Ainda é cedo...
Quando olho a hora no relógio, em um dia que nem ao menos começou, e vejo que são sete horas da noite, não consigo evitar de pensar que ainda é cedo. Mas é um pensamento bobo, pois quando estiver marcando dez horas, ainda vai ser cedo, e quando a meia-noite chegar, vai ter sido apenas mais um dia que terminou sem nem ao menos começar.
Hoje não fez sol, hoje não estive com meus amigos, e hoje foi mais um dia que passei longe de você. Hoje não estudei, hoje não pedalei, hoje nem ao menos me sujei. Não vi a chuva, pois não choveu; não vi as estrelas, pois estavam encobertas por um manto amorfo de nuvens; não vi o mar, pois me pareceu tão longe; e mesmo que tenha passado por alguma árvore na rua, não vi verde algum.
Hoje foi um dia a menos.
Bem que eu poderia estar chegando em algum lugar, depois de uma longa e escura noite onde o tempo passou sem ser contado nem por mim nem pelas estrelas, molhado da chuva e do vento. Cansado de caminhar na lama de uma estrada delimitada apenas pela onipresente floresta de velhos troncos retorcidos cobertos de musgo, com seus galhos espinhosos e desfolhados, sentindo o cheiro da madeira que se decompõe com a longa exposição à umidade; teria sido um grande acalento divisar luzes como aquelas que prometem a presença humana, com tudo o que estas prometem àqueles que viajam solitários pela vida: os vapores do fumo e do vinho, o calor do fogo, e as vozes que já poderiam ser escutadas com a aproximação.
E ao chegar neste lugar, ao passar pela porta, entraria comigo uma rajada gélida de vento do sul, que com um assobio sussurraria o nome de lugar algum para quem quisesse saber de onde vim.
Meus olhos, que a tanto tempo me guiaram no escuro, demorariam para ser adaptar, não sem um certo incômodo, assim como meu rosto, que agora dói levemente a medida que o sangue volta a circular. E assim, com cuidado, eu passaria por inúmeros rostos escondidos atrás de copos ou envoltos em fumaça, com suas feições exageradas pelas luzes e pelas sombras do lugar. Com um pouco de sorte iria achar uma cadeira atrás de uma mesa, próxima a uma janela em um canto afastado, e lá me sentaria ainda sozinho em meio a tanta gente, observando o vento conduzir a chuva que dança completamente entregue aos seus caprichos, hora deitando-se sobre os galhos, hora sobre as pedras, incessantemente, incansavelmente, eternamente sua.
Lá, sentado em silêncio, eu veria as formas delicadas de uma bela mulher se aproximando, que ao chegar do meu lado perguntaria, ainda em pé, se eu gostaria de algo para me aquecer. Minha resposta, naturalmente, não revelaria aquilo que poderia derreter o gelo do meu coração, e limitei-me a pedir uma garrafa de vinho. Observaria aquelas pernas elegantes afastando-se com movimentos graciosos, para logo depois voltarem, e afastarem-se novamente. Entre um copo e outro de vinho, eu ficaria a acompanhar aquela figura que parecia destacar-se no ambiente, repleta de movimento, graça e vida, dividindo minha atenção apenas momentaneamente com a noite, numa espécie de antecipação ansiosa pelos sinais do alvorecer.
A noite se arrastaria lentamente, enquanto as pessoas deixariam as mesas, recolhendo-se para os aposentos superiores ou para algum outro lugar, e a garrafa daria seus últimos suspiros enquanto meus olhos permaneceriam ainda fixos naquela mulher que cada vez mais permanece a distância, diminuindo suas travessias generosas em atributos que a muito não me viam a mente, tais como beleza, alegria, harmonia...
Finalmente viriam os primeiros raios de sol, despontando palidamente no horizonte, e finalmente estaríamos sozinhos. Eu, sentado atrás daquela mesa, atrás de uma garrafa desprovida de seu conteúdo rubro que agora projetaria um reflexo verde em minha direção, e você, atrás daquele balcão, me olhando de maneira inquisitiva, com um quê de sorriso nos lábios.
Visivelmente cansada, você viria caminhando, quase que flutuando, e apoiaria as mãos na rústica madeira da mesa. Perguntaria o meu nome, o qual você já sabe e reconheceria no momento em que eu erguesse meu rosto na tua direção. A pálida luz que invade o recinto dissiparia as ilusões e derrubaria as máscaras da iluminação artificial, de maneira que nos reconheceríamos: dois estranhos, tão bem conhecidos. Um mistério sob o qual temos muitas das respostas mas que desconhecemos todas as perguntas.
Com uma certa aflição no rosto, você sentaria na cadeira ao meu lado, apertando firmemente a minha mão contra o seu peito. Pela primeira vez eu sentiria a tua respiração, com a qual só pude sonhar durante tanto tempo.
Nossos rostos se aproximariam e nos beijariamos docemente, palavras não são necessárias uma vez que já utilizamos todas elas. Sentiria teus lábios, doces, úmidos e quentes, indo de encontro aos meus, que corresponderiam ao teu beijo com vigor, na mesma medida da força de nossa respiração, que agora aquece nossos rostos perdidos em meio a uma união que demorou tanto tempo para acontecer e que agora merece durar o tempo que melhor nos convir.
Te beijo e te amo, e te amo no meu beijo, você me segura com loucura, como se estivesse lutando contra alguma força invisível, como se tivesse medo que algo me afastasse de ti. Tuas mãos envolvem minha cabeça, teus dedos penetram nos meus cabelos, até que nossos lábios se desencontram, explorando nossos rostos: minha boca procurando cobrir cada centímetro precioso da tua face, tua boca mergulhando no meu pescoço, minha boca querendo beijar tua testa, e tua boca buscando minha orelha que arde como nunca...
Nossos olhos se cruzam por um momento nesta louca paixão, num olhar que cobre o espectro do mais sincero carinho ao mais profundo desejo, apenas um segundo até que nossos lábios voltem a se encontrar. Escuto a tua súplica de jamais partir, revelando, além de qualquer controle, minha vontade de ficar - tudo sem que uma palavra precise ser dita.
Abro os olhos mais uma vez, querendo olhar teu rosto e tua expressão, para poder ver o teu prazer; mas em vez de te ver fico cego pela luz do sol. Sinto o vento, trazendo o frio que invade minhas roupas, me fazendo tremer como um animal acuado. Grito injúrias a plenos pulmões, é fúria por acordar e perceber que mais uma noite foi passada na floresta, mais uma noite com as pernas enterradas no barro gelado deste caminho que parece não ter fim. Não houve luz alguma no fim do caminho, nem o consolo do abraço aconchegante da pessoa com quem eu sonhava. Seria, apenas seria...
E quando penso em me deixar cair por terra e aguardar serenamente que o ciclo acabe, lembro de que em algum momento em meu sonho deixei o seria de lado. Buscando a compreensão disso, me levantei e segui caminhando, mais cansado do que ontem, menos vivo do que hoje, mas acreditando que algo me espera na próxima curva... E pode ser você.
Quando olho a hora no relógio, em um dia que nem ao menos começou, e vejo que são sete horas da noite, não consigo evitar de pensar que ainda é cedo. Mas é um pensamento bobo, pois quando estiver marcando dez horas, ainda vai ser cedo, e quando a meia-noite chegar, vai ter sido apenas mais um dia que terminou sem nem ao menos começar.
Hoje não fez sol, hoje não estive com meus amigos, e hoje foi mais um dia que passei longe de você. Hoje não estudei, hoje não pedalei, hoje nem ao menos me sujei. Não vi a chuva, pois não choveu; não vi as estrelas, pois estavam encobertas por um manto amorfo de nuvens; não vi o mar, pois me pareceu tão longe; e mesmo que tenha passado por alguma árvore na rua, não vi verde algum.
