sábado, 16 de outubro de 2010

Retomando Self, Mente e Personalidade

Ultimamente tenho dedicado muito tempo a estudar a aprender apenas aquilo que é proposto no curso de Psicologia e tenho dedicado praticamente nenhum tempo a estudar aquilo que mais me instiga. Como resultado disso, sinto como se me escapassem as ideias que eu vinha desenvolvendo sobre os temas que mais gosto. Este tem sido um sacrifício necessário em razão da minha transferência de uma instituição de ensino para outra.
Mas vejo que é muito danoso não me organizar a ponto de dedicar pelo menos um tempo mínimo para minhas questões pessoais, como estudar aquilo que realmente me interessa. Assim, vou aproveitar esta tarde de sábado para retomar algumas ideias, tentar deixá-las mais claras por meio de argumentos e farei isto no blog pois há sempre a possibilidade de alguém passar por aqui, comentar e apontar algum detalhe importante que precisa ser revisto ou melhorado.

Começo por três dos meus pressupostos:
1. A "Mente", ou seja, aquilo que de forma geral as pessoas chamam de mente: é o estado total atual eletroquímico do sistema nervoso. A mente não é o conjunto de neurônios suas sinapses, mas o estado metabólico destes e sua comunicação em um dado momento.
2. Personalidade: é a população e (a) a configuração sináptica das redes neuronais, que codificam a informação retida e mais (b) o funcionamento hormonal de um dado organismo, sendo que uma armazena informações e outra define, em especial, o quanto uma resposta a um dado estímulo será forte ou fraca.
3. O "Self": se trata da mente mais a personalidade em um determinado contexto ambiental; contexto que, vale destacar, é único para cada observador, uma vez que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo.
Ainda em relação ao ambiente, ainda que possamos imaginar que uma mesma experiência possa ser observada por dois corpos distintos, ao mesmo tempo e de um mesmo ponto, em um ambiente virtual, no cotidiano isso não é algo normal.

Agora vou tecer alguns argumentos com base nos pressupostos acima...
O cérebro faz parte do organismo, que por sua vez faz parte do ambiente. Em se tratando de conjuntos, podemos pensar em um conjunto corpo, do qual o cérebro faz parte, e um conjunto ambiente, do qual o corpo e seus constituintes fazem parte.
Mas é preciso ter clareza de que o cérebro não é o corpo, assim como o corpo não é o ambiente. O cérebro, parte do sistema nervoso central, assim como sua extensão, o sistema nervoso periférico, é um objeto delimitado. Se pensarmos em sistema nervoso, este termina nas placas terminais, de modo que é possível distinguir onde termina o sistema nervoso e começa o restante do corpo. Se pensarmos no corpo, este é delimitado em relação ao restante do ambiente, pela pele e pelas mucosas. Desta forma, enquanto que o cérebro e o corpo são partes constituintes de um conjunto, não é correto confundir as partes com o todo. O cérebro não é o ambiente.

{Sistema Nervoso} ⊇ {S.N.C., S.N.P.}
{Sistema Nervoso} ⊊ {Corpo}
{Corpo} ⊊ {Ambiente}

O cérebro, assim como o corpo, pode ser causa para alguns comportamentos. Por exemplo, uma pessoa sente fome, independentemente de lhe ser apresentado um estímulo para tanto. Dizer que a fome é "uma disposição para agir", uma "alta probabilidade de ingerir alimentos", não é o suficiente. A fome sem dúvida aumenta a probabilidade de um organismo, em uma determinada situação, ingerir alimentos. Obviamente, isso só é verdade se houverem alimentos disponíveis para serem ingeridos, caso contrário a probabilidade não irá aumentar e ainda assim, lá estará "a fome".
Mais que isso, para que a probabilidade de ingerir alimento aumente, além da disponibilidade de alimentos, também é necessário que o organismo, supondo um organismo consciente, esteja dotado de outras disposições não-concorrentes para ingerir o alimento.
Um indivíduo que nasça com os genes da doença de Huntington e que venha a desenvolver a doença, irá exibir determinados comportamentos, independente de estímulos ambientais. Desde tremores, até estados depressivos, todos terão origem no sistema nervoso do indivíduo, que é como é por conta de sua genética. Dizer que a doença de Huntington é uma disposição para tremer, apresentar sintomas depressivos, tiques, distúrbios na linguagem, etc, é falar de apenas um aspecto da doença, uma vez que há de fato 50% de chance do indivíduo a desenvolver. Porém é fato que a doença e um sistema nervoso são fatores necessários, condicionais, para que os sinais e sintomas apareçam.
Mas falo da doença de Huntington apenas para apontar um exemplo claro. Um cérebro é um fator condicional para que muitas características humanas apareçam, características que não podem ser encontradas em sua totalidade nos animais, e nem puderam ser emuladas em sua totalidade nos computadores.

