domingo, 3 de abril de 2011

Subjetividade da percepção

A percepção é um fenômeno subjetivo, pois cada ser humano é único. Daí os qualia. Cada percepção é única e privada. É única pois é impossível dois corpos dividirem o mesmo lugar no tempo e no espaço (pelo menos para o que tange a dimensão humana da percepção). E é privada uma vez que a linguagem é muito limitada para traduzir no todo a percepção subjetiva do indivíduo.
Para ilustrar melhor – de forma mais transparente – o conceito, podemos pensar em câmaras fotográficas digitais. Diferentes modelos e marcas de câmeras fotográficas digitais fazem fotos diferentes da mesma paisagem.
Os resultados são diferentes pois os componentes eletrônicos que captam a luz são diferentes e as instruções programadas que realizam um processamento posterior das imagens também são diferentes para cada marca e modelo. Da mesma forma, diferenças – ainda que pequenas – na retina de diferentes indivíduos, e diferenças que tenham ocorrido durante o desenvolvimento na forma de apreender o mundo, irão influir sobre a percepção consciente do mundo observado.
Nas câmeras podemos observar estas diferenças, geralmente de forma muito clara, observando as diferenças em fotografias tiradas da mesma cena. Por serem diferenças pictográficas comuns, a linguagem acaba se adaptando muito bem para que seja possível descrever o que é observado de forma apropriada.
A linguagem, sendo um fenômeno social, necessita que um grupo de indivíduos a confirme – por meio de significados, dando validade para o que é formulado em fonemas – o significante, para que possam surgir signos linguísticos que descrevam satisfatoriamente os respectivos referentes do mundo natural.
Diferentemente daquilo que pode ser observado pelo grupo, aquilo que é privado ao indivíduo, os qualia, não pode ser ratificado pelo grupo. Até o momento, as tentativas mais comuns de tal transposição para a linguagem se encontram na poesia, onde o poeta tenta traduzir o íntimo de sua percepção em linguagem poética. Contudo, sem que o qualia possa ser observado diretamente pelo grupo – ou pelo leitor – falta, à linguagem poética, a confirmação que é possível obter pelos referentes no mundo natural, externos ao indivíduo.
Quando os qualia se tornam integrantes da linguagem, tornam-se palavras especialmente difíceis conceitualizar e de traduzir entre línguas de povos diferentes. É o caso, por exemplo, da palavras ‘saudade’ na língua portuguesa, ‘weltanschauung’ na língua alemã, ‘banzo’ na língua iorubá e ‘ubuntu’ nas línguas bantas.
Da mesma forma que a linguagem em relação às percepções, a impressão, feita em uma impressora jato-de-tinta comum, das fotografias tiradas pelas diferentes máquinas de nosso exemplo, irá embotar o colorido e a diferença entre as fotos tiradas da mesma cena, homogenizando o resultado, diminuindo as diferenças. Há uma perda nos detalhes que são único ao modo que cada máquina apreende cada cena. Há uma perda no que é mais íntimo na forma como cada indivíduo experiencia um mesmo evento.

4 comentários:

Daniel F. Gontijo disse...

Está aí um tema muito polêmico e intrigante da Filosofia da Mente. Será que a neurociência, apoiada p. ex. em alguma variante da teoria da identidade, poderá resolver o problema da consciência?

blogger disse...

Gostei do seu blogue. Estudo filosofia com interesses em Filosofia da Mente. Agradeço pela tradução do vídeo de V. S. Ramachandran fala sobre Consciência, Qualia e Self.

Anônimo disse...

porquê?

Psicólogo Cláudio Drews disse...

O quê?