terça-feira, 20 de maio de 2008

O Experimento da Terra Gêmea

Assim é proposto o experimento da Terra Gêmea por Hilary Putnam:
"Nós começamos supondo que em algum lugar do Universo existe um planeta que é exatamente igual à Terra em virtualmente todos os respeitos, ao qual iremos nos referir como sendo a 'Terra Gêmea' (também devemos supor que o entorno da Terra Gêmea é idêntico àquele da Terra; ela se move ao redor de uma estrela que parece ser exatamente como nosso Sol, etc). Na Terra Gêmea existem equivalentes gêmeos para todas as pessoas e para todas as coisas daqui da Terra. A única diferença entre os dois planetas é que não existe água na Terra Gêmea. Ao invés de água existe um líquido que é superficialmente idêntico à água, mas diferente em sua composição química que, ao invés de ser H2O, é feito de alguma outra fórmula mais complicada que iremos abreviar como sendo 'XYZ'. Os seres terrestres da Terra Gêmea que se referem à sua linguagem como sendo 'português' chamam XYZ de 'água' [assim como aqueles que se referem à sua linguagem como sendo 'inglês' chama XYZ de 'water', etc]. Finalmente, nós devemos especificar a data do nosso experimento mental para que seus acontecimentos tenham se passado a vários séculos atrás, em uma época na qual os seres da Terra e da Terra Gêmea não tivessem meios de saber que os líquidos aos quais se referem como sendo 'água' são H2O e XYZ respectivamente. A experiência dos seres da Terra com H2O e a experiência dos seres da Terra Gêmea com XYZ seria idêntica.
Agora uma pergunta surge: quando um ser da Terra, por exemplo um chamado Óscar, e seu gêmeo da Terra Gêmea dizem 'água', eles estão se referindo à mesma coisa? (Observação: o gêmeo também é chamado Óscar em seu próprio planeta, evidentemente. De fato, os habitantes da Terra Gêmea chamam seu próprio planeta de 'Terra'. É por conveniência que nós nos referimos à este planeta putativo como 'Terra Gêmea', e estendemos esta convenção nominal aos objetos e pessoas que lá habitam; neste caso, referindo ao gêmeo de Óscar como Óscar Gêmeo, ou Góscar, e à água gêmea como gágua.) Ex hypothesi [de acordo com as assunções feitas, ou segundo a [nossa] hipótese], seus cérebros são molecularmente idênticos. Ainda assim, pelo menos de acordo com Putnam, quando Óscar diz água, ele se refere à H2O, enquanto quando Góscar diz 'água', ele se refere à XYZ. O resultado disso é que o conteúdo do cérebro de uma pessoa não é suficiente para determinar a referência dos termos que esta pessoa irá usar, uma vez que é preciso examinar a história causal que leva este indivíduo a adquirir o termo (Óscar, neste caso, aprendeu a palavra 'água' em um mundo repleto de H2O, enquanto Góscar aprendeu a palavra 'água' em um mundo repleto de XYZ)."
Bom, logo de início já encontro alguns problemas bastante relevantes neste experimento mental. Seria possível conceber uma substância superficialmente semelhante à água, porém tendo outra formulação química, certamente diversas de suas propriedades seriam diferentes. Sendo um experimento mental e, por tanto, tolerando uma certa extrapolação, podemos relevar este fato por boa parte do que é exposto, até o momento em que é feita a referência à igualdade molecular dos cérebros de Óscar e Góscar: se a composição química daquilo que é chamado de "água" na Terra é H2O e a composição química daquilo que é chamado de "água" na Terra Gêmea é XYZ, então, evidentemente, ambas as substâncias são molecularmente diferentes entre si, uma vez que H2O se refere a duas moléculas de hidrogênio e a uma molécula de oxigênio; tendo em mente que cerca de 77% do volume do cérebro de um habitante da Terra é composto de água, ou seja, moléculas de hidrogênio e oxigênio, então é errado dizer que o cérebro de um habitante da Terra Gêmea, onde não existe tal composição de H2O, é molecularmente idêntico ao cérebro de um habitante da Terra.
Se imaginarmos que tanto o composto H2O e o composto XYZ possuem as mesmas propriedades, sendo que, embora suas moléculas sejam diferentes, da união delas tenhamos um elemento idêntico à água (mesmas propriedades tais como massa, peso, densidade, condutividade, etc), o experimento todo fica um tanto sem sentido. É como dizer que "embora estas duas coisas sejam diferentes, elas são exatamente iguais." Neste caso, a resposta óbvia seria: "mas o que isso importa?"; uma vez que, se assim fosse, mesmo que toda a água da Terra fosse substituída pela água da Terra Gêmea e vice-versa, não sentiríamos nenhum efeito notável, a não ser pelo expanto dos químicos e físicos ao perceber que um dos elementos primodiais à vida foi substituído por algo que exerce as mesmas funções e possui as mesmas características mas difere-se em sua composição molecular; ou nem isso, uma vez que o experimento se passa em uma época em que não teríamos acesso a este conhecimento.
Assim sendo, é possível imaginar que, na verdade, a vários séculos atrás, nossa Terra era repleta de XYZ e a Terra Gêmea era repleta de H2O. Até que alguma entidade cósmica com um senso de humor duvidoso e uma tecnologia altamente avançada realizou uma troca completa de XYZ por H2O entre os planetas, de maneira que àquilo a que nos referimos como sendo água já não é mais a mesma coisa à qual nos referíamos como sendo água antes da troca ser feita. Porém jamais saberíamos disso pois quando havia XYZ em nosso planeta, não éramos capazes de estudar a composição molecular da matéria.

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