda a linha existencial daquele amontoado de informações eletrobioquímicas foi alterada.
Quais seriam os aspectos psicológicos? A criatura iria para casa, e reconhecendo a casa , ao mesmo tempo, teria em mente que nunca esteve lá de fato: apenas em suas lembranças artificias. Qual impacto isso teria sobre sua visão de mundo? Como os valores éticos e morais do ser original agiriam em relação a essa nova adaptação inusitada?
Enio
Isso dá pano pra manga.
O Monstro do Pãntano é na minha opinião um dos personagens mais legais da DC. Ele foi, digamos, remodelado, assim como outros personagens que tiveram fases mais "infantis", caso do Batman, e as histórias dele são fortes, com fundo metafísico e existencial digno de nota, recomendo. Toda essa troca de idéias me faz lembrar uma grande obra literária, "Frankenstein", de Mary Shelley, e sua maior criação, o "Monstro" do Dr. Frankenstein, tão rico quanto o Monstro do Pântano da DC, que provavelmente influenciou a criação desse personagem dos quadrinhos. Claro que tu já deve ter ouvido falar, mas se ainda não leu te aconselho. Além de muito boa, a história levanta questões que são pertinentes aqui. A criatura do Dr. Frankenstein nunca teve infância, ela se viu no mundo de repente, já constituida fisicamente, nunca
passou pelas fases de desenvolvimento físico, motor, psíquico, como uma pessoa normal, e foi a partir de seu "arbítrio momentâneo" que teve que desenvolver sua personalidade. É diferente de tua proposta, pois a criatura de que falo não trazia
substancialmente características do dono "anterior" do cérebro que foi nela utilizado, (podemos especular que só foram-lhe efetivamente repassados os caracteres inatos, como o instinto de sobrevivência e assemelhados).
Mas o que pego do exemplo do livro de Mary Shelley é a questão da momentãneidade, pois mesmo que o clone que tu sugeriu tivesse os mesmo padrões mentais do original, e toda sua carga de emoções, lembranças e também a carga intelectual, ele estaria como que "nascendo" naquele exato momento, e ao nascer, mesmo nessa situação hipotética, passamos a constituir nossa própria personalidade,
que será singular, e essa capacidade é uma idiossincrasia humana, ou seja, é algo que nos é característico, pois envolve elementos como arbítrio, capacidade de opinar, de livre escolha, de aprendizado dinãmico e muitas outras coisas. É certo que ao eliiminar o original, o clone restante seria outro ser, mesmo que impregnado por vários aspectos psicológicos, éticos, filosóficos e morais daquele ser do qual se originou, disso não tenho dúvida (acho que foi o que ocorreu no filme do "Schwarza" que tu citou).
Quanto às outras questões que tu levantou:
"Quais seriam os aspectos psicológicos? A criatura iria para casa, e reconhecendo a casa, ao mesmo tempo, teria em mente que nunca esteve lá de fato: apenas em suas lembranças artificias. Qual impacto isso teria sobre sua visão de mundo? Como os valores éticos e morais do ser original agiriam em relação a essa nova adaptação inusitada?"
Meu amigo! Isso aí rende muito. Dá uma tese de pós-doutorado: hehehehe!
Nem sei por onde começar. :)
Cláudio
Tese...
É, acredito que chegamos a um hiato na discução devido ao local onde ela está sendo travada. Ao discutir um assunto tão complexo no orkut não podemos usufruir de uma espontaneidade tão grande como se estivéssemos, por exemplo, em um bar tomando uma cervejinha - local evidentemente mais apropriado para discuções filosóficas. Mas, acho que o tópico rendeu bastante e esta é, talvez, uma das melhores interlocuções que já travei por meio de posts.
Ainda não tive a felicidade de ler o clássico Frankenstein, apenas vi alguns filmes o que, de certo, não substitui toda a riqueza da forma escrita. Tantos livros bons para ler e tão pouco tempo... Interessante o espectro que a discução cobriu: dos zumbis fixados na fase oral, até o Frankenstein, monstro que parece apresentar problemas no complexo de édipo, fase genital. Ele se sente rejeitado pelo seu criador, seu pai e, pelo menos no filme, ele projeta a figura da mãe de uma forma bastante destrutiva na mulher do seu criador. Digo "espectro" porque no filme o monstro assume uma defesa altamente intelectualizada para lidar com a rejeição e o sentimento de vingança, contrastando com os zumbis que não necessitam de tais defesas.
Acho que os conceito zumbi tem um impacto bastante libertador no imaginário humano, especialmente na era em que vivemos: não há preocupações estéticas, nem com horários, nem com coisa alguma que não seja a ingestão de miolos frescos. São, também, uma caricatura do homem moderno, uma vez que geralmente andam em grandes grupos mas mantém uma atitude totalmente individualista dada sua própria incapacidade de estabelecer relações com seus semelhantes.
Existem teóricos que acreditam num movimento de retorno ao modo tribal, em subsociedades humanas. Acredito que isso seja um modo de reverter o individualismo, e por isso não me admira a maneira como tais tribos urbanas sejam inicialmente combatidas e, posteriormente, assimiladas pela cultura de massa.
Enio
Concordo Cláudio.
Para atingir nossos fins o meio em que principiamos a discussão, Orkut, já não nos oferece maiores facilidades. Não tenho dúvidas quanto ao que tu sugeriu a respeito do local adequado às discussões filosóficas, um bar, tomando cerva (ainda que eu prefira vinho). Sobre isso penso que o boteco deve ser um dos elementos culturais mais antigos do mundo. É provável que já existissem na Grécia antiga, como parte das trocas culturais dos gregos com outros povos, sobretudo o egípcio, de quem eles devem ter adquirido também o hábito de tomar cerveja (quente); mas o fato é de que os pré-socráticos já deviam dispor de algo assim na época, e é provável também que o primeiro dono de boteco tenha sido Tales de Mileto, se levarmos em conta que a base da proposição filosófica de Tales era o elemento água (olha que bela metáfora). Deve vir daí a expressão popular: “Tô numa ÁGUA desgraçada”. Hahahaha!
No fim das contas, burro foi Sócrates, que aceitou beber cicuta ao invés de uma “água-ardente”. Hahaha!
O tópico rendeu bastante até agora, e não tenho dúvidas de que foi um dos melhores que já “encarei’ aqui no Orkut. Aprendi até agora muito, e penso que pode render ainda mais, não só pelo que tu postou por último, já que as indagações presentes desde o início são riquíssimas. No momento em que tu sugeriu a questão da fase oral, mais primitiva e instintiva, enquanto matriz psíquica da mente zumbi, seria natural, por exemplo, passarmos por outras fazes do desenvolvimento psíquico dos mortos-vivos, chegando fatalmente à fase anal-retentiva e às suas particularidades. Por ser possível chegarmos a isso, já que estamos no campo das idéias, onde tudo é possível, podemos explorar outra possibilidade, considerando que os zumbis demonstram, no seu estranho jeito de se “alimentar”, a predileção por CÉREBROS: Seria esse “alimento” processado e metabolizado de modo semelhante ao que ocorre no corpo vivo? Pessoalmente acho que não. No plano das conjecturas penso que o cérebro seria uma espécie de energia etérea e sutil que os zumbis absorvem para, segundo o que vi num filme, lhes aliviar a “dor de estar morto” (seja lá o que for isso).
De fato, toda a cultura zumbi tem essa função de construir hipóteses sobre a condição humana. A literatura registra a desconstrução do homem em face das transformações sociais, históricas e tecnológicas, e filosóficas, é óbvio; as obras de autores como Robert L. Stevenson (O médico e o monstro) e Franz Kafka demonstram isso. A desconstrução “biológica”, entretanto, nos parece mais perturbadora, talvez por ser de fato a grande verdade da vida, ou seja, todos vamos morrer um dia; nossa destinação, à putrescência, aos vermes e ao pó, é trágica, como já nos lembrava o poeta Augusto dos Anjos a quase oitenta anos atrás. Os filmes de George Romero trazem essa ansiedade humana em termos contemporâneos, numa linguagem tão crua quanto à de Augusto dos Anjos, mas em sintonia com os novos tempos e atendendo a necessidade de termos o elemento morte mais presente no dia-a-dia, justamente para que possamos entender e valorizar a vida. Dissertar sobre todas as mensagens ácidas e críticas do grande diretor George Romero também rende muita coisa: O vejo como um cineasta genial, e ele não precisa de ambientações orientais e nem de uma única BURCA que seja para ser o que é (só de “menininhos zumbis” de vez em quando: hahaha!).
