terça-feira, 26 de agosto de 2008

Determinismo e a Mente

Determinismo é a proposição filosófica de que todo evento, incluindo a cognição, o comportamento, as decisões e as ações humanas, é determinado causualmente por uma cadeia inquebrável de ocorrências anteriores.
É um erro comum assumir que o determinismo necessariamente afirma que a humanidade ou que os indivíduos humanos não possuam influência alguma sobre o futuro e seus eventos (uma posição conhecida como fatalismo); contudo, os deterministas acreditam que o nível no qual os seres humanos terão influência sobre seus futuros é dependente, por si, do presente e do passado. O determinismo causal é associado e dependente das idéias do materialismo e da causalidade.
O materialismo afirma que a única coisa que pode realmente ter sua existência comprovada é a matéria (e suas diferentes formas ou estados), e é considerado uma forma de fisicalismo.
O fisicalismo defende que tudo aquilo que existe não se estende além dos limites de suas propriedades físicas; ou seja, não existem coisas outras que não sejam as materiais. O fisicalismo é uma forma de monismo, a visão de que todas as coisas podem ser classificadas como uma única substância, em uma única categoria de existência.

Monismo -> Fisicalismo -> Materialismo -> Determinismo

Para o materialismo, todas as coisas são compostas de matéria e todos os fenômenos (inclusive a consciência) são resultantes de interações materiais. Matéria é a única substância na visão do materialismo.
Segundo o determinismo causal (ou nomológico), os eventos futuros são determinados pelos eventos passados e presentes em conjunção com as leis da natureza. Daí o predicado da suposição científica de que todos os eventos possuem uma causa e um efeito e de que a combinação precisa de eventos em um momento específico irá ter um resultado em particular, estando esta suposição diretamente relacionada com a previsibilidade. A falta de previsibilidade em um evento não está relacionada à uma falha no determinismo, mas sim à ausência de informações suficientes ou ao excesso de complexabilidade.
Assim, o determinismo associa-se à física newtoniana, segundo a qual a matéria do universo opera conforme um conjunto fixo de leis que podem ser conhecidas. Conforme a física newtoniana, uma vez que se tornem conhecidas as condições iniciais de um evento, o resto da história irá se desenrolar de forma inevitável. Se fosse possível obter total e completo conhecimento sobre a matéria e todas as leis que regem a matéria a todo momento, seria possível computar o momento e o local onde cada evento já ocorreu e onde cada evento irá ocorrer.
Nos níveis de interação da escala humana (relativos aos fenômenos conforme percebemos, sentimos e operamos em nossa forma orgânica), a mecânica newtoniana é capaz de fazer previsões bastante acuradas. Erros são causados pela dependência no conhecimento das condições iniciais, sendo que pequenos erros em tal conhecimento podem resultar em desvios grandes em relação ao objetivo previsto.
Da mesma forma que em relação à física newtoniana, o determinismo associa-se à biologia. Conhecendo o funcionamento dos mecanismos genéticos de um organismo será possível prever como este irá desenvolver-se em dadas condições ambientais. Conhecendo os mecanismos metabólicos dos organismos, é possível prever como este irá reagir à introdução de diferentes substâncias em seus sistemas.
Se fosse possível conhecer todas as leis que regem a genética humana, assim como todas as regras de seus mecanismos biológicos desde o nível intracelular, e todas as variáveis ambientais ou experiências mundanas pelas quais um determinado indivíduo irá passar, seria possível fazer previsões acuradas sobre seu comportamento, desenvolvimento e personalidade.
Algumas pessoas argumentam que o materialismo não é capaz de apresentar um entendimento completo a respeito do universo pois, enquanto é capaz de descrever determinadas interações entre coisas materiais, ele ignora os conceitos de mente e de alma de seres dotados de consciência.
