Fazem alguns dias que não escrevo aqui e, neste meio tempo, cruzei por diversos assuntos interessantes que prenderam em maior ou em menor medida a minha atenção. Eu poderia ter começado a escrever algo sobre batidas binaurais, uma ferramenta que, acredito, ainda é subutilizada por ter sido deturpada por teorias que carecem de fundamentação científica, poderia estar escrevendo sobre a incrível palestra do "Homem de 5 Cérebros", Murray Gell-Mann, que assisti no YouTube por cortesia do Google, poderia estar traduzindo algum texto interessante mas, por algum motivo, nada disso me despertou aquela vontade que move meus dedos no teclado, ou aquela voz que me diz: "Ei, isto é importante para ser compartilhado, escreve lá." - espero que entendam que a voz, da qual falo, é meramente um impulso da minha consciência e não uma voz de fato em minha cabeça.
Foi assim até que, folhando um livro sobre teoria da personalidade, resolvi parar e ler a parte introdutória sobre a teoria da personalidade centrada na pessoa, de Carl Rogers. Sinto grande prazer quando posso dispensar algum tempo com algum livro texto na mão e sem obrigação alguma de ler algo específico, quando me permito ficar passando de assunto em assunto, me detendo naquilo que me chama mais atenção, passando rapidamente por aquilo que, naquele momento, não me desperta interesse algum. Foi assim que passei apenas os olhos sobre a introdução biográfica de Carl Rogers, uma vez que a vida dele já havia sido abordada inúmeras vezes em aula, e acabei me detendo quando reencontrei alguns dos princípios que ele pode enumerar após milhares de horas de terapia. O livro cita apenas estes seis:
O que dizer sobre isso? Sem dúvida que há a voz da experiência aí, pode-se dizer até que há um insight sobre a pessoa humana, sobre o que é ser humano. Quanto mais penso sobre cada uma destas afirmações a mais conclusões boas e positivas sobre a experiência individual humana eu sou remetido.
Acredito que todo ser humano, sem exceção, faz aquilo que acredita ser o seu melhor, ou o melhor para si, a cada momento, mesmo quando decide não dar o seu melhor: a nossa mente sempre é capaz de criar uma justificativa para a preguiça, para o desleixo, para o descaso; e mesmo que esta justificativa seja passível de ser refutada por uma breve análise logística, se ela era o que estava faltando para a tomada de uma decisão para a qual já estávamos inclinados a tomar, ela será aceita como válida, sem o menor critério.
Não é uma questão de errar por gosto, mas de não ser capaz de encontrar um curso de ação mais apropriado. Judicialmente se diz que é imputável aquele que possui a capacidade de entender as conseqüências de suas ações e saber que está causando dano a outra pessoa, à propriedade ou à sociedade. Mas será que algum jusfilósofo já parou para pensar na diferença entre potencialidade e capacidade? Todos os seres humanos, mais ou menos sãos, mais ou menos inteligentes, possuem a potencialidade para discernir o que é certo e o que é errado, mas nem em todas as situações e contextos todos os seres humanos serão igualmente capazes de fazer tal discernimento.
Isso vale também para os demais escopos da existência e da ação humana. Não damos cem por cento de nossas capacidade durante cem por cento do tempo em nenhuma das atividades ou relacionamentos dos quais tomamos parte e isso é natural.
Certa vez um professor do curso de Direito, durante uma aula de História do Direito, fez um elogio ao ócio. De início houve uma certa comoção da parte dos alunos, até que fossem esclarecidos pela idéia de ócio produtivo: se apenas saturarmos nossas mentes de informações, sem dar o tempo necessário para que estas informações sejam digeridas, não teremos resultados originais jamais. Informações, cultura, ciência, são como brinquedos para a mente. De que adianta encher continuamente uma criança de brinquedos e não lhe dar tempo para brincar com os brinquedos que ganha?
Voltando ao Carl Rogers, outra idéia dele que me vez pensar, foi a de que se compartilhássemos e expressássemos aquilo que temos de mais único e pessoal, poderíamos tocar mais profundamente as pessoas ao nosso redor. Entendo o que ele quer dizer, especialmente no contexto da terapia psicológica, da visão do psicólogo; e também concordo que tal conceito se expande e permeia outras relações da vida.
Quantas vezes tentamos e insistimos em mostrar um certo ponto para alguém usando de métodos indiretos em maior ou menor grau? Quem nunca se deparou com a conclusão, trazida pela pessoa a quem as tentativas eram dirigidas, de que seria mais fácil simplesmente ter dito ou se expressado com clareza e sem rodeios?
