No artigo que resumi abaixo, mantendo apenas alguns trechos que achei mais interessantes para as discussões neste blog, Victor Stenger fala de uma outra consciência quântica, diferente daquela tratada no artigo de Hameroff e Penrose.
Enquanto a consciência quântica de Hameroff e Penrose é resultado do trabalho de dois cientistas sérios e esforçados - e ainda assim apresenta alguns problemas, como apontado por mim e por outros críticos - a consciência quântica a qual se refere Stenger é fruto das idéias de pessoas que se dizem cientistas mas que agem na contramão da ciência, fazendo pouco do método e da postura científica. Para quem se interessar, vale a pena dar uma lida na íntegra do artigo, no link ao final do post. Stenger é professor de física e refuta de forma bem inteligível muitas das afirmações daqueles que distorcem a mecânica quântica para a encaixar em suas idéias bobas.
Enquanto a consciência quântica de Hameroff e Penrose é resultado do trabalho de dois cientistas sérios e esforçados - e ainda assim apresenta alguns problemas, como apontado por mim e por outros críticos - a consciência quântica a qual se refere Stenger é fruto das idéias de pessoas que se dizem cientistas mas que agem na contramão da ciência, fazendo pouco do método e da postura científica. Para quem se interessar, vale a pena dar uma lida na íntegra do artigo, no link ao final do post. Stenger é professor de física e refuta de forma bem inteligível muitas das afirmações daqueles que distorcem a mecânica quântica para a encaixar em suas idéias bobas.
O mito da consciência quântica
Victor J. Stenger
Publicado no The Humanist, Maio/Junho 1992, Vol. 53, N. 3, p. 13-5.
Um novo mito está encontrando seu caminho dentro do pensamento moderno. A noção é espalhar que os princípios codificados na mecânica quântica implicam um papel central para a mente humana em determinar a natureza do universo. [...]
A assunção feita é que a mecânica quântica tornou inválida a visão materialística e reducionista do universo, introduzida por Newton no século XVII, que foi a base da revolução científica. Agora, o materialismo é substituído por um novo espiritualismo e o reducionismo é jogado de lado por um novo holismo.
O mito da consciência quântica encontra seu lugar entre aqueles cujos egos tornam impossível aceitar o lugar insignificante [no universo] que a ciência percebe para a humanidade enquanto modernos instrumentos vasculham distâncias cada vez maiores no espaço e tempo. Foi ruim o bastante quando Copérnico apontou que nós não estamos no centro do universo. Foi pior ainda quando Darwin anunciou que nós não somos anjos. Mas tornou-se intolerável quando os astrônomos declararam que a Terra é apenas um os muitos outros planetas e os geologistas demonstraram que nossos registros históricos não são mais do que um piscar de olhos no tempo - um microssegundo na existência da Terra.
Num tempo em que a auto-gratificação tem alcançado alturas jamais sonhadas na Roma antiga, onde a auto-estima é mais importante do que ser capaz de ler, e onde a auto-ajuda não requer mais esforço do que assistir a um vídeo, o mito da consciência quântica é justamente o que o psiquiatra [shrink no original] receitou.
Contudo, a consciência quântica é tão substancial quanto o éter que a compõe. Anteriormente, no século XX, a mecânica quântica e a relatividade de Einstein haviam destruído a noção de um universo holístico que parecia ser possível no século IXX. Primeiro, Einstein acabou com o éter, eliminando a doutrina de que todos nós nos movemos dentro um fluído cósmico universal cujas excitações nos conectam simultaneamente uns aos outros e ao resto do universo. Segundo, Einstein e outros físicos provaram que a matéria e a luz são compostas por partículas, acabando com a noção de uma continuidade universal.
A teoria atômica e a mecânica quântica demonstraram que tudo, até o tempo e o espaço, existem em partículas discretas - os quanta. Revirar isso tudo e dizer que a física do século XX iniciou alguma nova visão holística do universo é uma completa distorção daquilo que realmente aconteceu. [...]
Ainda nos dias atuais, apesar da preponderância de evidências, que não estavam disponíveis para o [Isaac] Newton de que a vida é puramente um fenômeno material, as pessoas ainda falam do imaterial, forças vitais como ch'i, ki, prana e energia psíquica que não possuem bases científicas. [...]
Ironicamente, a profunda associação aparente entre a mecânica quântica e a mente é um artefato, a consequência de um linguagem infortúita utilizada por Bohr, Heisenberg e outros que originalmente a formularam. Ao descrever a interação necessária entre o observador e o ato de sua mensuração, eles inadvertidamente deixaram a impressão de que a consciência humana entra na história como causa para que aquele estado aconteça. Isso levou muitos que não entendem de física, mas que gostaram da maneira como foram utilizadas as palavras que a descreviam, à inferir um papel fundamental em um universo que, previamente, não parecia necessitar nem de deuses ou da humanidade.
Se Bohr e Heisenberg houvessem falado de medidas feitas por instrumentos inanimados ao invés de "observadores", talvez a mal fadada relação entre mecânica quântica e a mente não tivesse sido elaborada. Pois, nada na mecânica quântica necessita do envolvimento humano. [...]