Perdendo seu caráter social o homem se degrada, não teremos como discordar disso. Não se pode seguir Nietzsche tão à risca assim, mesmo que tenha-se que ter claro que, ao contrário do que querem os marxistas, não podemos considerar os grupos humanos como “massas” (já foi dito que massa é bom com molho branco). Temos que alcançar o equilíbrio entre a individualidade e a nossa natureza social, pois isso faz de nós humanos. O fenômeno tribal já é uma realidade. Depois de Ted Boys, Hippies, Skins, Punks, Headbangers, Lurcher’s e tantos outros movimentos tribais, chegamos à zumbizada: hehehhe! Não tenho dúvida que há um forte ânimo tribal ‘cimentando’ isso tudo. Parece um evento isolado, já que a periodicidade sugerida para a Zombie Walk é a de uma vez ao ano, o que acho muito bom, mas nada impede que os Zombiewalkers possam se reunir esporadicamente para encontros sociais, festas temáticas, pedágios, excursões para participar de Zombiewalks em outras cidades, arrecadação de pedágio, participações em peças teatrais e em filmes, sendo inclusive possível criar um grupo de teatro pelo pessoal, dado o forte "apelo dramático" de toda cultura zumbi...
São milhões de possibilidades, como é comum a qualquer "sistema" tribal.
Quanto à assimilação pela cultura de massa???
Só o tempo vai dizer.
ops, já ia esquecendo...
Tuas considerações sobre o complexo de Édipo acerca do Monstro de Frankenstein são muito interessantes. Apesar de ter visto alguns dos filmes lembro melhor do enredo do livro, e há de fato uma fixação por parte da criatura em relação à figura feminina, posto que a maior exigência do Monstro é que o Doutor lhe crie uma “companheira” (isso abre mais uma vertente pra discussão). Mas o complexo de Édipo que o acomete é de fato muito forte e, ouso dizer que, ao menos diante do que li no livro, ele, o Monstro, o projeta sobre seu criador... Parece estranho, paradoxal, mas é verdade (eu acho).
Cláudio
A cicuta de Sócrates
Concordo em grau, gênero e número quando dizes que Sócrates foi burro ao ingerir cicuta ao invés de uma "água-ardente." A inevitabilidade da exitinção do indivíduo faz com que todo suicídio, na minha opinião, seja um ato de precipitação e de esquiva das inúmeras possibilidades que jamais se concretizarão uma vez que se "fecha o livro antes de ler o capítulo final." Mas a vida é um dos poucos bens ainda inalienáveis e cada um sabe o que faz com a sua. Surpreendentemente, podemos relacionar os hábitos alimentares dos mortos vivos com isso, se imaginarmos que eles são uma força natural (ou não) que avança em direção à humanidade e impõe nesta um despertar diante da ameaça da antropofagia. É como se existisse uma mensagem implícita de que precisamos utilizar nossa "energia etérea" para algum propósito, ou serviremos apenas de alimento para um organismo que não pensa e não possui sentimentos: um organismo morto que suga a energia dos vivos, seus sonhos, suas habilidades mais refinadas, de maneira indiferente à individualidade. Estranho como isso se assemelha ao modo como as pessoas rendem-se ao trabalho, correspondendo àquilo que delas é esperado em cada vínculo empregatício: desde o operário de uma fábrica, até um juíz federal, todos encarnam papéis e aceitam aquilo que já estava estabelecido anteriormente. Uma vez que toda sua vontade e independencia de pensamento é sugada por esse sistema, os indivíduos se tornam não mais do que seus propagadores.
Não deveríamos ter medo de morrer, uma vez que estamos inseridos neste sistema que não nos permite ser mais do que meio vivos, ou mortos vivos. Deveríamos nos preocupar em acordar; muito mais do que propor mudanças, propor um modo de pensar libertador. Que a voz dos filósofos se fizesse ouvir nas escolas, nas ruas; precisamos muito mais do que apenas assumir um papel para sermos alguém, deveríamos imprimir personalidade em cada obra que executássemos. Essa seria a reação de fuga aos dedos mortos que se estendem em nossa direção, aproximando-se cada vez mais a medida que vamos "assumindo responsabilidades e encargos." Embora sejam bastante inspiradoras as iniciativas de indivíduos que fogem à esse sistema em suas atribuições, precisamos muito mais do que iniciativas isoladas. Grandes pensadores vêm a séculos avisando para a necessidade desse despertar, ou o ser humano controla e se utiliza da sociedade, ou por ela é controlado e utilizado até o bagaço. Deveríamos ser mais do que um problema ecológico, uma espécie belicosa que para matar uns aos outros extermina, no processo, ecossistemas inteiros. Somos formigas com armas atômicas... Um dia ainda conseguiremos virar poeira espacial mesmo.