Porém existem outras situações em que as pessoas querem ardentemente expressar algo que possuem dentro de si e que consideram único e valoroso, mas que acaba sendo totalmente inadequado para o contexto. É comum, em grande parte das relações de aprendizagem, onde existe alguém tentando transmitir um conhecimento e um grupo que está lá supostamente para aprender, que a tarefa de ensinar seja dificultada, no início, por constantes interrupções por parte da pessoa que estaria lá para aprender, tentando expressar algo que, naquele momento, acredita que irá contribuir enormemente para aula.
Quando isso acontece de forma limitada e a pessoa pára, podemos chamar de adequação. A pessoa vai aprendendo que, às vezes, é preciso escutar um pouco mais, esperar um pouco mais, ser flexível quanto aquilo que propõe e refletir sobre aquilo que escuta. Mas tem casos em que a pessoa toma conta e acaba querendo contestar aquilo que é exposto sem fazer uso de uma argumentação adequada e sem seguir as regras de um debate equilibrado.
Nestes casos é preciso fazer a pessoa refletir se ela está lá realmente para aprender ou se ela está lá querendo ser ouvida ou querendo se expressar. Existem momentos, muitos momentos, em toda relação de aprendizagem, em que a pessoa pode se expressar livremente e pôr a prova o seu ponto de vista sobre aquilo que é relevante ao que se tenta transmitir. Estes momentos, quando o ensino é sistêmico e organizado, são calculados para que aquele que aprende já esteja de posse de algum conhecimento sólido e fundamentado quando for manifestar suas opiniões.
Mas quando é constante a necessidade daquele que aprende de falar sobre sua bagagem de conceitos pré-concebidos, trazidos do senso comum e da mídia de massa, em oposição ou justaposição àquele que ensina, então é preciso repensar e fazer uma análise mais aprofundada sobre os seus reais objetivos naquela relação e as suas reais necessidades.
E então voltamos ao que estávamos falando anteriormente, de que o ser humano acaba fazendo o melhor que é capaz de fazer, dada uma certa situação, um contexto; mas que ainda assim somos iludidos pelos nossas limitações e usamos nossas limitações para nos iludir e entrar em conformidade com elas, ao invés de travar uma luta direta com elas.
Alguém pode estar sentindo uma necessidade enorme de ser ouvido e não querer admitir isso, ou não ser capaz de encontrar alguém que lhe queira ouvir. Partindo disso, esse alguém passa a acreditar que quer se inserir em um grupo, onde ocorram debates, onde as pessoas se expressem, como em uma relação de ensino, e passa então a acreditar que quer aprender algo, para não ter que admitir a si mesmo a sua necessidade ou mesmo a sua incapacidade de suprir essa necessidade.
Por estar buscando algo que não é inteiramente compatível com o contexto e por ter objetivos divergentes daqueles propostos pelo contexto em que se inseriu, tal pessoa irá experienciar ou atrito constante ou frustração por não ter sua necessidade real suprida.
Mas, partindo da idéia de que esta pessoa não encontrou outros meios de se fazer ouvir e de que aquela foi a alternativa que restou e que pareceu viável, é justo dizer que tal pessoa estava fazendo o seu melhor, o seu máximo dentro de suas capacidades atuais. Poderíamos argumentar: "Mas por que então esta pessoa não fez isso, ou aquilo, ou ainda aquilo outro, se tudo o que ela precisava era ser ouvida?" - argumento este que poderia ser traduzido como: "Ei, esta pessoa tem a potencialidade - ou possibilidade - de agir melhor." - e que pode ser simplesmente respondido com: "Sim, mas ela não sabia." - que se traduz como: "Ter potencial não é a mesma coisa de ser capaz."
Todo ser humano, que não sofre de nenhuma doença mais séria, tem o potencial de pedalar 80 quilômetros em um dia e depois ir para uma festa. Eu mesmo tenho este potencial. Mas se eu me levantar agora do sofá, pegar a bicicleta, depois de mais de um ano de ócio produtivo, e tentar pedalar tal distância, antes de percorrer os primeiros 25 quilômetros irei descobrir que me falta a capacidade, no dado momento, de atingir o meu objetivo.
E digo mais, a capacidade precisa ser construída: não vai ser numa segunda ou numa terceira tentativa que vou me encontrar capaz de percorrer grandes distâncias. Só que muitas vezes, para muitas pessoas, diferentemente de esportes que se faz por prazer e por saúde, a sociedade trata o ser humano como algo que é ou que não é; e confunde o pode ser com o deve ser. Isso ocorre com os rótulos que são impostos, pelos estigmas que se carrega e que, acredito eu, todo profissional que trabalha diretamente com o ser humano e, em especial, todo profissional da saúde mental, deve lutar para desconstruir e evitar ao máximo alimentar, seja com palavras, atitudes ou ações.
Este é, mais ou menos, um paralelo que traço entre as coisas boas a que sou remetido pelas teorias humanísticas de Carl Rogers, e a maneira como percebo que a sociedade trata o indivíduo, a maneira como a sociedade leva os indivíduos a tratarem uns aos outros.
