quarta-feira, 14 de maio de 2008

Recortes: Um Universo de Consciência

Gerald M. Edelmann
Um Universo de Consciência
Basic 2000
pg. 16 (vgl. Zitate Sherrington/Russell pg. 10)

O QUE PRECISA SER EXPLICADO

O neurocientista Charles Sherrington e o filósofo Bertrand Russell, em uma ilustração vívida para o problema da consciência, recorreram ao mesmo exemplo: um faixo de luz entra pelo olho, dá início a uma série de passos elétricos e químicos, e finalmente produz efeitos no topo do cérebro. Mas agora, como Sherrington notou, "ocorre uma mudança totalmente inexplicável e inesperada": cada um de nós conscientemente vê a luz. Este ver é de algum modo subjetivo, totalmente diferente dos processos físicos objetivos que o precedem e o acompanham. Isto, em suma, é o problema especial da consciência; o nó do mundo.
As vezes, a melhor maneira de solucionar um problema é simplesmente fazer a pergunta certa. E as vezes, a melhor maneira de fazer a pergunta certa vem com um exemplo que torna mais explícito o problema. Vamos seguir as pistas de Sherrington e Russel e considerar um dispositivo físico simples, tal como um fotodiodo, que pode diferenciar claridade e escuridão e prover uma resposta audível.
Vamos considerar um ser humano consciente realizando a mesma tarefa e então dando uma resposta verbal. O problema da consciência pode agora ser exposto em termos elementares: por qual motivo deveria a simples diferenciação entre claridade e escuridão realizada pelo ser humano ser associada com e, de fato necessitar da, experiência consciente, enquanto aquela realizada pelo fotodiodo presumivelmente não? Ou considere que um termostato que pode diferenciar entre quente e frio. Por que deveria o termostato permanecer um dispositivo físico simples e sem graça, incapaz de gerar qualquer qualidade subjetiva ou fenomenológica, enquanto nós, quando realizamos a mesma função, nos tornamos conscientes do frio ou do calor ou, possivelmente, até da dor?
Quando considerado em termos neurais, este problema adquire uma qualidade ainda mais intrigante e paradoxal. Por que deveria a atividade de certas células nervosas, ou neurônios, no cérebro, correlacionar-se com a sucessão de estados privados fenomenológicos que chamamos de experiência consciente, enquanto os outros neurônios são privados de tal propriedade notável? Por exemplo, por que a atividade dos neurônios na retina, que diferenciam entre claridade e escuridão, não esta diretamente associada com a experiência consciente, enquanto a atividade daqueles certos neurônios mais posteriores, no sistema visual, aparentemente está? Ou por que é que nós somos conscientes de quando estamos com frio ou calor, mas nós não somos diretamente conscientes de que se nossa pressão sangüínea está alta ou baixa?
Afinal, existem intricados circuitos neurais que são responsáveis por regular a pressão do sangue, da mesma forma que existem circuitos neurais que são responsáveis por regular a temperatura do corpo. Mais geralmente, por que deveria a mera localização do cérebro, ou a posse de uma característica anatômica ou bioquímica em particular, fazer com que a atividade de certos neurônios seja tão privilegiada a ponto de subitamente imbuir o detentor daquele cérebro com a qualidade da experiência subjetiva, com suas propriedades elusivas que os filósofos chamam de qualia? Este é o problema central da experiência consciente.
[...]
Muitos neurocientistas têm enfatizado estruturas neurais específicas cuja atividade se relaciona com a experiência consciente. Não é surpresa que diferentes neurocientistas acabam favorecendo diferentes estruturas. Como iremos ver em várias ocasiões, é provável que o funcionamento de cada estrutura pode contribuir para a consciência, mas é um engano tentar apontar para localizações em especial no cérebro ou entender que propriedades intrínsecas de determinados neurônios irão, por si só, explicar o porquê de sua atividade contribuir ou não contribuir para a experiência consciente.
Tal expectativa é um exemplo clássico de erro de categorização, no sentido específico de imputar às coisas propriedades que estas não podem ter. Nós acreditamos, em vez disso, que o que é crucial é concentrar-se nos processos, não apenas nas áreas do cérebro, que dão suporte à consciência e, mais especificamente, em focalizar aqueles processos neurais que podem, de fato, serem responsabilizados pelas propriedades mais fundamentais da consciência.

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Esta é a minha tradução da resenha A Universe of
Consciousness, de Edelmann.
Original disponível em:
http://www.uboeschenstein.ch/sal/awtexte/edelmann16.html

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