sexta-feira, 1 de abril de 2011

A validade da divisão por zero como xingamento na pós-modernidade

Quando dividimos um objeto, acabamos com uma quantidade específica de partes iguais, num sentido quantitativo, do objeto original. Tomando uma laranja como exemplo, podemos cortá-la ao meio e o resultado será duas metades de uma laranja. Eu poderia dizer: "Joãozinho, gosto muito de ti, vou dividir esta laranja contigo."
Meia laranja1/2=0,5

Se dividirmos a laranja um pouco para a esquerda, podemos dizer que estamos dividindo-a por 2,5, teremos dois pedaços que são um pouco menos da metade de uma laranja (0,4) e mais um pedaço que é metade dos outros dois pedaços (0,2). Neste caso, eu poderia dizer: "Marquinho, eu e o Joãozinho não gostamos muito de ti, logo iremos comer pouco mais de um terço desta laranja cada um e você irá comer pouco menos de um terço."
1/2,5=0,4 (0,4+0,4+0,2)


Algo semelhante ocorre se dividirmos a laranja por 1,5. Posso dizer: "Não estou muito afim de comer esta laranja inteira, então para não colocar fora o resto, irei te dar um terço da minha laranja." Poderia até mesmo dividir a laranja por 1,9 se quisesse demonstrar mais consideração, ou por 1,1 se quisesse demonstrar menos consideração. Estas divisões são diferentes do que dividir a laranja por três, pois neste caso acabaríamos com três pedaços de laranja de igual tamanho.
1/1,5=0,6~ (ou 1/1,6~)

Mas, se eu dividisse a laranja por uma fração de unidade, o que aconteceria? Dividindo uma laranja por 0,5, terei o incrível resultado de duas laranjas! Mas que faca eu poderia usar para cortar uma laranja desta forma? Nenhuma faca que eu conheça, certamente. A analogia natural mais próxima que se pode imaginar para isso é jogar uma laranja para dois burros de Buridan. Cada burro acabaria com meia laranja, ou cada burro acabaria com nenhuma laranja. Ainda assim, o resultado seria duas metades de laranja ou nenhuma laranja e não duas laranjas. Para Marahiva, matemático indiano do século 9, a laranja permaneceria inalterada.
Duas laranjas1/0,5=2

O fato é que na matemática moderna, uma laranja dividida por 0,5 é igual a duas laranjas. Da mesma forma, uma laranja dividida por 0,1 é igual a 10 laranjas e uma laranja dividida por 0,01 é igual 100 laranjas. Se pudéssemos dividir a matéria desta forma na vida real, teríamos abundância total de todos os recursos naturais... Mas, qual seria a natureza dessas laranjas? Tendo em mente que se trata de uma divisão, e sem conhecer um fenômeno natural que se compare, intuitivamente somos levados a pensar em subtração da substância original. Não parece ser este o caso quando nos aproximamos mais da divisão por um: uma laranja dividida por 1,9 é igual a 1,1~, ou seja, acabaríamos com uma laranja mais uma pequena fração de laranja. Por outro lado, o que é adicionado?
Muitas Laranjas!!!1/0,00000...01= muitas "laranjas"

Seria correto dizer que uma laranja dividida por 0,5 é igual a uma laranja mais uma laranja? 1/0,5=2 e 1+1=2 ou 1/0,5=1+1. Embora pareça correto quando expressado matematicamente, não parece correto quando se pensa em laranjas. Se você estiver na feira e pegar uma laranja, e depois pegar outra laranja, terá duas laranjas. Mas se você pegar uma laranja, não importa como você arranque os pedaços dela, não acabará com duas laranjas na sacola. Assim, o ato de dividir uma laranja por 0,5 é expresso matematicamente tendo como resultado uma laranja mais uma "laranja". Fica mais claro a virtualidade dessa operação quando pensamos em multiplicar duas laranjas por 0,5, que resultará em "uma laranja". Para onde foi a outra laranja desta multiplicação? E o que acontece quando multiplicamos uma laranja por dois? Temos duas laranjas, mas de onde vem a segunda "laranja"?
Multiplique-se!!! :D