Foi assim até que, folhando um livro sobre teoria da personalidade, resolvi parar e ler a parte introdutória sobre a teoria da personalidade centrada na pessoa, de Carl Rogers. Sinto grande prazer quando posso dispensar algum tempo com algum livro texto na mão e sem obrigação alguma de ler algo específico, quando me permito ficar passando de assunto em assunto, me detendo naquilo que me chama mais atenção, passando rapidamente por aquilo que, naquele momento, não me desperta interesse algum. Foi assim que passei apenas os olhos sobre a introdução biográfica de Carl Rogers, uma vez que a vida dele já havia sido abordada inúmeras vezes em aula, e acabei me detendo quando reencontrei alguns dos princípios que ele pode enumerar após milhares de horas de terapia. O livro cita apenas estes seis:
1. Nas minhas relações com as pessoas, descobri que não ajuda, a longo prazo, agir como se fosse aquilo que não sou.
2. Atribuo um enorme valor ao fato de poder permitir-me compreender uma outra pessoa.
3. A experiência é, para mim, a suprema autoridade... é sempre à experiência que me volto para me aproximar cada vez mais da verdade, no processo de descobri-la em mim.
4. Aquilo que há de único e de mais pessoal em cada um de nós é provavelmente o próprio elemento que, se fosse compartilhado ou expresso, falaria mais profundamente aos outros.
5. A experiência mostrou-me que as pessoas têm uma orientação fundamentalmente positiva.
6. A vida, no que tem de melhor, é um processo que flui, que se altera e onde nada é fixo.
Fonte: Rogers, 1961 apud Pervin e John. Personalidade: teoria e pesquisa. 8a. edição, Porto Alegre : Artmed, 2004.
Acredito que todo ser humano, sem exceção, faz aquilo que acredita ser o seu melhor, ou o melhor para si, a cada momento, mesmo quando decide não dar o seu melhor: a nossa mente sempre é capaz de criar uma justificativa para a preguiça, para o desleixo, para o descaso; e mesmo que esta justificativa seja passível de ser refutada por uma breve análise logística, se ela era o que estava faltando para a tomada de uma decisão para a qual já estávamos inclinados a tomar, ela será aceita como válida, sem o menor critério.
Não é uma questão de errar por gosto, mas de não ser capaz de encontrar um curso de ação mais apropriado. Judicialmente se diz que é imputável aquele que possui a capacidade de entender as conseqüências de suas ações e saber que está causando dano a outra pessoa, à propriedade ou à sociedade. Mas será que algum jusfilósofo já parou para pensar na diferença entre potencialidade e capacidade? Todos os seres humanos, mais ou menos sãos, mais ou menos inteligentes, possuem a potencialidade para discernir o que é certo e o que é errado, mas nem em todas as situações e contextos todos os seres humanos serão igualmente capazes de fazer tal discernimento.
Isso vale também para os demais escopos da existência e da ação humana. Não damos cem por cento de nossas capacidade durante cem por cento do tempo em nenhuma das atividades ou relacionamentos dos quais tomamos parte e isso é natural.
Certa vez um professor do curso de Direito, durante uma aula de História do Direito, fez um elogio ao ócio. De início houve uma certa comoção da parte dos alunos, até que fossem esclarecidos pela idéia de ócio produtivo: se apenas saturarmos nossas mentes de informações, sem dar o tempo necessário para que estas informações sejam digeridas, não teremos resultados originais jamais. Informações, cultura, ciência, são como brinquedos para a mente. De que adianta encher continuamente uma criança de brinquedos e não lhe dar tempo para brincar com os brinquedos que ganha?
Voltando ao Carl Rogers, outra idéia dele que me vez pensar, foi a de que se compartilhássemos e expressássemos aquilo que temos de mais único e pessoal, poderíamos tocar mais profundamente as pessoas ao nosso redor. Entendo o que ele quer dizer, especialmente no contexto da terapia psicológica, da visão do psicólogo; e também concordo que tal conceito se expande e permeia outras relações da vida.
Quantas vezes tentamos e insistimos em mostrar um certo ponto para alguém usando de métodos indiretos em maior ou menor grau? Quem nunca se deparou com a conclusão, trazida pela pessoa a quem as tentativas eram dirigidas, de que seria mais fácil simplesmente ter dito ou se expressado com clareza e sem rodeios?
Porém existem outras situações em que as pessoas querem ardentemente expressar algo que possuem dentro de si e que consideram único e valoroso, mas que acaba sendo totalmente inadequado para o contexto. É comum, em grande parte das relações de aprendizagem, onde existe alguém tentando transmitir um conhecimento e um grupo que está lá supostamente para aprender, que a tarefa de ensinar seja dificultada, no início, por constantes interrupções por parte da pessoa que estaria lá para aprender, tentando expressar algo que, naquele momento, acredita que irá contribuir enormemente para aula.
Quando isso acontece de forma limitada e a pessoa pára, podemos chamar de adequação. A pessoa vai aprendendo que, às vezes, é preciso escutar um pouco mais, esperar um pouco mais, ser flexível quanto aquilo que propõe e refletir sobre aquilo que escuta. Mas tem casos em que a pessoa toma conta e acaba querendo contestar aquilo que é exposto sem fazer uso de uma argumentação adequada e sem seguir as regras de um debate equilibrado.
Nestes casos é preciso fazer a pessoa refletir se ela está lá realmente para aprender ou se ela está lá querendo ser ouvida ou querendo se expressar. Existem momentos, muitos momentos, em toda relação de aprendizagem, em que a pessoa pode se expressar livremente e pôr a prova o seu ponto de vista sobre aquilo que é relevante ao que se tenta transmitir. Estes momentos, quando o ensino é sistêmico e organizado, são calculados para que aquele que aprende já esteja de posse de algum conhecimento sólido e fundamentado quando for manifestar suas opiniões.
Mas quando é constante a necessidade daquele que aprende de falar sobre sua bagagem de conceitos pré-concebidos, trazidos do senso comum e da mídia de massa, em oposição ou justaposição àquele que ensina, então é preciso repensar e fazer uma análise mais aprofundada sobre os seus reais objetivos naquela relação e as suas reais necessidades.
E então voltamos ao que estávamos falando anteriormente, de que o ser humano acaba fazendo o melhor que é capaz de fazer, dada uma certa situação, um contexto; mas que ainda assim somos iludidos pelos nossas limitações e usamos nossas limitações para nos iludir e entrar em conformidade com elas, ao invés de travar uma luta direta com elas.
Alguém pode estar sentindo uma necessidade enorme de ser ouvido e não querer admitir isso, ou não ser capaz de encontrar alguém que lhe queira ouvir. Partindo disso, esse alguém passa a acreditar que quer se inserir em um grupo, onde ocorram debates, onde as pessoas se expressem, como em uma relação de ensino, e passa então a acreditar que quer aprender algo, para não ter que admitir a si mesmo a sua necessidade ou mesmo a sua incapacidade de suprir essa necessidade.
Por estar buscando algo que não é inteiramente compatível com o contexto e por ter objetivos divergentes daqueles propostos pelo contexto em que se inseriu, tal pessoa irá experienciar ou atrito constante ou frustração por não ter sua necessidade real suprida.
Mas, partindo da idéia de que esta pessoa não encontrou outros meios de se fazer ouvir e de que aquela foi a alternativa que restou e que pareceu viável, é justo dizer que tal pessoa estava fazendo o seu melhor, o seu máximo dentro de suas capacidades atuais. Poderíamos argumentar: "Mas por que então esta pessoa não fez isso, ou aquilo, ou ainda aquilo outro, se tudo o que ela precisava era ser ouvida?" - argumento este que poderia ser traduzido como: "Ei, esta pessoa tem a potencialidade - ou possibilidade - de agir melhor." - e que pode ser simplesmente respondido com: "Sim, mas ela não sabia." - que se traduz como: "Ter potencial não é a mesma coisa de ser capaz."
Todo ser humano, que não sofre de nenhuma doença mais séria, tem o potencial de pedalar 80 quilômetros em um dia e depois ir para uma festa. Eu mesmo tenho este potencial. Mas se eu me levantar agora do sofá, pegar a bicicleta, depois de mais de um ano de ócio produtivo, e tentar pedalar tal distância, antes de percorrer os primeiros 25 quilômetros irei descobrir que me falta a capacidade, no dado momento, de atingir o meu objetivo.
E digo mais, a capacidade precisa ser construída: não vai ser numa segunda ou numa terceira tentativa que vou me encontrar capaz de percorrer grandes distâncias. Só que muitas vezes, para muitas pessoas, diferentemente de esportes que se faz por prazer e por saúde, a sociedade trata o ser humano como algo que é ou que não é; e confunde o pode ser com o deve ser. Isso ocorre com os rótulos que são impostos, pelos estigmas que se carrega e que, acredito eu, todo profissional que trabalha diretamente com o ser humano e, em especial, todo profissional da saúde mental, deve lutar para desconstruir e evitar ao máximo alimentar, seja com palavras, atitudes ou ações.
Este é, mais ou menos, um paralelo que traço entre as coisas boas a que sou remetido pelas teorias humanísticas de Carl Rogers, e a maneira como percebo que a sociedade trata o indivíduo, a maneira como a sociedade leva os indivíduos a tratarem uns aos outros.
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