segunda-feira, 7 de abril de 2008

Ludwig Wittgenstein por Daniel Dennett

Ludwig Wittgenstein
Ele começou tentando reduzir toda a matemática em lógica e acabou descobrindo que boa parte da metafísica era sem sentido.
por Daniel Dennett
Tradução minha

29 de março de 1999

Se você quiser de ver filósofos se contorcerem - e quem não quer? - proponha esta questão: Supunha que você possa tanto a) solucionar de vez um grande problema filosófico de maneira tão conclusiva que não há mais nada para ser dito (graças a você uma parte do campo será fechada para sempre, e você irá ganhar uma nota de rodapé na história); ou b) escrever um livro controverso e de uma complexidade avassaladora que irá permanecer na lista de leitura obrigatória durante os próximos séculos. Qual destas opções você iria preferir?
Muitos filósofos iriam admitir, relutantemente, que preferem a opção b). Se eles precisassem escolher, iriam preferir serem lidos a estarem corretos. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein tentou brilhantemente optar pela opção a) e acabou indo parar na opção b).
A revolução da lógica matemática no início do século XX abriu uma perspectiva deliciosa: uma ciência rigorosa dos significados. Assim como a teoria atômica, na Física, começou a quebrar a matéria em suas partes constituintes e mostrou como elas se encaixam para produzir todos os efeitos na natureza, a lógica sustentava a promessa de responder por todos os textos significantes e unidades completas de significado nos discursos [utterances - n.t.] - das provas filosóficas e geométricas à história e legislação - quebrando a linguagem em seus átomos lógicos e mostrando como estas partes se encaixavam (em uma linguagem ideal) para compor todos os significados que poderiam existir.
Como um jovem estudante de engenharia na Inglaterra, Wittgenstein viu a esperança de uma nova lógica matemática e mudou-se para Cambridge para tornar-se o protegido de Bertrand Russell, do qual o monumental Principia Mathematica (1913), escrito com Alfred North Whitehead, foi uma tentativa de reduzir toda a matemática em lógica. O primeiro livro de Wittgenstein, publicado na Inglaterra em 1922, intitulado de maneira ainda mais grandiosa como Tractatus Logico-philosophicus, foi ainda mais longe e o levou a acreditar, e a alguns de seus admiradores também, ter levado a Filosofia a um fim, tendo resolvido definitivamente seus problemas centrais de uma só vez e para sempre. Algumas proposições "filosóficas" poderiam ser prontamente expressas e analisadas dentro do seu sistema e aquelas que não pudessem - entre elas, charadas metafísicas que atormentaram os filósofos por séculos - seriam sem sentido.
Wittgenstein retornou à Áustria para tornar-se professor, mas as dúvidas logo começaram a pertubar-lhe [the worm of doubt soon gnawed, no original - n.t.] e ele retornou à Inglaterra em 1929 para dramaticamente declarar que ele havia entendido tudo errado na primeira vez. O "Wittgenstein tardio" passou os próximos 18 anos agonizando à frente de um pequeno seminário de Cambridge, de estudantes devotados e fascinados por suas palavras e que levantavam questões curiosas, as quais eram respondidas por ele - ou notadamente deixadas sem resposta - com uma austeridade magnífica na forma de aforismos enigmáticos. Um perfeccionista obsessivo, Wittgenstein trabalhou e retrabalhou suas notas e deixou sua segunda obra-prima, Investigações Filosóficas, para publicação póstuma, em 1953. Ambos os livros permanecerão como leituras obrigatórias, tão longe no futuro quanto qualquer filósofo pode alegar ser capaz de imaginar.
