quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A importância artística do erro

Cláudio: Olha, imagens com mais de 100 mb de informação: Hyperspectral images of natural scenes

Titi: q loucura

Titi: qq eh isso?

Cláudio: eles tiram uma foto no formato raw (sem compressão), e depois capturam outros dados da cena com equipamentos científicos (?), botam num programa matemático (mathlab) e reconstroem a cena com aqueles dados (dai faz correção de cores e luminosidade com base nos dados medidos) (:

Titi: hmm

Cláudio: as vezes eu penso q pelo menos parte do teor artístico está no erro causado pelas formas humanas de reconstruir a natureza.. talvez aquele seja o tipo de fotografia menos artística possível (:



Bom, só compreendi em parte o processo de imagem hiperespectral, pois tropecei nesse conceito apenas hoje. Mesmo assim me fez pensar. A página que me levou àquelas imagens é uma página com foco em imagens para diagnóstico de doenças e ferimentos a nível intracraniano. Neste sentido, não vejo nenhuma importância em algum teor artístico: quanto mais próxima da realidade for a imagem gerada, melhor será o diagnóstico feito, sendo que qualquer imperfeição pode levar a erros mais ou menos sérios.
Mesmo assim, todos os processos de captura de imagens médicas têm gerado imagens que são consideradas como detentoras de algum valor artístico. Não é de se surpreender, uma vez que as informações geralmente são traduzidas em cores artificiais e que o ser humano possui um grande fascínio pelo seu próprio corpo, o interesse e a beleza de tais imagens é um subproduto do material de diagnóstico.
Mas tais técnicas, em especial no caso da imagem hiperespectral, não se limitam a área médica, sendo utilizadas para reconhecimento, estudos geológicos, e - fiquei aqui imaginando - documentação no sentido amplo da palavra.
No caso de uma imagem produzida com fins de estudo de um terreno no qual será construído algum artefato humano que irá modificar completamente a paisagem, tal imagem teria um valor que transcenderia sua utilidade momentânea no planejamento da obra e, imediatamente após o início das modificações no terreno, passaria a possuir uma valor histórico de documentação daquilo que foi em contraponto àquilo que veio a ser.
Para tanto, a imagem precisa sobreviver, na forma de um arquivo, preservada por aqueles que detenham a posse sobre ela. E para sobreviver, para que a pessoa que a possui venha a preservá-la, tal imagem precisa despertar o interesse além daquele para o qual foi inicialmente criada.
Então eu pergunto: para este fim, de relato histórico, qual tipo de registro teria mais chance de ser preservado? Aquele com grande fidelidade técnica e que possui algum valor artístico apenas como subproduto; ou aquele feito usando meios mais lúdicos de reproduzir a realidade?
Acredito que a pergunta seja relevante quando comparado o processo de produzir uma foto usando apenas a inspiração e a técnica visual do fotógrafo ao processo de se produzir um instrumento musical manualmente, e comparando o processo de se produzir uma imagem por meios ditados artificialmente, de grande precisão ótica e funcional, e um instrumento musical completamente construído por máquinas em um processo industrial de linha de montagens livre de erros. Temos a tendência de agregar mais valor aquilo que é produzido por meios manuais, e é nas peculiaridades individuais de cada produção que destacamos aquilo que nos é de maior importância.
Contudo, o processo tecnológico é irreversível, e cada vez mais os registros de época serão gerados por processos padronizados, fidedignos e de menor interferência humana na sua produção. Talvez a solução seja ver a arte de uma maneira diferente, e encontrar a arte de uma maneira mais ampla e profunda nestas produções em que somos apenas colaboradores das máquinas.

5 comentários:

Ana disse...

Incrível como essas imagens absorvem o espectador, com sua riqueza i imobilidade... o curioso, ou melhor, o angustiante, é que absorvem tanto quanto a visão de uma foto do tipo pin-hole, ou de um fotógrafo cego que veremos em um documentário em aula - Janela da Alma. Fico pensando o óbvio: por trás de qualquer foto havia um ser humano, que ao menos escolheu determinada cena... Como seria nossa resposta a fotos arbitrárias...? Mas fotos arbitrárias não existem, pois fotografar/registrar é uma decisão humana, seja no clicar, seja no ligar ou programar o computador... eu acho...
pensei também na literatura. Se já leste Oliver Sacks, provavelmente lembras de alguns dos contos/casos dele... eu lembro bem, como se eu tivesse participado do evento, tanto quanto outros casos que estudei na faculdade, ou mesmo de pacientes com os quais tive contato (a literatura como uma foto, por fim... médica ou artística...)... acredito que a grande força que passa através dessas questões é a significação, esse nosso processo tão íntimo e primitivo...

