sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Método Sedutivo

Hoje estava lendo um post da MindHacks que afirmava "a área [no cérebro] responsável pelos erros da neurociência foi descoberta". O autor cita um estudo de 2008 que demonstra que "incluir uma neuroimagem em um argumento científico sobre a natureza humana faz com que o público em geral fique mais propenso a acreditar [no argumento] mesmo se a atividade cerebral [da área apontada na imagem] não seja relevante ao argumento que se quer defender".
De modo engraçado, a imagem no post aponta para o córtex pré-frontal, onde se lê: "a área do cérebro que desliga a análise crítica quando vê belas imagens do cérebro" - ilustrando, de fato, apenas o que está afirmando, e não a rede que estaria envolvida no processo de ver -> recompensa -> para então desligar a crítica. :D
Ainda em 2009, num ótimo curso de introdução à neuropsicologia que tive a oportunidade de assistir em minha cidade, já havia sido informado sobre esta forma de utilização de neuroimagens para sobrepujar a crítica e, em 2008, numa palestra sobre neurologia, havia presenciado uma análise crítica sobre a forma como as neuroimagens são editadas antes de serem publicadas em artigos e na mídia.
A validade científica da neuroimagem tal como é publicada para fins ilustrativos é questionável, sem dúvida, pois trata-se de uma imagem editada, onde toda a atividade julgada como não relevante para o estudo em questão é removida. Mas, também é verdade que este é um pensamento crítico ao reducionismo científico, necessário para o avanço das ciências e muito menos problemático do que seus detratores afirmam, uma vez que os princípios científicos exigem revisões e mais revisões antes de uma hipótese se tornar um paradigma.
Enfim, fato é que estudamos o cérebro, em suas ilustrações que podem ser encontradas em atlas de anatomia como o Netter ou o Gray, ou em peças cadavéricas, ou em neuroimagens, e adoramos aquilo que estudamos. É evidente que todos que estudam o cérebro e obtém prazer neste estudo, enxergam um valor estético nas neuroimagens que vai além daquele do público em geral, da mesma forma que "só vê a beleza de uma placa de circuitos quem com elas trabalha". Por isso é preciso fazer um esforço, não desligar a crítica, e ler atentamente quais são os pontos defendidos nos trabalhos ricamente ilustrados.


Este post será intencionalmente não-ilustrado. (:


Link para o post no MindHacks: Area responsible for neuroscience erros located

Onde ler mais sobre o assunto:
D. McCabe, A. Castel. Seeing is believing: The effect of brain images on judgments of scientifc reasoning. J. Cognition. 2008
D. Weisberg, F. Keil, J. Goodstein, E. Rawson, and J. Gray. The Seductive Allure of Neuroscience Explanations. J. Cog. Neuroscience 20:3, 2008
M. Alac, E. Hutchins. I See What You Are Saying: Action as Cognition in fMRI Brain Mapping Practice. J. Cog. and Culture 4.3, 2004

Inductive reasongin, deductive reasoning... seductive reasoning.

4 comentários:

Daniel F. Gontijo disse...

O efeito de ilustrar com neuroimagens os artigos científicos deve ser parecido com dizer que algum produto (como desinfetante, protetor solar) propagandeado foi testado cientificamente: as pessoas esquecem que todo (ou quase todo) produto é engendrado conforme alguns princípios da ciência, mas usar tal argumento parece passar mais segurança a respeito de seus efeitos. Mas eu fico na dúvida entre se as pessoas "esquecem" que todo processo mental é gerado pela atividade eletroquímica das redes neurais ou se elas duvidavam (antes de ver o artigo com as imagens) ou realmente não sabiam disso.

Brincadeiras à parte, realmente noticiar que foi encontrada a região do amor ou a região da tomada de decisão não explica COMO esses processos funcionam.

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Tipo, interessante o comentário. Como assim, encontrar a região do amor ou a região da tomada de decisão não explica como esses processos funcionam?

Vejamos no caso, por exemplo, do amor, a nível de ilustração. Fulano de tal possui uma região no cérebro que, sob determinadas circunstâncias libera substâncias prazerosas (entre outras). As circunstâncias incluem toda uma estimulação que ocorre em conjunto com o trabalho de outras áreas: córtex visual (em muitos casos nem precisa de outras áreas), córtex olfativo, lobo frontal em relação a pressupostos do tipo "gosto disso ou daquilo numa pessoa" (é notório o interesse de muitas pessoas por dinheiro ou poder)... Isso tudo ocorre dentro do cérebro. O que fica faltando, na cadeia causal é o estímulo externo evidente, que seja uma pessoa (preferencialmente :D) que ative todo o conjunto necessário para desencadear o "amor"...
É evidente que o processo é singular a cada indivíduo. O espectro humano de experiência é tão vasto que pessoas podem se apaixonar por cartas, personagens, pessoas que só viram numa foto, etc (i.e., com o perdão do termo psicanalítico, "objeto parcial").
A cada artigo publicado, não é abordada toda a cadeia causal pq seria, creio eu, desnecessário.
Não estou dizendo que seja "apenas" estímulo-resposta, embora existam pessoas que prefiram ver assim, acredito que se trate de estímulo -> processamento (se assim quisermos chamar) subjetivo -> resposta (resposta interna, fisiológica, e resposta externa, comportamento).
Mas... O que mais haveria para explicar? Talvez eu esteja deixando passar alguma coisa do processo todo.

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Ahh!! Achei importante acrescentar isso: explicar todo o processo do funcionamento de um walkman (ou mp3 player), não explica o que é a música... Na verdade, nem mesmo explicar todo o processo de produção musical não explica o que é a música. Aí entramos no campo da experiência...
Mas, pensa bem... Música, experiência... Tem gente que curte como "música" um Bonde do Tigrão, um Ray Coniff (só para citar coisas distantes e, para muitos - horríveis)... :D

Marcus Vinicius Alves disse...

É preciso lembrar também que a grande maioria dos leitores que são seduzidos pelas imagens normalmente não possuem um treinamento científico na área, sendo assim, é compreensível que haja a confiança apenas em imagens com pontinhos brilhando no cérebro (como você mesmo diz, editadas, logo, parece mesmo que só uma área está "ligada"), ao invés de confiar em textos ininteligíveis para eles.