sexta-feira, 16 de maio de 2008

Recortes: A Hipótese do Núcleo Dinâmico

Gerald M. Edelmann
Um Universo de Consciência
Basic 2000


pg. 138


...Esta análise mostra que a alta complexidade se origina das interações contínuas entre o cérebro e um ambiente externo de uma complexidade potencial muito maior. Simulações com sistemas lineares simples indicam que sistemas de conectividade aleatória possuem baixos valores de complexidade. Contudo, se a conectividade destes sistemas receber a permissão para realizar mudanças por meio de uma seleção de procedimentos de maneira que aumente sua aproximação às regularidades estatísticas de um ambiente externo, sua complexidade irá crescer consideravelmente.
Mais do que isso, todo o resto sendo igual, quanto mais complexo for o ambiente, maior será a complexidade dos sistemas que atingirem altos valores de aproximação.
É por meio da adaptação dos circuitos reentrantes do cérebro à estas demandas apresentadas por um ambiente rico, baseada nos princípios de seleção natural, desenvolvimental e neural que atingimos uma alta complexidade, como pode ser visto pelos crescentes valores de aproximação e degeneração. E é apenas após um certo nível de complexidade ser atingido que um cérebro adulto, mesmo quando relativamente isolado como quando está sonhando, pode gerar processos neurais integrados de complexidade suficiente para sustentar a experiência consciente. A questão agora pode ser apresentada: Podemos usar os conceitos e medidas desenvolvidos aqui para especificar sob quais condições populações de neurônios contribuem para a experiência consciente?


Determinando onde o nó está atado: A hipótese do Núcleo Dinâmico

Neste capítulo, nós primeiro revisamos as observações indicativas que refutam sua ampla distribuição, apenas um subconjunto de grupos neuronais no nosso cérebro contribuem diretamente para a experiência consciente a qualquer momento que se observe. O quê, então, se algo, há de especial nestes grupos neuronais, e como eles devem ser identificados tanto em teoria quanto experimentalmente?
A hipótese do núcleo dinâmico (dynamic core hypothesis) é a nossa resposta à esta questão. Esta hipótese afirma que a atividade de um grupo de neurônios pode contribuir diretamente para a experiência consciente se este grupo for uma parte de um agrupamento funcional maior (functional cluster), caracterizado por fortes interações mútuas entre um conjunto de grupos neuronais durante um período de centenas de milissegundos.
Para manter a experiência consciente, é essencial que este agrupamento funcional seja altamente diferenciado, como indicado pelos altos valores de complexidade. Tal agrupamento, que nós chamamos de "núcleo dinâmico" por sua composição sempre em transformação ainda que constante integração, é gerada em grande parte, embora não exclusivamente, dentro do sistema tálamo-cortical.
A hipótese do núcleo dinâmico leva à predições específicas quanto às bases neurais da experiência consciente. Diferentemente de hipóteses que meramente invocam uma correlação entre a experiência consciente e esta ou aquela estrutura ou grupo de neurônios, a hipótese do núcleo dinâmico aponta para as propriedades gerais da experiência consciente por meio da relação destas propriedades à processos neurais específicos que podem originá-las.

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As evidências apresentadas até agora sugerem que para sustentar a experiência consciente, a atividade de populações distribuídas de neurônios deve ser integrada por interações neurais fortes e rápidas. Nós também mostramos que processos neurais subjacentes à experiência consciente devem ser suficientemente diferenciados, como indicado pela perda de consciência quando a atividade neural é globalmente homogênea ou hiper-sincronizada, como é o caso durante sonos de ondas lentas ou epilepsia generalizada.
Finalmente, nós temos notado que cada tarefa consciente parece necessitar da ativação ou da desativação de muitas regiões do cérebro. Estas regiões geralmente incluem porções do sistema tálamo-cortical, embora elas não se limitem necessariamente a ele. O problema que consideramos agora é se os processos neurais subjacentes à experiência consciente se estendem pela maior parte do cérebro de alguma forma não específica ou são restritos à um subgrupo particular de neurônios de forma que devamos questionar o que há de especial neste subgrupo.


Quanto do cérebro é necessário para um pensamento?

Depois de rever a vasta literatura fisiológica de seu tempo, William James concluiu que ainda não havia evidência para restringir a correlação neural da consciência à qualquer coisa menos que todo o cérebro. Desde os dias de James, contudo, os cientistas descobriram que apenas uma certa porção da atividade neural do cérebro contribui diretamente para a consciência - como levantado por experimentos com estimulação e lesões - ou está diretamente correlacionado com aspectos da experiência consciente - como levantado por estudos de registro da atividade neural.
Com base nos estudos de lesões e estimulações, nós temos confiança que, por exemplo, a atividade de certas regiões do cérebro, tais como o córtex cerebral e o tálamo, é mais importante que a atividade de outras regiões. Mais ainda, existe uma razão para acreditar que uma porção substancial da atividade neural, mesmo do córtex cerebral, não se relaciona com aquilo de que uma pessoa está ciente. Esta falta de relação é indicada por estudos recentes da rivalidade binocular, neste caso. Como discutido previamente, se duas imagens incongruentes, tais como linhas verticais e horizontais, são apresentadas simultaneamente para cada olho, a pessoa irá perceber apenas uma imagem de cada vez, com uma alternação de alguns poucos segundos na dominação perceptual - a imagem da qual a pessoa está consciente.
Estudos registrando a atividade neural em macacos têm revelando que uma grande proporção dos neurônios no córtex visual primário e em outros estágios primários do sistema visual continuam disparando para o seu estímulo preferencial mesmo quando o estímulo não é mais percebido conscientemente. Nas áreas visuais superiores, contudo, a maioria dos neurônios dispara em resposta à percepção. No estudo de MEG (magnetencefalografia) sobre a rivalidade em humanos descrito no capítulo 5, nós descobrimos que mesmo quando o sujeito não estava consciente de um estímulo, respostas constantes na freqüência na qual o estímulo estava sendo apresentado podiam ser registradas em muitas regiões do cérebro, incluindo o córtex frontal. Contudo, as respostas de apenas um pequeno subconjunto de regiões do cérebro estavam, de fato, relacionadas com a percepção consciente de um estímulo.
Estudos dos registros também demonstraram que a atividade de muitos neurônios nos caminhos sensores e motores podem ser relacionados com a rápida variação de detalhes de um input sensitivo ou de um output motor mas não parecem mapear a experiência consciente. Por exemplo, padrões de atividade neural na retina e em outras estruturas visuais anteriores estão em um constante fluxo e respondem mais ou menos fracamente à detalhes espaciais e temporais de inputs visuais que mudam rapidamente. Contudo, uma cena visual consciente é consideravelmente mais estável, e irá lidar com propriedades de objetos que são invariáveis durante as mudanças de posição ou iluminação, propriedades que são facilmente reconhecidas e manipuladas. Por exemplo, quando nós vemos um passarinho batendo suas asas, nós podemos reconhecer e compreender isso, independentemente dele estar contra o céu ensolarado ou nas copas das árvores, distante ou próximo, ou virado de frente ou de costas para nós. E também, muitas das evidências indicam que durante cada fixação visual, nós extraímos o significado ou sentido de uma cena, ao invés de seus inumeráveis e inconstantes detalhes locais. Nós certamente não podemos descrever a posição precisa das asas durante o vôo do pássaro. De fato, nós somos surpreendentemente cegos ou inconscientes à mudanças consideráveis em uma cena visual enquanto seu significado ou sentido não for alterado. Ao ler um texto, por exemplo, nós geralmente não nos damos conta do tipo de caractere usado a não ser que este seja exótico ou quando nós temos a tarefa específica de reconhecê-lo. Estes aspectos mais invariáveis de uma cena são aqueles que aparentam ser realmente importantes e informativos sobre ela e podem favoravelmente controlar o comportamento e o planejamento. Assim, padrões de atividade que mudam rapidamente na retina e em outras porções mais anteriores das estruturas visuais parecem contribuir para a percepção visual consciente afetando a resposta das áreas superiores indiretamente, ao invés de diretamente. A evidencia neurológica parece concordar com estas observações. Em adultos, lesões na retina causam a cegueira, mas elas não eliminam a possibilidade de experiencias visuais conscientes, como evidenciado pela persistência do imaginário visual, memórias visuais e sonhos visuais. Por outro lado, lesões em certas áreas visuais corticais podem eliminar todos os aspectos visuais da percepção e do sonho.
Outra indicação que uma proporção significante da atividade neural ocorre sem estar diretamente contribuindo para a experiência consciente vem da consideração de tarefas cognitivas que são altamente praticadas, como visto no capítulo 5. Muito da nossa vida cognitiva adulta é produto de rotinas altamente automatizadas que tornam possível a fala, escuta, leitura, escrita, etc, de forma tão rápida e sem maiores esforços. Processos neurais dedicados à carregar tais rotinas não contribuem diretamente à experiência consciente, embora eles sejam essenciais para determinar seu conteúdo. Por exemplo, quando nós queremos expressar uma certa idéia, tais rotinas garantem que em geral as palavras apropriadas irão vir à mente sem qualquer esforço explícito da consciência. Como nós mencionamos, alguma evidência indica que os circuitos neurais que realizam tais rotinas neurais altamente praticadas podem se tornar funcionalmente isolados. Como nós discutimos no capítulo 14, estes circuitos não são integrados com mais processos neurais distribuídos exceto nos estágios de input e de output.
Similarmente, eventos neurais que são muito fracos para participar nas interações sustentadas e distribuídas também são pouco prováveis de contribuir para a experiencia consciente. Uma atividade neural que é suficiente para disparar uma resposta comportamental mas que é insuficiente em sua força ou duração para afetar um processo neural distribuído pode ser responsável por muitos exemplos de percepção sem consciência. Experimentos envolvendo a estimulação direta ou indireta de áreas corticais também sugerem a existência de limites significantes à velocidade e amplitude das interações distribuídas no cérebro. Muitas regiões do cérebro podem ser rapidamente estimuladas ou lesionadas sem produzir efeitos funcionais diretos ou imediatos em outras regiões, ainda que existam presentes caminhos anatômicos ligando tais estruturas. Da mesma forma, o lesionamento ou a estimulação destas regiões não possui conseqüências diretas para a experiencia consciente. Estas observações sugerem que as mudanças transientes na atividade de tais regiões são funcionalmente isoladas daquelas de outras partes do cérebro, pelo menos por um curto período.
Finalmente, estudos de modelagem indicam que embora a pura conectividade anatômica do cérebro possa indicar que tudo pode interagir com todo o resto, vários fatores garantem que a emergência de interações rápidas e efetivas não é um fenômeno global. A organização da conectividade anatômica de certos sistemas cerebrais, tais como o sistema tálamo-cortical, é muito mais efetiva em gerar estados dinâmicos coerentes do que as de outras regiões, tais como as do cerebelo. Tais estudos também sugerem que a despeito da continuidade da conectividade anatômica do córtex, interações não-lineares entre grupos de neurônios que ocorrer devido, por exemplo, a ativação das chamadas conexões dependentes de voltagem, podem transitoriamente aumentar a força com que as interações entre um subconjunto de grupos, levando à formação de limites funcionais distintos. Mais ainda, estes estudos de modelagem também sugerem que embora todos os elementos do cérebro são provavelmente interativos funcionalmente durante uma escala de tempo suficientemente longa, apenas certas interações são rápidas e fortes o suficiente para levar a formação de um agrupamento funcional em apenas alguns poucos milissegundos (ver capítulo 10).