Ana disse...

Quanto à preservação do registro, fiquei pensando, e acredito que me entenderás, qual foto eu escolheria para ilustrar uma aula sobre infância? Se a intenção fosse de propiciar uma significação especialmente profunda aos ouvintes, mostraria uma foto do bebê hipoglós, ou do meu fruto, da criança que marca, inevitavelmente, minha presença nesse tempo-espaço?...
Nesse sentido, os cursos de mestrado e doutorado têm cada vez mais dado espaço às pesquisas que utilizam como método o estudo de caso, a análise de história de vida...?! E mesmo a pesquisa dita "neutra", já alertou Popper, está carregada da impressão e significação do pesquisador, não é isso?
Mas, como o Narciso está em todos nós, a mídia larga a isca: "Quer que seu filho seja o bebê hipoglós?" ... Quero sim, e quem não quer??? rsrsrsr...

Psicólogo Cláudio Drews disse...

"Mas fotos arbitrárias não existem, pois fotografar/registrar é uma decisão humana, seja no clicar, seja no ligar ou programar o computador... eu acho..." - isso me lembra da tese de conclusão de curso de uma amiga minha, que se formou em história e defendeu a tese sobre o ato de fotografar. Sempre que documentamos algo fazemos de forma arbitrária. Quando escolhemos nossas fotos para expô-las no Orkut, por exemplo, escolhemos aquelas em que estamos aparentando nosso melhor.
Quando fiz aquele post fiquei pensando no papel das imagens cujo o propósito não é estético, e que são geradas por instrumentos de imagem médica ou, outro exemplo, em estudos de física de partículas, pois são imagens criadas com um propósito e acabam se mostrando belas e interessantes. Neste caso a arte é um subproduto.
Como nem todas imagens deste tipo demonstram algum valor estético, muitas acabam se perdendo. As que são preservadas e, inclusive, ganham conhecimento pelo público leigo, são aquelas consideradas belas.
Quanto maior nossa capacidade de perceber beleza em produções não usuais (dizem que há beleza até em fórmulas matemáticas), maior será nossa capacidade de adquirir, preservar e transmitir conhecimento.

Sobre qual foto usar em aula, tenho a tendência a concordar contigo... Não me atraem muito as fotos produzidas pela publicidade pois sinto nelas uma plasticidade (no sentido de aparência plástica mesmo) e uma ausência de história de fundo - ou ruído de fundo, que é o ruído de nossas vidas, um ruído que todos carregamos e que permeia tudo aquilo que fazemos. Freud dizia que a sua psicanalítica era um produto alemão, da língua germânica e da era vitoriana. Foi uma teoria no tempo e no espaço, que existe até hoje mas sofreu modificações e evoluiu conforme moveu-se nessa trama. Assim é a produção acadêmica. Torna-se mais interessante quando possui um toque pessoal e, tal como nós, é temporal, num processo de construção que não tem fim. O viés daquele que produz é parte indispensável àquele que irá rebater, caso contrário não haveria dialética e viveríamos num universo de dogmas.

Por fim... Eu ouvi falar muito bem sobre o documentário a Janela da Alma, e estou ansioso para assistir; já sobre o Oliver Sacks, apenas li alguns artigos sobre ele em algumas revistas, não tive a oportunidade de ler nenhum livro dele... ainda. (:

Ana disse...

Assim não vale! Esse já chegou pronto na faculdade, rsrsrs!!! Brincadeira à parte, tenho ainda que pensar e auto-analisar meu "ato falho": não sei por quê escrevi arbitrárias, se queria dizer fortuito, algo assim...
poderia eu ter pensado em aleatória e escrito arbitrária?!... acho que foi isso... mas a troca, tenho que pensar, rsrsrss... como disseste, o caminho é loooongooooo...
Em todo caso, concordamos...
E na seqüência: a eleição do belo - vindo ele de evento arbitrário ou aleatório, rsrsr - não é sempre arbitrária?! (agora sim, rsrsrs)

Quanto a Janela da Alma, está programado para a disciplina, se quiseres esperar - ou não, o que pode ser bom, pois cada vez que assisti percebi coisas muito distintas, é uma obra riquíssima!

Ana disse...

Se me permites o trocadilho:

Sobre a beleza nas fórmulas matemáticas, sem matemática, em expressão literária - o código matemático comunicativo nosso de cada dia, rsrsrs:

Poesia Matemática

Millôr Fernandes


Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.


Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.

encontrado na página http://www.releituras.com/millor_poesia.asp