Podem estas características serem descritas como comportamento? Não tenho dúvida que sim, inclusive aquelas mais peculiares aos indivíduos. Mas são comportamentos que acontecem em um substrato físico, localizado; de forma que o comportamento é um fenômeno, um efeito, uma atividade de um objeto. O pensamento não está flutuando em um balãozinho imaterial, de alguma energia etérea ou mística qualquer, ao redor da minha cabeça. Nenhum comportamento ocorre em algo imaterial. O fluxo de pensamento, que é contínuo, mesmo quando estamos em repouso e de olhos fechados, emerge da atividade metabólica de conjuntos de células. Este fluxo não pode ser afirmado como sendo completamente aleatório, e nem como sendo completamente determinado simplesmente pela atividade metabólica celular, pois estímulos internos - daquilo que sentimos de nossas vísceras ou da posição de nosso corpo - e estímulos externos estão constantemente chegando ao cérebro, ainda que na periferia de nossa atenção, e ainda há aquilo que conhecemos.

Só pensamos naquilo que conhecemos, só nos recordamos daquilo que experienciamos e que temos memória. Por exemplo, até alguns segundos atrás eu não poderia pensar e nem escrever sobre o município de Kelmè na Lituânia, pois nunca me foi dado a conhecer sua existência. Como pude então utilizá-lo aqui, neste exemplo? Acessei na Wikipédia o artigo Lituânia, pois foi o primeiro nome que me ocorreu enquanto pensava em um "país obscuro (pra mim) de nome engraçado", olhei como ele era dividido administrativamente, pois sei que os países assim são divididos, e procurei qualquer unidade administrativa que fosse interiorana. Até então, era possível pensar em um país do qual tenho pouco conhecimento, que provavelmente possui divisões administrativas como a maioria dos demais países, sendo que dentre estas unidades, algumas delas devem ter as características interioranas e outras devem ser capitais. Após esta busca sou capaz de pensar algo que até então eu absolutamente não era capaz: a Lituânia possui um município chamado Kelmè.
Se nos próximos dias eu estiver ocioso, de olhos fechados, e me ocorrer pensar sobre este município, a causa para tanto estará na elaboração deste exemplo, além é claro do fato de eu ter acesso a internet, de ter me ocorrido o nome Lituânia quando pensava em elaborar este exemplo, etc. Aonde quero chegar com isso? Na afirmação de que, a nível da experiência humana, o nada a nada dá origem. Tudo se origina de alguma coisa, ou sistema, que o preceda.Brain-ComputerO cérebro não é causa última para pensamento algum, mas é um elemento condicional para que o pensamento possa existir (pelo menos até o dia que inventarem um computador dotado de consciência ou alguma coisa semelhante). Em certas circunstâncias, contudo, um cérebro, pode dar origem a pensamentos, sem a presença de um estímulo externo. Por exemplo, para pensar em Kelmè não preciso que me ponham um mapa na frente dos meus olhos. É possível que se eu vir a comer um chocolate Laka nos próximos dias eu me lembre deste município. Mas neste caso estou falando de pareamento, pois estava comendo um chocolate enquanto bolava o aquele raciocínio, e o chocolate seria um estímulo externo eliciando o comportamento de lembrar-me de Kelmè.
Porém acredito na hipótese de que, se por algum motivo eu apresentasse alguma doença rara neurológica que me privasse de todo e qualquer input sensorial, mas mantivesse meu cérebro preservado, ainda assim eu pensaria. Pensaria em inúmeras coisas, provavelmente pensaria no horror da situação, de estar privado de qualquer forma de contato com o mundo exterior. Isso seria um comportamento reforçado pela remoção dos estímulos externos, ou seja, pode-se dizer que é de causa externa. Mas eventualmente, acredito, me voltaria para o mundo interno, tudo aquilo que está registrado nas minhas memórias. O que eu viesse a pensar, embora se originasse de experiências externas, seria evocado ao sabor do que estivesse acontecendo em minha vivência interna, privada, cerebral.

Esse comportamento só seria possível pois já experienciei o mundo. O que leva a outra hipótese que acredito, que é a de que o cérebro não surge dotado de experiências. Se imaginarmos um organismo humano que tenha se desenvolvido, desde a concepção, sem nenhum input sensorial, é viável afirmar que tal organismo, ainda que tenha um tecido cerebral preservado quando no momento do nascimento e pelo período que viver, não é consciente, não possui "vida mental". Acredito nessa hipótese por saber que organismos humanos privados do contato com a linguagem apresentam atrofia em áreas do cérebro relacionadas à linguagem. Provavelmente um organismo nas condições descritas não seria capaz de sobreviver muito tempo.

Embora o cérebro não possa ser causa última (origem) para pensamento algum, o cérebro pode ser causa para outros comportamentos, como tremores e tiques. Dizer que se é capaz de controlar certos tremores ou tiques não elimina sua origem no cérebro. Por exemplo, indivíduos com a síndrome de Tourette são capazes de controlar os tiques durante alguns momentos, até que cedem à necessidade de emitir aqueles dados comportamentos. Mas estes tiques não necessitam de estímulos externos para se fazer presentes, ainda que possam ser agravados ou amenizados por estímulos externos. Até mesmo o comportamento de tentar resistir aos tiques pode muito bem ser uma resposta ao tique, que é um estímulo interno.Voltando ao caso de uma experiência idêntica simulada artificialmente... Não é possível que dois observadores conscientes observem o mesmo fenômeno do mesmo ponto ao mesmo tempo na natureza. Seria mais ou menos possível se fosse ligado o output de um par de olhos a dois cérebros, ou então numa circunstância em que duas pessoas estivessem observando uma mesma cena, cuja qual ficasse chamando a atenção para um determinado foco, de um mesmo ponto em uma realidade virtual. Mas ainda assim, considerando que estes dois cérebros estariam recebendo outros inputs de seus respectivos corpos, a experiência total não seria a mesma. Caso contrário, assistir um filme em um cinema seria quase isso. Talvez o mais próximo possível a isso seria um par de gêmeos idênticos que, do momento do nascimento, fossem conectados a uma realidade virtual na qual são passivos, observam os eventos a partir do mesmo ponto no espaço, e apenas observam o desenrolar destes eventos, sem interagir com nada. Supondo que, de alguma forma, todo input sensorial destes gêmeos houvesse sido idêntico durante toda suas existências - mesmo intraútero, a nível de extrapolação - estaríamos falando possivelmente de duas consciências idênticas. Talvez, caso lhes fosse dado o controle sobre a ação em algum momento, ambos agiriam da mesma forma. Porém, se eles viessem a ser colocados em pontos diferentes da simulação, suas consciências se distinguiriam. Ou, se eles fossem simplesmente desconectados da simulação ao atingir a idade adulta, se deparariam com um Doppelgänger. O que seria verdade só até o momento da desconexão. A partir de então suas experiências se diversificariam e seriam apenas pessoas muito parecidas, mas cujas consciências iriam ser gradativamente preenchidas por conteúdos diversos.
A nível experimental, se eu considerar que meu computador de alguma forma uma extensão do meu cérebro, da minha memória, se eu clonar meu disco-rígido e colocar o disco com a cópia em outro computador idêntico, com o mesmo hardware, terei dois computadores exatamente iguais, com o mesmo conteúdo. Porém, se eu começa a utilizar eles alternadamente (sem uma configuração RAID 1), seus conteúdos irão se diversificar.

Neste momento, enquanto nunca foi feita clonagem ou espelhamento deste disco-rígido, não existe outro computador na face da Terra com o mesmo conteúdo do disco-rígido do meu computador. E o fato de meu computador ser único o faz funcionar de forma única. Apesar do sistema operacional ser um Linux, o mesmo de tantos outros computadores, o uso continuado fez com que eu fosse alterando diversos elementos funcionais, como a disposição e o conteúdo dos menus, a forma como eles surgem e exibem seus conteúdos, a forma como os dados são armazenados e evocados, etc. De modo geral, ao clicar num ícone de um arquivo, o arquivo - eventualmente - será exibido. Mas o que acontece de forma discreta ao usuário enquanto este arquivo é utilizado pelo usuário é particular nesta máquina, configurada para equilibrar o desempenho e a economia do SSD com alguma segurança para a integridade de dados. Pode ser que exista outra máquina que maneje os arquivos da mesma forma, mas seriam arquivos diferentes e outros aspectos funcionais seriam diferentes.
Se algo tão simples quanto um computador adquire diversidade por meio da intervenção de agentes conscientes, o que dizer do substrato dos agentes conscientes? As pessoas possuem gostos diferentes, pois ao longo da vida fizeram diferentes associações. A experiência de cada indivíduo é única e a linguagem é apenas uma janela, estreita e não muito transparente, para o que essa experiência realmente é.

Não sei se consegui ser claro até aqui. Mas pelo menos consegui me concentrar por algumas horas em um debate sobre assuntos que realmente me instigam a curiosidade e despertam minha imaginação. :D

Um comentário:

ALLmirante disse...

Muito bom trabalho.