Ora, operações de multiplicação na natureza parecem ser atalhos para fenômenos de soma. Não é possível multiplicar nada na natureza, pois não temos um elemento físico chamado número cujo qual possamos colocar junto a um objeto e recitar as palavras mágicas "multiplique-se!" e que cause o efeito de surgirem vários objetos idênticos ao original. Da mesma forma, operações de divisão na natureza parecem ser atalhos para fenômenos de distribuição, como descrito nos exemplos iniciais deste post. Se quisermos distribuir uma laranja por uma pessoa e meia (seja lá o que venha à mente quando se fala meia pessoa), podemos dar dois terços de uma laranja para uma pessoa e um terço de uma laranja para outra. Ou, em tempos de politicamente correto, poderemos dar meia laranja para cada um, apenas para agradar aos inconformados. E ao distribuir uma laranja para meia pessoa, daremos uma laranja.
"Nós ficamos com a laranja inteira!"

Então, quando dividimos um objeto por uma fração de unidade, estamos criando algo que vai contra a natureza, uma unidade da qual saiu algo além dela própria. Uma aberração. E quanto mais próxima do zero, maior fica a aberração. Se dividirmos uma unidade por uma fração suficientemente pequena, todo o planeta Terra seria tomado por aquilo que representasse aquela unidade. Imagine a Terra coberta de "laranjas"!
E, por fim, chegamos a divisão por zero. Se dividirmos uma laranja por zero teremos, a princípio, um número infinito de "laranjas". É o cenário escatológico conhecido como Orange Goo. Como ninguém nunca conseguiu dividir uma laranja por zero (ou mesmo por algo que se aproxime disso, como 0,5 por exemplo), este é um cenário apenas teórico.
Outra possibilidade é que a laranja, ao ser dividida por zero, apenas deixe de existir, saindo deste plano de realidade e concretizando a noção da ficção científica de desintegração. Cientistas suíços intentavam produzir experimentalmente essa divisão usando o grande colisor de hádrons para dividir um átomo de laranja, mas temores a respeito das consequências fizeram com que a ideia fosse abandonada.
A prova de uma divisão por zero por meio da multiplicação é controversa: enquanto que um dividido por zero é igual ao infinito, infinito multiplicado por zero é igual a zero. Nesta perspectiva, a laranja se tornaria ao mesmo tempo tudo e nada, um estado que é tanto Mu (não-ser) quanto Ma (espaço negativo). Para nós, ocidentais, é o Oblivion -- a existência sem efeito sobre a realidade. É a divisão por zero.
1/0=∞*0=0
"Potes são feitos de argila,
mas o espaço vazio em seu interior
é a essência do pote."
Lao Tsé



Concluímos defendendo que a divisão por zero tem validade como xingamento, ainda que se caracterize assim como um xingamento poético. Mandar alguém se dividir por zero é desejar que a pessoa desapareça e encontre sua própria essência, sua verdadeira essência, fora da vista, bem longe daqui.

4 comentários:

Rafael Lopes disse...

Divisão por fracionários não é algo virtual e pode ser constatada com laranjas para facilitar seu entendimento... se vc tem duas laranjas e quer colocá-las em recipientes onde cabem apenas meia laranja em cada, qntos recipientes precisaria? Dividindo 2 por 0,5 tem-se a resposta, 4 recipientes.
Se é dificil vizualizar divisão por fração pra você, não aconselhor tentar entender o paradoxo de Banach... mas envolve as laranjas que gosta tanto

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Caro Alila...

Continuo afirmando que divisão por fracionários é algo virtual. Dividindo duas laranjas em potes onde cabem apenas meia laranja, teremos 4 metades de laranjas em 4 potes inteiros. Ou seja, não houve divisão por fração alguma, pois o divisor no mundo real não são quatro meios potes, mas quatro potes inteiros, nos quais se pôs as quatro metades de duas laranjas (estas sim, foram fracionadas).
Para mim é muito fácil visualizar tais coisas. Parece que para você é que não é.

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Não há necessidade de entrar no paradoxo de Banach aqui pois usei um objeto redondo por mera conveniência (simplesmente a primeira coisa que me ocorreu foram laranjas).
Por fim, segue a dica: dizer para quem quer que seja "não aconselho tentar entender X..." demonstra uma assombrosa obtusidade científica.

Psicólogo Cláudio Drews disse...

http://youtu.be/1EGDCh75SpQ