A respeito de alma, não vou nem mesmo entrar no assunto, pois considero completamente inútil e perda de tempo falar sobre uma coisa que simplesmente não é causa e nem efeito sobre a realidade. Alma é apenas um conceito criado pela religião, um mecanismo fictício de coerção que só oprime aqueles que nela acreditam: "Fulano se comporta dessa ou daquela maneira por medo de ir para o inferno (perde sua alma), e não por acreditar racionalmente que esta ou aquela maneira é a melhor conduta que ele possa tomar."
Quanto a mente, acredito nela como resultado da complexidade do organismo em relação à riqueza do ambiente. Nem por isso a vejo como uma substância imaterial. A mente, e todo seu conteúdo, é resultado de interações entre as diversas estruturas do sistema nervoso e destas com o ambiente. As idéias, a linguagem, as memórias e os sentimentos também possuem bases biológicas que já estão sendo desvendadas e cada vez tornar-se-ão mais claras a medida que a ciência progride.
Sabemos que é possível eliciar memórias de pessoas, em pessoas, por estimulação direta de algumas estruturas cerebrais, localizadas na altura da ínsula do córtex. A subjetividade, neste caso, está no fato de que não será eliciada a memória de uma pessoa 'A' em uma pessoa 'B', se a pessoa 'B' jamais viu ou tomou conhecimento a respeito da pessoa 'A'.
Sabemos o quanto é importante o hipocampo para a fixação de novas lembranças, assim como a importância do lobo frontal na tomada de decisões e no planejamento, assim como o papel da amígdala no controle emocional e, por conseguinte, sua interação junto ao lobo frontal na tomada de decisões.
Sabemos do papel das áreas de Wernicke e de Broca, assim como do córtex auditivo, na aquisição e domínio da linguagem. Sabemos da importância do corpo caloso na comunicação dos hemisférios cerebrais.
Desta forma, a consciência nada mais é do que o resultado da interação destas diferentes estruturas em face aos inputs externos.
Proponho o seguinte exercício de imaginação: um cirurgião, por algum motivo qualquer, vivissecta o córtex visual de um paciente, mantendo a irrigação sangüínea do mesmo, de forma que, enquanto o córtex visual estivesse separado das demais estruturas do sistema nervoso, permaneceria recebendo os nutrientes necessários à sua manutenção e permaneceria ligado ao aparelho visual. Seria este córtex visual, separado do restante do sistema nervoso, dotado de consciência? Seria o indivíduo portador desta configuração, cego ou não? Acredito que, assim como alguém que tem o córtex visual danificado, esta pessoa diria estar cega, incapacitada de visualizar o mundo; ainda que as estruturas das quais dependem a sua visão estivessem funcionando.
Retornando ao comportamento em relação ao determinismo, estados mentais, assim como a vontade e o arbítrio, são - na maneira como vejo as coisas - estados materiais, logo o comportamento humano e as decisões do indivíduo são completamente determinadas. De fato, não vejo como as pessoas possam determinar-se por si mesmas quanto ao que fazem - as pessoas não são livres.
Existe a posição compatibilística do determinismo, segundo a qual as pessoas são determinadas por leis naturais e, ao mesmo tempo, são capazes de tomar decisões próprias. Dois defensores desta posição são David Hume e Daniel Dennett.
Para os compatibilistas, um ato de livre-vontade é um ato no qual o agente (ou indivíduo, ou organismo) poderia ter tomado outro curso de ação caso houvesse assim escolhido. Um exemplo simples de tal visão seria: Fulano está sentido fome e vai a cozinha. Na cozinha ele abre a geladeira e encontra geléia de morango e mamão em fatias. Fulano escolhe a geléia de morangos e sacia sua fome.
Agora eu pergunto: será que o Fulano poderia ter escolhido o mamão ao invés da geléia de morangos?
No relato não havia nenhum impedimento explícito para tanto. Mas então eu pergunto: por qual motivo Fulano escolheu geléia de morango?
A resposta pode ser que ele estava com vontade de comer algo doce, ou que Fulano adora morangos, ou ainda que ele não gosta muito de mamão, etc... Caso qualquer uma destas justificativas se aplicasse ao relato, digamos que a justificativa de que ele estivesse com vontade de comer algo doce fosse o caso, eu torno a fazer a pergunta: Poderia Fulano ter escolhido o mamão, sabendo agora que ele estava com vontade de comer algo doce?
Se fosse o caso dele escolher entre dois doces, como geléia de morango ou geléia de uva, o mesmo ainda seria aplicável. Quer ele tivesse escolhido geléia de morando ou geléia de uva, por gostar mais de uma ou de outra, ou por estar com mais vontade de uma ou de outra, a causa determina o efeito. E, em relação ao caso de "ter mais vontade" disso ou daquilo, basta perguntar novamente: por qual motivo? Sempre vai haver um motivo, e havendo um motivo o curso de ação já está traçado.
É claro que este é um exemplo extremamente simples, no tocante ao comportamento humano as motivações são as mais diversas, em diferentes ordens de intensidade, estão relacionadas à atenção, à saúde geral do organismo, etc. Mas nem por isso deixam de ser determinadas e sujeitas à investigação.
Se nossa vontade não for determinada por alguma coisa, então nossos desejos e aspirações são produto de mero acaso, ou seja, são aleatórias. E aleatórias seriam nossas ações.
Na natureza conhecida, dentro da escala humana das coisas, existem dois tipos de ações: aquelas que são determinadas por leis naturais, e aquelas que chamamos de aleatórias por nossa incapacidade de lidar com a complexidade das informações ou pela falta de informações suficientes a respeito. Existe outro tipo de ação que possa ser concebido, que não seja nem determinado, nem aleatório?
Posso, lingüisticamente, dizer: Eu fiz isso por este motivo (vontade/necessidade/etc); da mesma forma posso dizer: Eu fiz isso por acaso (sem querer/aleatoriamente/etc); Mas é possível encontrar outra forma de descrever uma ação? Acredito que não. Por isso não vejo como o compatibilismo possa ser lógico.
Ainda sobre a mente, é importante o conceito de Self, ou o "Eu". O conceito de Self enquanto um núcleo essencial e imutável da personalidade do indivíduo, deriva da idéia de uma alma imaterial - idéia que, para os propósitos da ciência, eu refuto. Acredito no self como um núcleo material e inconstante por sua própria natureza: quando dizemos que o aprendizado só termina com a morte (psicologia da aprendizagem), ou que estamos constantemente sendo condicionados (teoria comportamental), já estamos explicitando a idéia de que o Self não pode ser completamente fixo. Se a mente é o resultado da soma total dos estados intersinápticos, idéia defendida por Joseph LeDoux e conclusão a qual cheguei antes mesmo de ter conhecimento do trabalho dele, o Self se atualiza a uma razão de mil ciclos por segundo, a medida que os padrões sinápticos mudam. O que não quer dizer que a personalidade seja completamente instável, uma vez que as modificações nas conexões sinápticas são dependentes de mecanismos genéticos de metabolismo e síntese de proteínas, e que nosso cérebro é capaz de codificar informação de forma mais ou menos sintética e estável.
Quanto a liberdade, esta existe, mais como uma força de expressão, na medida que somos capazes de conhecer nosso próprio organismo e ter consciência de nossos hábitos se estes são saudáveis ou não e conhecer nosso próprio meio e aquilo que nos causa estresse e as coisas que nos condicionam. Quanto mais informações detivermos, mais deterministicamente salutares e apropriadas serão nossas ações para conosco e para com os outros.

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E nada disso torna a vida menos engraçada ou alegre... No meu decurso determinístico de hoje eu traduzi um poema, ouvi algumas boas músicas no youtube, escrevi este texto e logo mais vou para aula ter alguns bons momentos com meus colegas. (:

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Da comunidade Materialismo, no Orkut:

Desta vida nada se leva,
Só se deixa
Então, te deixo o meu melhor...
Meu melhor sorriso,
Meu maior abraço,
Minha melhor história,
Minha melhor intenção,
Toda minha compreensão
E do meu amor, a maior porção
Só quero ficar na memória de alguém
como outro alguém que era do bem!
Com carinho, Cintia.

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