A HIPÓTESE DO NÚCLEO DINÂMICO

Quando consideradas em conjunto, estas observações apóiam a conclusão de que em qualquer momento, apenas um subconjunto de grupos neuronais no cérebro humano - embora não um pequeno subconjunto - contribui diretamente para a experiência consciente. Esta conclusão, por sua vez, dá margem a uma questão que sintetiza todo problema da base neural da consciência - uma questão que é tão simples de formular quanto é difícil de responder. O que, se algo, é especial sobre estes grupos neuronais, e como eles devem ser identificados?
Criar a base para uma resposta adequada para esta questão tem sido nosso principal objetivo em boa parte deste livro. Como nós temos argumentado, assumindo que algumas propriedades locais de neurônios possam ser, mais cedo ou mais tarde, tidas como a chave para o mistério da consciência é inteiramente insatisfatório. Como seria possível, tendo uma localização específica no cérebro disparando de um modo particular ou em uma freqüência particular, estando conectada à alguns outros neurônios, ou expressando um composto químico em particular ou mesmo um gene, dar a um neurônio a distinta propriedade de dar início à experiência consciente? Os problemas lógicos e filosóficos desta hipótese, associados com tais pressupostos, são bastante óbvios, como tanto os filósofos e os cientistas têm notado tantas vezes. A consciência não é nem uma "coisa" e tampouco uma simples propriedade.
Ao invés disso, nossa abordagem tem sido a de focalizar em certas propriedades fundamentais da experiência consciente - propriedades tais como a integração e a diferenciação - e explicá-las em termos de processos neurais. As discussões prévias amplamente indicam que a integração e a diferenciação são, de fato, características fundamentais da consciência, sendo que elas só podem ser explicadas por um processo neural distribuído, ao invés de propriedades locais específicas de neurônios. Podemos formular a hipótese que afirma explicitamente que há algo de especial nestes subconjuntos de grupos neuronais que sustentam a experiência consciente, ou de que estes podem ser identificados? Nós acreditamos estar agora na posição de assim fazê-lo, e de fato o faremos concisamente. A hipótese afirma que:
1. Um grupo de neurônios pode contribuir diretamente para a experiência consciente apenas se for parte de um agrupamento funcional maior distribuído que, por meio de interações reentrantes no sistema tálamo-cortical, atinge uma alta integração em centenas deles para enfatizar tanto sua integração e sua composição em constante mudança. Um núcleo dinâmico é, portanto, um processo, não uma coisa ou lugar, e é definido em termos de interações neurais, ao invés de em termos de localizações, conectividades ou atividades neurais específicas. Embora um núcleo dinâmico venha a ter uma extensão espacial, esta é, em geral, espacialmente distribuída, assim como também é mutante em sua composição e, portanto, não pode ser localizada em uma única parte do cérebro. Mais além, mesmo se um agrupamento funcional com tais propriedades for identificado, nós prevemos que ele será associado com a experiência consciente apenas se as interações reentrantes com este sejam suficientemente diferenciadas, como indicado por sua complexidade.
Enquanto prevemos que um agrupamento funcional maior de complexidade alta o suficiente possa ser gerado por meio de interações reentrantes entre os grupos neuronais distribuídos, em especial entre o sistema tálamo-cortical e possivelmente entre outras regiões do cérebro, tal agrupamento não é nem coextensivo com todo o cérebro, nem restrito à qualquer subgrupo especial de neurônios. Assim, o termo núcleo dinâmico é deliberadamente não relacionado a um único e invariante conjunto de áreas no cérebro (quer seja o córtex pré-frontal, extra-estriado ou estriado), e o núcleo pode mudar na sua composição durante o decorrer do tempo. Uma vez que nossa hipótese destaca o papel das interações funcionais entre grupos distribuídos de neurônios, ao invés de suas propriedades locais, ela considera que o mesmo grupo de neurônios pode, as vezes, ser parte de um núcleo dinâmico e delinear a experiência consciente, mas em outros momentos poderá não tomar parte nela e, portanto, estar envolvido em processos inconscientes. Além disso, uma vez que a participação no núcleo dinâmico depende da rápida modificação da conectividade funcional entre os grupos de neurônios, mais do que a proximidade anatômica, o núcleo pode transcender os limites anatômicos tradicionais. Por fim, como sugerido pelo estudo de imagens, a composição exata do núcleo que relaciona-se com os estados específicos de consciência deve variar significativamente de pessoa para pessoa.

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Esta é a minha tradução da resenha Dynamic Core
Hypotesis, de Edelmann.
Original disponível em:
http://www.uboeschenstein.ch/sal/awtexte/edelmann138.html

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