Cláudio
O monstro e o complexo de édipo
... ou o complexo de édipo monstruoso... heheheh.. Admito que tentei propor essa discução em aula com a minha professora de Teoria Psicanalítica. Após uma certa resistência por parte dela e do restante da turma à idéia de um indivíduo sendo criado exclusivamente pelo "pai" - visão da qual não compartilho, uma vez que na prática tanto o homem adulto quanto a mulher adulta são capazes de prover as necessidades físicas e afetivas de uma criança, dependendo apenas do amor que nutrem por ela. Tentei explicar o caso sem entrar no âmbito literário, uma vez que queria transpor a ficção para o mais próximo possível da realidade. Conforme foi dito em aula, alguns teóricos da psicanálise, diferentemente de Freud, acreditam que o complexo de épido não é uma regra. Ainda não tenho conhecimento o suficiente para dizer se concordo ou discordo com isso, mas o livro do monstro parece apontar na direção oposta.
A importância dessa ficção é inegável, assim como seu aspecto humano, caso contrário não despertaria tanto fascínio após ter conquistado leitores por várias gerações. O monstro sente uma grande revolta pela rejeição de seu "pai/criador", ao passo que seu pai transfere todo seu amor para uma companheira após ter rejeitado o monstro. O monstro se vê no lugar dessa companheira, como herdeiro de direito desse amor, numa espécie de complexo de édipo invertido, à semelhança daquilo que é chamado de complexo de elektra. Tenho a impressão de que o monstro era estéril, incapaz de se reproduzir, o que ajudaria a sustentar essa hipótese de uma sexualidade não bem definida. Ao ser continuamente rejeitado por seu criador, a solução encontrada por seu "ego" é tentar assumir uma identificação especular com o "pai", vindo a demandar que este lhe providencie uma companheira, uma igual em sua dor. O monstro, ser todo recortado e costurado, lembra o estágio do espelho proposto por Lacan, mas ao deparar-se com sua imagem refletida, ao invés de uma promessa, tudo o que vê é a expressão aterradora de sua fragmentação interna no exterior.
CENOURINHA
AHHHHHHHHHHHHHH
EU TO FICANDO LOKOOOOOO
TENTEI LER TRES RESPOSTAS DE VCS AO TOPICO E NAUM CONSEGUIIIIIIIIII
ISSO É MUITU COMPLEXO E LONGOOOOOOOOOOO
AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHH
ASSIM EU VO ACABA VIRANDO UM ZUMBI!
Cláudio
Deus responde
Quando não entenderes alguma coisa, pergunte à Deus (www.google.com)... Normalmente Deus responde por meio de sua filha (www.wikipedia.org).
Luiz
MalvaDInho:Desde que inventaram o Google parei de ir na missa dos Domingos.
Agora tenho todas as respostas para meus sofrimentos terrenos. Deus, nunca mais...
MALvAdão: Se mamãe estivesse viva iria sofrer vendo você venerando uma máquina...
MalvaDInho: Mãe eu arrumo outra no Submarino.
Enio
Cláudio!
Não evoque o "santo nome" em vão...
hahahaha!
Gostei de tuas considerações a respeito do suicídio, ainda que tenhas pego como gancho o "ato falho" de Sócrates, que não tomou cicuta para cometer Harakiri, mas para cumprir uma sentença, já que ele foi condenado à morte por "corromper a juventude" (até parece). Há toda uma possibilidade teórica que diz que o suícidio é uma hipótese (Antonin Artaud), ou seja, se tudo que tu disse faz sentido, por outro lado pode-se dizer que o suicídio é um ato de coragem e autonomia, que em tese comprovaria a plena e definitiva supremacia do indivíduo, como climax de sua vontade soberana sobre si mesmo.