A família na qual Wittgenstein nasceu, em 1889, era uma das mais ricas de Viena, e o jovem Ludwig cresceu em uma atmosfera efervescente de alta cultura e privilégio. Brahms e Mahler eram visitantes freqüentes na luxuosa casa da família, e seu irmão Paul era um pianista de concertos que havia perdido um braço na Primeira Guerra Mundial, elogiado por seus trabalhos com uma única mão, a esquerda, por Richard Strauss, Ravel e Prokofiev. Foi durante a guerra que Ludwig, um voluntário da artilharia austríaca, completou o Tractatus, pouco antes de ser capturado e levado como prisioneiro. Sempre um asceta, ele doou sua herança, confiando na generosidade de seus protetores de Cambridge, Russell e John Maynard Keynes, para assegurar seu emprego acadêmico, vivendo frugalmente e, mais tarde em sua vida, sendo cuidado por seus discípulos.
Você sabe, logo que abre o Tractatus, que se trata de algo especial. Cada página direta está em alemão, em face a tradução inglesa à esquerda, e as sentenças são numeradas usando um sistema hierárquico que lhe diz tratar-se de uma prova formal. O livro começa de forma bastante direta: "1. O mundo é tudo que vem ao caso." (Em alemão, é feita uma rima memorável na forma de um couplet [um par de linhas de mesma extensão que rimam e formam um pensamento completo - n.t.]: Die Welt ist alles, was der Fall ist.) E termina com um final para terminar com todos os finais: "7. Quando você não puder falar, deverá permanecer em silêncio."
No meio existem alguns avanços no pensamento. Wittgenstein traça a distinção entre o que pode ser dito por meio de palavras e aquilo que só pode ser mostrando, o que levanta a questão inevitável: Será que o Tractatus, como um texto, diz coisas que não podem ser ditas? Talvez. A penúltima proposição é a famosa e chocante: "6.54. Minhas proposições são elucidativas da seguinte forma: aquele que me entende, finalmente reconhece que elas não possuem sentido, quando ele tiver chegado ao todo por elas, nelas, sobre elas. (Ele deve, de certo modo, jogar fora a escada após tê-la escalado.) Ele deve superar estas proposições; e então ele verá o mundo corretamente."
Significaria isto que o sonho maravilhoso do atomismo lógico - uma ciência dos significados - estava perdido? Ou que havia muito menos a ser dito do que alguém poderia imaginar? Ou o quê?
Quando Wittgenstein retornou à Filosofia em 1929, ele trouxe a mensagem de que os métodos rigorosos da lógica pura não poderiam resolver os problemas da Filosofia: "Nós chegamos ao gelo escorregadio onde não há fricção e, desta maneira, de uma certa forma as condições são ideais, mas também, apenas por causa disto, nós estamos incapazes de nos mover. Nós queremos nos mover: então precisamos de fricção. De volta ao chão bruto!" Onde antes ele havia privilegiado regras lógicas explícitas, agora ele falava de jogos de linguagem, governados por entendimento tácito mútuo, e propunha a substituição de limites absolutos do conjunto teórico por aquilo que ele chamou de semelhanças familiares. "A Filosofia é a batalha contra o encantamento da nossa inteligência por meio da linguagem", disse ele, e a linguagem nos encanta por nos incitar a criar "teorias" para resolver problemas filosóficos que surgem apenas quando "a linguagem tira umas férias."
Wittgenstein se propunha, em particular, a subverter as teorias sedutoras sobre a mente e a consciência que os filósofos, desde Descartes, haviam tentando decifrar e vencer. Incessavelmente, no seu Investigações Filosóficas, ele surpreende seus interlocutores no ato de serem enganados pelo excesso de confiança em suas intuições sobre o que suas palavras significam - o que suas palavras deveriam significar, pensam eles - quando eles falam sobre o que está acontecendo em suas próprias mentes. Como Wittgenstein diz, "O momento decisivo no truque de conjurar foi feito, e foi justamente aquele que pensávamos ser o mais inocente." (Os neurocientistas atuais caem nestas mesmas armadilhas com surpreendente regularidade, agora que começaram a tentar pensar seriamente sobre a consciência. Infelizmente o trabalho de Wittgenstein não foi conhecido por muitos cientistas.) Mas será que seus próprios antídotos para tais teorias não constituem uma teoria da mente? Esta é apenas uma dos muitos dilemas [quandaries - n.t.] e paradoxos que ele deixou para a posteridade.
Em 1939, o seminário de Wittgenstein em Cambridge sobre as fundações da Matemática contou com a presença de um jovem matemático brilhante, Alan Turing, que estava dando seu próprio curso sobre o mesmo assunto. Turing também havia estado excitado pelas promessas da lógica matemática e, como Wittgenstein, havia chegado às suas limitações. Mas na tentativa de provar formalmente que o sonho de transformar toda matemática em lógica era estritamente impossível, Turing inventou um dispositivo puramente conceitual - agora conhecido como a Máquina Universal de Turing [ou simplesmente a Máquina de Turing - n.t.] - que proveria a base lógica para os computadores digitais. E enquanto o sonho de Wittgenstein, de uma linguagem universal ideal para expressar todos os significados, havia sido destruído, o dispositivo de Turing conseguiu alcançar algum outro tipo de universalidade: ele poderia computar todas as funções matemáticas computáveis.
Felizmente, naqueles dias anteriores aos gravadores de fita, alguns discípulos de Wittgenstein tomaram notas, de maneira que podemos ter uma idéia de como duas grandes mentes abordam um problema central a partir de pontos de vista opostos: o problema da contradição em um sistema formal. Para Turing, o problema é prático: se você projetar uma ponte usando um sistema que contém uma contradição, "a ponte poderá desabar." Para Wittgenstein, o problema era sobre o contexto social no qual seres humanos podem "seguir as regras" de um sistema matemático. O que Turing viu, e que Wittgenstein não viu, foi a importância do fato de que um computador não precisa compreender as regras para segui-las. Quem "venceu"? Turing chega de maneira capenga e simplória [flatfooted and naive - n.t.], mas nos deixou o computador; enquanto Wittgenstein nos deixou... Wittgenstein.
Alguns irão dizer que em longo prazo o legado de Wittgenstein irá provar-se mais valioso. Talvez seja verdade, Wittgenstein, como qualquer outro pensador carismático, continua a atrair fanáticos que devotam suas vidas a discordar uns dos outros (e, presumivelmente, com meu breve sumário) sobre o significado final das suas palavras. Estes discípulos tornam-se fixados miópicamente [restringem-se - n.t.] aos seus Wittgensteins, sem perceber que existem muitos grandes Wittgensteins que se pode escolher. Meu herói é um que nos mostrou novas maneiras de suspeitar de nossas próprias convicções quando confrontando os mistérios da mente. O fato que permanece é que a primeira exposição de alguém, tanto ao Tractatus ou ao Investigações Filosóficas, é uma experiência libertadora e prazerosa. Aqui está um sistema de pensamento tão intenso, tão puro, tão auto-crítico, que até seus enganos são dádivas.

O Filósofo Daniel Dennett é o autor de vários livros e publicações, proeminente em filosofia da mente, palestrante excepcional, do qual eu ainda discordo quanto as suas opiniões sobre a realidade dos qualia (minha discordância quanto a alguns pontos não diminui o respeito e admiração pelas suas idéias e pela maneira como ele as expressa). Seu livro mais recente é Neuroscience and Philosophy: Brain, Mind, and Language.

O texto acima é uma tradução da página TIME 100: Ludwig Wittgenstein, onde a revista The Time lista as 100 personalidades mais importantes do século XX.
DENNETT, Daniel. Scientists & Thinkers: Ludwig Wittgenstein. In: The Time 100: the most important people of the century. Acesso em 05 de abril de 2008. Disponível em: http://www.time.com/time/time100/scientist/profile/wittgenstein.html


A citação abaixo não faz parte do texto acima, é um excerto do Tractatus Logico-philosophicus de Wittgenstein:
"6.42. É por isso que tampouco pode haver proposições na ética. Proposições não podem exprimir nada de mais alto."

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