quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O orgulho de fazer Psicologia

Boletim do CFP (Conselho Federal de Psicologia) recebido hoje por e-mail:

Resposta do CFP à notícia intitulada "PF apela à psicologia para algemar"

Falando Sério: Nenhuma forma de Violência vale a pena

Em matéria intitulada “PF apela à psicologia para algemar” publicada no jornal O Estado de São Paulo de 14 de setembro último, lemos o depoimento de duas psicólogas, pertencentes aos quadros da Polícia Federal, onde afirmam ser justificado o ato de algemar, indiscriminadamente, cidadãos que recebem voz de prisão por agentes da PF. Em que pese o lugar de onde opinam as profissionais- elas próprias parte da corporação policial em pauta- suas idéias e concepções não coincidem com os princípios que orientam hoje o debate da psicologia brasileira em torno do tema da justiça, segurança pública e defesa dos direitos humanos. O Sistema Conselhos de Psicologia (Conselho Federal e Conselhos Regionais) estão próximos de realizar o II seminário sobre o sistema prisional brasileiro e o papel dos psicólogos. Na pauta desse seminário apontamos claramente para a tarefa urgente de tratarmos as políticas criminal, penitenciária e de segurança pública brasileiras como caso de calamidade pública merecendo a preocupação de toda a sociedade. Em nossos cárceres imundos mantemos cerca de meio milhão de seres humanos, preponderantemente jovens e miseráveis, muitos deles sem sentença condenatória e passando por todo tipo de violação de direitos. A violência do Estado, muitas vezes legitimada pela mídia, torna-se recurso natural nas ações de repressão aos atos infracionais.

Ora, algemar sob o argumento de que o estresse torna os sujeitos humanos imprevisíveis é generalizar os fenômenos psicológicos, banalizando sua complexidade. Isso pode acabar por justificar a transformação de uma ação de prevenção em ato de ostentação de força e violência onde o sujeito abordado pode tornar-se vítima de humilhação social. Esse efetivamente não deve ser o papel da PF que tem demonstrado seriedade e cautela nas operações que todos acompanhamos nos últimos tempos. O uso da violência desqualifica sua conduta profissional, perdendo credibilidade social e o respeito dos cidadãos que acreditam nos princípios democráticos.
O Conselho Federal de Psicologia, em sintonia com a campanha das Comissões de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia, acredita que NENHUMA FORMA DE VIOLÊNCIA VALE A PENA.

Humberto Verona
Presidente do CFP

Fonte: Boletim CFP via e-mail / notícias 17.09.2008

"Vous tenez à l’exemple [de la peine de mort].
Pourquoi? Pour ce qu’il enseigne. Que voulez-vous
enseigner avec votre exemple? Qu’il ne faut pas tuer.
Et comment enseignez-vous qu’il ne
faut pas tuer? En tuant.
"

"Você insiste no exemplo [da pena de morte].
Por quê? Porque queres ensinar. O que queres ensinar
com teu exemplo? Que não deves matar.
E como você ensina que não
se deve matar? Matando."

Victor Hugo


No Brasil é comum ligar a televisão e ouvir algum comentarista de telejornal incitando a população a exigir penas mais duras, punições mais severas e, não raro, evocando aberrações jurídicas como a prisão perpétua e a pena de morte. A voz do comentarista se transforma na voz do povo que, tomado de raiva - em geral um sentimento alimentado pelas injustiças sociais que sofre dia após dia -, dá novos tons, ainda mais macabros, às idéias irresponsavelmente disseminadas pela mídia.
A vida em um mundo no qual a desigualdade social ainda é a realidade da maioria dos seus habitantes, especialmente em um país que se intitula emergente mas que ainda possui inúmeras feridas - características do terceiro mundo - expostas, já é brutal o suficiente.
A mídia brasileira, ao invés de cumprir com seu papel social de disseminar idéias já estabelecidas de paz, justiça, equilíbrio e harmonia, regozija-se em incitar a violência onde a violência já é lugar comum: o Brasil é o país dos linchamentos (Martins, 1995; 2008).
Não é sem espanto que o brasileiro médio houve falar do caráter ressocializador que a pena deveria possuir, uma vez que a idéia vigente para a maioria da população é de que a pena serve apenas para punir. Sob esta ótica, vemos comentários dissonantes: caso um indivíduo torne-se notícia por ter sido preso injustamente, são comentados, pelos populares, os aspectos mais negativos e violentos do sistema pena brasileiro, incluindo as provações físicas e psicológicas subumanas às quais o indivíduo fora submetido; caso um indivíduo torne-se notícia por ser suspeito de um crime que desperte sentimentos fortes na sociedade, os comentários dos populares ressaltam a brandura do sistema penal, muita vezes com argumentos que não correspondem à realidade da grande maioria das instituições penais. E tais sentimentos são inflamados pela mídia, que depois ganha audiência com vídeos de populares, em geral das classes de menor instrução, exibindo comportamento violento nas portas dos fóruns e das delegacias. Comportamento violento e criminoso que fora incitado pela própria mídia - ao meu ver um exemplo bastante claro de apologia ao crime ou, mais além, uma das rachaduras na máscara social, em sua própria inconsistência institucional.

Nenhum comentário: