segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Meditações sob uma lâmina de segurança

Estava no banho fazendo a barba apressadamente com um aparelho gilete antigo de aço inox, quando uns cortes causados pela minha pressa me fizeram pensar. No tempo dos meus avós, para desfrutar do verdadeiro prazer em alguma atividade, era necessário e natural despender de longos períodos de prática até que, com o domínio da prática, o prazer na atividade era alcançado. Fazer a barba com uma navalha ou com uma lâmina de segurança, nas primeiras vezes, era uma tarefa complicada e até mesmo potencialmente dolorosa. Mas com o tempo o jovem tornava-se proficiente no manuseio do aparelho e o ritual de barbear-se tornava-se um prazer. Ainda hoje, para a maioria das coisas nas quais vale a pena gastar tempo, isso continua sendo verdade. O problema é que estamos tão acostumados com objetos de consumo que propiciam um nível intenso de prazer ou de satisfação num primeiro momento, nível este que jamais é novamente alcançado com o mesmo objeto, que buscamos analogias a este paradigma de plenitude artificial e imediata em praticamente todas as nossas atividades. É como fazer a barba com um destes novos aparelhos descartáveis de plástico com duas, três, quatro ou cinco (?) lâminas. Na primeira vez ficamos impossivelmente bem afeitados, graças a um corte absurdamente rente. Mas ao fazer a barba novamente no dia seguinte as abrasões começam a aparecer e, apesar de toda agressão à pele do rosto, os pêlos passam a ficar mais evidentes. Com poucos dias de uso os aparelhos caríssimos ficam inutilizados e precisam ser substituídos. De tempos em tempos surge um modelo de aparelho com mais lâminas ou com recursos (?) absurdos, como vibração,que promete ser melhor que os modelos anteriores, mas só faz agredir mais a pele e o bolso. Contudo, com estes aparelhos, nenhuma destreza é necessária. Não importa como eles sejam utilizados, o resultado é sempre aquele de uma barba feita por um adolescente apressado. Exceto, é claro, aquele primeiro resultado, impossivelmente bom, o qual é almejado como que se almeja uma miragem no deserto. Da mesma forma que esperamos uma barba perfeita logo na primeira tentativa, buscamos amigos perfeitos, amores perfeitos, que nos propiciem um nível ótimo de prazer logo num primeiro instante, ainda que o fato de serem seguidos de contínuas insatisfações seja, no mínimo, sugestivo de que estamos fazendo algo errado. Como muitas coisas tendem a piorar com o decorrer do tempo quando, ao invés de serem adequadamente identificadas e corrigidas, tornam-se hábitos, essa generalização de consumismo em relacionamentos está trazendo uma nova realidade, talvez não tão conhecida pela minha geração, que é a realidade das promessas enganosas. Pessoas associam-se com pessoas cuja aparência transmite promessas de satisfação das fantasias e outros ideais desta atualidade. Já no primeiro momento, todas as expectativas são frustradas e nem chega-se a atingir qualquer nível de satisfação que seja. Contudo, ao invés de tentar ver além de cascas muito bonitas porém vazias que abundam como subproduto do corrente tempo, busca-se eternamente os ideais imediatistas. Eternamente sem alcançar, como crianças que jamais foram avisadas da inexistência do pote de ouro no fim do arco-íris. Talvez demorem demais para perceber que os maiores prazeres da vida são precedidos de trabalho, dedicação, prática e paciência, e que as coisas não precisam ser como idealizamos para que sejam boas e, plenamente satisfatórias. Se a nova geração está demonstrando que pior do que correr atrás de um prazer inicial que nunca mais virá é correr atrás da promessa de um prazer idealizado, padronizado de forma igual para todos, talvez a próxima geração redescubra os verdadeiros prazeres aparecem depois de algum esforço; e que estes prazeres não precisam respeitar a nenhum padrão, mas devem, por definição, respeitar as individualidades.

Um comentário:

António Miguel Miranda disse...

A vida exige muito mais compreensão do que conhecimento.