Hoje foi um dia a menos.
Bem que eu poderia estar chegando em algum lugar, depois de uma longa e escura noite onde o tempo passou sem ser contado nem por mim nem pelas estrelas, molhado da chuva e do vento. Cansado de caminhar na lama de uma estrada delimitada apenas pela onipresente floresta de velhos troncos retorcidos cobertos de musgo, com seus galhos espinhosos e desfolhados, sentindo o cheiro da madeira que se decompõe com a longa exposição à umidade; teria sido um grande acalento divisar luzes como aquelas que prometem a presença humana, com tudo o que estas prometem àqueles que viajam solitários pela vida: os vapores do fumo e do vinho, o calor do fogo, e as vozes que já poderiam ser escutadas com a aproximação.
E ao chegar neste lugar, ao passar pela porta, entraria comigo uma rajada gélida de vento do sul, que com um assobio sussurraria o nome de lugar algum para quem quisesse saber de onde vim.
Meus olhos, que a tanto tempo me guiaram no escuro, demorariam para ser adaptar, não sem um certo incômodo, assim como meu rosto, que agora dói levemente a medida que o sangue volta a circular. E assim, com cuidado, eu passaria por inúmeros rostos escondidos atrás de copos ou envoltos em fumaça, com suas feições exageradas pelas luzes e pelas sombras do lugar. Com um pouco de sorte iria achar uma cadeira atrás de uma mesa, próxima a uma janela em um canto afastado, e lá me sentaria ainda sozinho em meio a tanta gente, observando o vento conduzir a chuva que dança completamente entregue aos seus caprichos, hora deitando-se sobre os galhos, hora sobre as pedras, incessantemente, incansavelmente, eternamente sua.
Lá, sentado em silêncio, eu veria as formas delicadas de uma bela mulher se aproximando, que ao chegar do meu lado perguntaria, ainda em pé, se eu gostaria de algo para me aquecer. Minha resposta, naturalmente, não revelaria aquilo que poderia derreter o gelo do meu coração, e limitei-me a pedir uma garrafa de vinho. Observaria aquelas pernas elegantes afastando-se com movimentos graciosos, para logo depois voltarem, e afastarem-se novamente. Entre um copo e outro de vinho, eu ficaria a acompanhar aquela figura que parecia destacar-se no ambiente, repleta de movimento, graça e vida, dividindo minha atenção apenas momentaneamente com a noite, numa espécie de antecipação ansiosa pelos sinais do alvorecer.
A noite se arrastaria lentamente, enquanto as pessoas deixariam as mesas, recolhendo-se para os aposentos superiores ou para algum outro lugar, e a garrafa daria seus últimos suspiros enquanto meus olhos permaneceriam ainda fixos naquela mulher que cada vez mais permanece a distância, diminuindo suas travessias generosas em atributos que a muito não me viam a mente, tais como beleza, alegria, harmonia...
Finalmente viriam os primeiros raios de sol, despontando palidamente no horizonte, e finalmente estaríamos sozinhos. Eu, sentado atrás daquela mesa, atrás de uma garrafa desprovida de seu conteúdo rubro que agora projetaria um reflexo verde em minha direção, e você, atrás daquele balcão, me olhando de maneira inquisitiva, com um quê de sorriso nos lábios.
Visivelmente cansada, você viria caminhando, quase que flutuando, e apoiaria as mãos na rústica madeira da mesa. Perguntaria o meu nome, o qual você já sabe e reconheceria no momento em que eu erguesse meu rosto na tua direção. A pálida luz que invade o recinto dissiparia as ilusões e derrubaria as máscaras da iluminação artificial, de maneira que nos reconheceríamos: dois estranhos, tão bem conhecidos. Um mistério sob o qual temos muitas das respostas mas que desconhecemos todas as perguntas.
Com uma certa aflição no rosto, você sentaria na cadeira ao meu lado, apertando firmemente a minha mão contra o seu peito. Pela primeira vez eu sentiria a tua respiração, com a qual só pude sonhar durante tanto tempo.
Nossos rostos se aproximariam e nos beijariamos docemente, palavras não são necessárias uma vez que já utilizamos todas elas. Sentiria teus lábios, doces, úmidos e quentes, indo de encontro aos meus, que corresponderiam ao teu beijo com vigor, na mesma medida da força de nossa respiração, que agora aquece nossos rostos perdidos em meio a uma união que demorou tanto tempo para acontecer e que agora merece durar o tempo que melhor nos convir.
Te beijo e te amo, e te amo no meu beijo, você me segura com loucura, como se estivesse lutando contra alguma força invisível, como se tivesse medo que algo me afastasse de ti. Tuas mãos envolvem minha cabeça, teus dedos penetram nos meus cabelos, até que nossos lábios se desencontram, explorando nossos rostos: minha boca procurando cobrir cada centímetro precioso da tua face, tua boca mergulhando no meu pescoço, minha boca querendo beijar tua testa, e tua boca buscando minha orelha que arde como nunca...
Nossos olhos se cruzam por um momento nesta louca paixão, num olhar que cobre o espectro do mais sincero carinho ao mais profundo desejo, apenas um segundo até que nossos lábios voltem a se encontrar. Escuto a tua súplica de jamais partir, revelando, além de qualquer controle, minha vontade de ficar - tudo sem que uma palavra precise ser dita.
Abro os olhos mais uma vez, querendo olhar teu rosto e tua expressão, para poder ver o teu prazer; mas em vez de te ver fico cego pela luz do sol. Sinto o vento, trazendo o frio que invade minhas roupas, me fazendo tremer como um animal acuado. Grito injúrias a plenos pulmões, é fúria por acordar e perceber que mais uma noite foi passada na floresta, mais uma noite com as pernas enterradas no barro gelado deste caminho que parece não ter fim. Não houve luz alguma no fim do caminho, nem o consolo do abraço aconchegante da pessoa com quem eu sonhava. Seria, apenas seria...
E quando penso em me deixar cair por terra e aguardar serenamente que o ciclo acabe, lembro de que em algum momento em meu sonho deixei o seria de lado. Buscando a compreensão disso, me levantei e segui caminhando, mais cansado do que ontem, menos vivo do que hoje, mas acreditando que algo me espera na próxima curva... E pode ser você.
Escrito por mim.
2 comentários:
Encanta-me seus contos... penso que consegues achar um equilíbrio entre as descrições de detalhes e os acontecimentos em si, isso faz com que o leitor absorva as sutilezas sem perder o fluxo de viajar pela história! Mas bem... eu não estou aqui para analisar a sua forma de escrever, tão pouco sinto que posso fazer isso, mas é apenas um comentário pessoal, de como me senti durante a leitura...
Um fragmento: "dois estranhos, tão bem conhecidos. Um mistério sob o qual temos muitas das respostas mas que desconhecemos todas as perguntas." Essa passagem escondida em meio à dinâmica do texto, chamou-me a atenção, talvez eu não a tenha interpetado da mesma forma que vc possa ter em suas sugnificações para a ter escrito aqui, mas muitas vezes fico a pensar na diversidade de relações que tecemos aqui e ali, das mais diversas formas... e esse tipo de relação por vezes aparece em nossa vida e realmente... as perguntas são desconhecidas, às vezes o desconhecido é o único detalhe que separa "almas" íntimas.
Mas enfim... devaneios à parte, terei prazer em voltar e apreciar outros contos! abço
Teu cometário é um presente... Embora estes contos sejam palavras que lanço ao vento, sem subscrever o nome do destinatário, é muito bom quando alguém encontra algo neles. (:
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