Acho que tu conseguiu sintetizar o cerne da questão, que George Romero tenta passar à humanidade desde que começou a filmar toscamente seus zumbis. Se a humanidade não "usar a cabeça", não fará mesmo sentido dispor de uma estrutura tão desenvolvida como o cérebro (tido como o construto mais desenvolvido do universo). Tuas relações, sobre a metáfora de "comer cérebro" são pertinentes, concordo com tudo e digo mais: vejo que gente que deveria usá-lo, como George W. Bush, não o faz de forma satisfatória; aliás, a cabeça dele é tão podre que nem os zumbis iriam querer saber; o que lhes interessa é cérebro, não merda.
Sobre Franknestein, no livro o Doutor interrompe o trabalho de criação de uma companheira para sua ciratura, com medo de que ele se reproduza, ou seja, o Monstro poderia se perpetuar, mas talvez não fosse essa sua intenção maior, pois ele era dotado de faculdades intelectuais que o faziam entender que o homem é mais do que somente aspectos e elementeos fisiológicos, mas sendo o que era ele sabia que não haveria lugar para ele no mundo, e que afinal, sua raiva contra o criador era um inutilidade... Não posso te contar como termina o livro, para não estragar a surpresa, mas acho que uma das mensagens da obra é de que a vingança não é um motivo que vale a pena.
Veja bem, essa aparente mensagem de retaliação como força menor é na verdade uma "submensagem", pois vejo todo o enredo como metonímia da necessidade de construção humana, que é refletida inclusive no semblante fragmentado do Monstro, conforme tu destacou, e isso justifica a tua tentativa de trazer a discussão à sala de aula.
De qualquer maneira, vão te chamar de louco sempre que vieres com algo assim: hehehehe!
Cláudio
A loucura e autonomia
Eu acho que ouvi falar em algum lugar, não lembro se foi em alguma aula de história do direito ou em alguma aula de filosofia, que o Sócrates tinha a opção de deixar Roma ao invés de beber cicuta, mas que naquela época deixar Roma era uma punição considerada pior do que a morte. Pode ser que eu esteja enganado, pois nem me lembro onde ouvi isso. Talvez estivessem se referindo àquele cara que você citou.
Pessoalmente não vejo o suicídio como uma boa alternativa, mas existem casos e casos. "Desde que não me suicidem, tudo bem." hehehehe!! Brincadeira.
Eu já esperava as reações que vi em aula, mas esperava também colher alguma coisa que enriquecesse minhas hipóteses de alguma maneira... Talvez tenha conseguido, embora não esteja sendo capaz de definir exatamente o quê, neste momento, com clareza.
Todos nós temos núcleos de insanidade, apenas mantemos eles sobre controle a maior parte do tempo. Alguns até acreditam que a loucura é uma opção num momento em que a vida se mostra mais pesada do que a pessoa consegue lidar psicologicamente.
Não vejo motivos para flertar com a loucura, em doses homeopáticas, em contextos criativos. Acho que só tem a acrescentar. (:
A última frase saiu errada... Era pra ser "não vejo motivos para não flertar com a loucura..." etc. :P
Enio
É Verdade Cláudio.
Sócrates tinha a opção do desterro ou de pagar uma multa, mas para o filósofo isso seria como que admitir a culpa, por isso ele preferiu à execução ingerindo cicuta, pretendendo assim cumprir a pena mais "digna", segundo a mentalidade da época. Permita-me te corrigir quanto ao local de execução da pena, pois Sócrates atuava em Atenas, não em Roma. Lembro de ter lido que antes de morrer ele teria dito aos presentes algo mais ou menos assim: "Ambos nos encaminhamos a um destino: vós à vida, eu à morte; resta saber quem de nós terá melhor sorte". Sócrates, segundo o que nos consta, não temia morrer desde que isso não fosse contra seus ideais de vida, mas eu não sei se concordo que um ideal seja o suficiente para justificar a morte física de alguém, mesmo assim, a narrativa da vida de Sócrates não deixa de ser um tipo de lição de caráter, boa ou má, mas é.Vou te dizer, acho que não só tu colheu coisas boas em aula com estas indagações, mas toda a turma se beneficiou, mesmo sendo improvável que alguém admita. Na área das humanas, drasticamente, o positivismo histórico ainda se mantém; parece que as pessoas não entendem, por exemplo, que algo como Marx é tão literário quanto Irmãos Grimm, inclusive quanto a questões moralizantes, de formação social e tudo mais; nos meios acadêmicos ainda persiste a mentalidade de que "tens que ser prático" e ler o que vai "ser útil"; é uma pena, pois isso não exercita o discernimento do indivíduo a ponto de fazê-lo ver que construir-se a si mesmo, engrandecer-se como ser pensante, é a coisa mais "prática" e útil que alguém pode fazer por si mesmo. Infelizmenten essa mentalidade estéril continua, mais e mais cérebros são inutilizados e nada mais resta a essas cabeças de vento do que virar "comida pra zumbi", como tu já falou.
