quarta-feira, 14 de maio de 2008

Uma solução quasi-materialista, quasi-dualista para o problema mente-corpo

UMA SOLUÇÃO QUASI-MATERIALISTA, QUASI-DUALISTA PARA O PROBLEMA MENTE-CORPO

John-Michael Kuczynski
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade da Califórnia, Santa Barbara.

Resumo

Se o mental pode afetar ou ser afetado pelo físico, então o mental deve ser ele mesmo físico. Se não fosse assim, as explicações do mundo físico não poderiam ser fechadas — e elas são fechadas. Há razões para se pensar que o materialismo é falso, tanto em suas versões redutivistas quanto nas não redutivistas. Mas como explicar então a aparente sensibilidade do físico ao mental e do mental ao físico? A única solução possível parece ser a seguinte: objetos físicos são na realidade projeções ou isomorfos de objetos cujas propriedades essenciais são mentais. Um modo um pouco menos preciso de apresentar essa tese é o de dizer que propriedades constitutivas, i.e. não estruturais e não fenomenais, de objetos físicos são mentais, i.e. são propriedades tais as que habitualmente encontramos apenas por introspecção". A cadeira, na medida em que a conheço através da percepção sensorial e de hipóteses estritamente baseadas na percepção, é um tipo de sombra de um objeto que é exatamente como ela, com a única diferença de suas propriedades essenciais serem mentais. Esse raciocínio, embora radicalmente contra-intuitivo, explica a aparente sensibilidade do mental ao físico e inversamente, sem se expor às críticas feitas ao materialismo, ao interacionismo dualista e ao epifenomenalismo.

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Artigo na íntegra, em inglês, em:
http://www.scielo.br/pdf/kr/v45n109/v45n109a05.pdf

Comentários:
O autor trabalha em cima dos seguintes argumentos:
1. O mundo mental e o mundo físico são causualmente tão integrados que parecem ser idênticos.
2. Sendo a mente causualmente responsável pela matéria e a matéria causualmente responsável pela mente;
3. E sendo o mundo físico é causualmente fechado: qualquer causa para um evento físico precisa, necessariamente, ser outro evento físico;
4. Então, a mente deve ser algum tipo de matéria.
E leva em consideração que, ao mesmo tempo, nada no mundo físico, em particular no cérebro, parece ser capaz de revelar a mente.
"Quando você olha para o cérebro, você vê um tecido bege (ou células, ou moléculas - dependendo de como você está olhando para o cérebro): você não vê idéias, sentimentos, intenções; e você não vê nada que precise ser explicado nestes termos." Isso tudo é bastante evidente, um pedaço de tecido nervoso é apenas um pedaço de tecido nervoso, especialmente se já não estiver mais vivo.
Então o autor parte para um novo nível de reducionismo no estudo do cérebro: "De maneira bastante simplificada, se nós fôssemos pequenos o bastante, ou se as entidades teóricas anteriormente mencionadas fossem grandes o bastante, nós poderíamos ver o movimento molecular [...]" e conclui dizendo que mesmo isso não é nem remotamente possível no caso de uma idéia ou de um pensamento ou de um sentimento. Para o autor, tais coisas são identificáveis com estados-cerebrais, mas não acredita que um modelo com tais constituintes exibiria as propriedades características da mente.
"Mas nós podemos dizer que, vamos supor, dor é a estimulação da fibra 'c', mas não podemos, se formos sãos, dizer que, se fôssemos pequenos o suficiente (ou houvesse um cérebro grande o suficiente), nós iriamos ver a dor enquanto caminhamos pelo interior do cérebro. E o mesmo é verdadeiro para qualquer estado mental."
Então o autor se encontra "entre a cruz e a espada": se aceitar o dualismo, entendendo mente e corpo como coisas distintas, torna-se difícil apontar para as causas óbvias integradoras da mente e do corpo. Mas se aceitar o materialismo, entendendo mente e corpo como uma coisa só, aparentemente a explicação se perde do domínio físico, introduzindo ao mundo físico algo que resiste às explicações físicas.
Como ele, o autor, pretende desatar este nó? Partindo da filosofia de Russell, ele sugere que se suponha que as qualidades que compõem os eventos físicos sejam mentais.
Com isso em mente, o autor discorre sobre uma possível abordagem estrutural que faça o intermédio entre as propriedades físicas e as qualidades mentais.
Toda a argumentação do artigo está muito boa, mas ainda acho que o autor deixou passar algo crucial logo no início ao explorar as possibilidades físicas de explanação da mente: mais do que apenas moléculas, células e estruturas, existe atividade entre essas moléculas, células e estruturas, atividade que diferencia um organismo vivo de um organismo morte e de um organismo inanimado. Esta atividade pode ser explicada em termos físicos e químicos, assim como a combustão (gosto da analogia da combustão por seus paralelos com o metabolismo).
Durante toda a descrição, me pareceu que o autor estava considerando apenas um cérebro inanimado ou de um organismo morto. Acho que é possível criar uma explicação melhor para a mente, para os estados mentais e para as qualidades da mente, partindo da interação de estruturas cerebrais e suas atividades enquanto conjunto, circuitos, de onde emerge a complexidade da consciência.
Outras críticas que eu faria são (1) quanto o reducionismo: o estudo cerebral deve ser reduzido ao nível molecular apenas no estudo da atividade inter-sináptica e intracelular, no tocante ao papel dos hormônios que afetam essa atividade; (2) quanto a causalidade da matéria partindo da mente, que não procede, a matéria, o mundo e o real continuam existindo, independente da mente de um observador para tanto. No demais, acredito que o estudo deva partir do celular, neuronal, para estruturas, circuitos e conjuntos.
Desta maneira, continuo achando este artigo excelente enquanto exploração filosófica da mente e da consciência, e um exemplo do poder da lógica filosófica para elaborar uma argumentação forte e sustentá-la, mas o autor deveria ter se detido mais na exploração do mundo físico tendo em consideração as interações que ocorrem ao nível de reducionismo celular, mais do que ao nível de reducionismo molecular... Ah, e é claro, quanto a dor, não acredito que veríamos a percepção de dor e suas qualidades subjetivas observando apenas o comportamento de uma célula, mas de todo um conjunto de estruturas ligadas por circuitos, desde aquelas que dão a dor a perceber, até aquelas que interpretam o que está se passando, no contexto em que a pessoa está. No fim, penso que está tudo na mente, enquanto esta está viva e em interação com o ambiente.

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