Concordo totalmente a respeito da loucura em doses homeopáticas, e as vezes acho-a boa mesmo em doses cavalares. Como tu colocou acho que podemos ter na loucura um "escapismo justificável" e um espaço para a alteridade. Ser louco é ser assimétrico, fora dos padrões do que é tido como certo, e isso é regra no universo, pois não existe perfeição, ou seja, ser torto, tosco, feio... Tudo isso é normal, portanto, ser louco é ser humano. Sobre isso aconselho à leitura de "O Alienista", de Machado de Assis; é um texto curto, deve ter umas 60 páginas, e é muito bom, uma crítica ao cientificismo que trata também da questão da loucura no imaginário coletivo e te faz rir muito, leitura indispensável.
Cláudio
Tirado do nariz (:
Realmente, me espanta não encontrar muitos artigos acadêmicos da área das humanas que façam referências às ficções literárias. No primeiro trabalho que fiz na faculdade, utilizei o conto "O Nariz", do Gogol, para fazer as considerações finais. Desde então, procuro relacionar os assuntos acadêmicos com a cultura popular, e isso torna o trabalho bem mais prazeroso. Especialmente na área das humanas se faz necessário o estímulo a uma visão ampla por parte do estudante que virá a ser um profissional no estudo. Utilizando um paradoxo lingüístico, "se para toda regra existe uma exceção", a razão de ser é o próprio ser humano: em se tratando de indivíduos, relacionamentos e sociedades, as regras devem ser tidas preferencialmente como guias, caso contrário corre-se o risco de cometer atrocidades morais e éticas... Infelizmente percebo que esta é uma visão pouco difundida e, mesmo fora do direito, muitos profissionais adotam o ditado "dura lex, sed lex" em suas práticas. Talvez se tivessem lido mais, vivido mais e, porque não, até sofrido mais, poderiam desenvolver um olhar mais empático e subjetivo.
Eu li "O Alienista" pela primeira vez este ano e achei muito divertido, mas com uma mensagem muito séria que interpreto mais ou menos assim: "aquele que trabalha na área da saúde deve manter uma perspectiva sã em suas funções" - é a busca pela sanidade e não pela patologia, sempre tendo em mente a questão de como ajudar aquele indivíduo, como promover alguma melhora no seu estado geral. E, é claro, tendo em mente que haverão casos em que, devido as próprias limitações profissionais, o melhor é justamente nada fazer.
Enio
Legal cara...
Terminar um trabalho com Gogol deve mesmo conferir alto grau de humanismo ao que tu propôs; ainda não tive o privilégio de ler Gogol; estive com "Almas Mortas" em mãos, mas era de uma ex-namorada, que foi-se levando, entre outras coisas, seus livros. Li poucos russos, só um conto de Tchekov e "Crime e Castigo" de Dostoievysk, mas pretendo reparar isso um dia, mas, cá entre nós, bem que os autores russos podiam ser "menos volumosos", pois ando sem tempo pra ler o que quero, quanto mais ler centenas de páginas. Só posso fazer eco ao que tu disse sobre a relação que deveria existir entre viver, proceder, agir, escrever... Para tudo isso é preciso sentir, sorrir, sofrer, enfim, viver. Concordamos mesmo nesse aspecto.
Sobre "O Alienista", como você mesmo pôde conferir, o livro é bom demais, sendo a mensagem por ele trazida algo que, pela sua essência, será pertinente ainda por muitos séculos, fazendo de sua leitura uma necessidade.
Por falar em necessidade, e em Loucura, assista ao show do The Cramps ao vivo no Napa Mental Hospital (1982); depois de ler o Alienista e assistir a esse show surreal tua vida vai dar uma guinada, te garanto, após assistir isso tive que concordar que que a loucura é condição indispensável pra ser feliz. :)
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