É evidente que nossos processos mentais exercem grande influência sobre aquilo que percebemos. Mas dizer que o que percebemos determina, ou mesmo controla, o que está lá fora é algo sem nenhum embasamento racional. O mundo seria um lugar muito diferente para todos nós se dependesse apenas daquilo que está em nossas mentes - se realmente pudéssemos fazer nossa própria realidade, como os proponente da Nova Era acreditam. O fato de que o mundo raramente é o que nós queremos que ele seja é a melhor evidência de que nós temos pouco a argumentar sobre isso. O mito da consciência quântica deve tomar seu lugar entre os deuses, unicórnios, dragões e outros produtos das fantasias de pessoas incapazes de aceitar o que a ciência, a razão e até mesmo seus próprios olhos lhes dizem sobre o mundo.
Link para o original: The myth of quantum consciousness [em html]
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Bom, para quem resolver ler o original em inglês, na íntegra, poderá questionar algumas das afirmações do prof. Stenger, trazendo a tona questões sobre a teoria das supercordas, sobre a ambiguidade de partícula e onda em alguns experimentos, pois foram estas coisas que me vieram em mente na hora que estava lendo os comentários dele. Por outro lado, enquanto estas teorias estão caindo "na boca do povo" - ou seja, do público não-especializado, e eu me incluo neste público pois não tenho formação em física teórica - temos que ter bem claro duas coisas: 1) Enquanto estas teorias são modelos matemáticos fantásticos, produtos de mentes poderosas como a do Stephen Hawkins, nem todas elas são comprovadas empíricamente. Com o tempo, muitas destas teorias serão comprovadas, por exemplo, com o gigantesco acelerador de partículas que construíram na Europa, e é possível que outras falhem ou precisem ser revistas. 2) Sejam verdadeiras ou sejam falsas estas teorias, até que ponto elas afetam o nível de realidade que estamos debatendo? Einsten previu grandes distorções no tempo, como o lance do astronauta orbitando a Terra, sob um efeito gravitacional menor do que o de seu irmão gêmeo na Terra, "envelhecer" mais lentamente... alguns milionésimos de segundo, se muito... Algumas forças, por mais incríveis que sejam, não causam efeitos relevantes em dado nível de matéria que se esteja estudando.
Então, sobre a consciência quântica, acho que são necessárias algumas considerações importantes:
1) Existem duas linhas de trabalho em consciência quântica: a. aquela de físicos teóricos sérios, que consideram os efeitos peculiares da mecânica quântica num nível muito grande de reducionismo (considerado exagerado por alguns, por mim também até o momento); b. aquela de "físicos" da nova era, pseudocientistas que gostariam de viver em um mundo onde "querer é poder" (qualquer coisa), onde existem extraterrestes, fadas, gnomos e unicórnios e onde a humanidade tem um papel central no teatro cósmico.
Enquanto que "a" é muito respeitável, e ainda que esteja errada é válida, pois cada hipótese que se descarta se chega mais próximo à verdade ou pelo menos são elaboradas perguntas melhores, "b" é uma completa bobagem que deve ficar a parte do mundo acadêmico - nem que seja por economia de tempo, recursos e paciência!
2) O método científico pressupõe parcimônia, e a parcimônia pressupõe economia em argumentos e naquilo que se usa para gerar estes argumentos. Enquanto o estudo em um nível maior - menos reducionista - de um problema estiver gerando avanços e trazendo respostas, passar para um nível de maior reducionismo, ou um nível menor da matéria, vai contra a parcimônia.
A neuroanatomia, neurologia clínica, neurocirurgia, neuropsicologia e a neuroimagem tem - em seu tempo - trazido respostas adequadas às perguntas levantadas pelas principais vertentes da filosofia da mente. Algumas só não enxerga quem não quer ver. É provável que a mecânica quântica desempenhe algum papel importante naquilo que é a mente, uma vez que as sinapses tem um papel chave na questão e as sinapses elétricas - ainda que sejam minoria - apresentam características que exigem o modelo quântico para uma compreensão abrangente. Contudo, já chegamos às perguntas corretas para tal abordagem? Eu acho que não. Acho que, para as perguntas que temos a mão, neste momento, o atual nível de reducionismo é adequado e irá trazer as respostas.
Penso que estas considerações são propícias especialmente na realidade do Brasil, onde parece haver alguma confusão - alguma mistura até - entre estas duas concepções de consciência quântica.
Não me oponho à continuidade na abordagem de consciência quântica de Hameroff e Penrose, mas sim à confusão entre tal linha científica com uma linha que é completamente pseudocientífica.
Então, sobre a consciência quântica, acho que são necessárias algumas considerações importantes:
1) Existem duas linhas de trabalho em consciência quântica: a. aquela de físicos teóricos sérios, que consideram os efeitos peculiares da mecânica quântica num nível muito grande de reducionismo (considerado exagerado por alguns, por mim também até o momento); b. aquela de "físicos" da nova era, pseudocientistas que gostariam de viver em um mundo onde "querer é poder" (qualquer coisa), onde existem extraterrestes, fadas, gnomos e unicórnios e onde a humanidade tem um papel central no teatro cósmico.
Enquanto que "a" é muito respeitável, e ainda que esteja errada é válida, pois cada hipótese que se descarta se chega mais próximo à verdade ou pelo menos são elaboradas perguntas melhores, "b" é uma completa bobagem que deve ficar a parte do mundo acadêmico - nem que seja por economia de tempo, recursos e paciência!
2) O método científico pressupõe parcimônia, e a parcimônia pressupõe economia em argumentos e naquilo que se usa para gerar estes argumentos. Enquanto o estudo em um nível maior - menos reducionista - de um problema estiver gerando avanços e trazendo respostas, passar para um nível de maior reducionismo, ou um nível menor da matéria, vai contra a parcimônia.
A neuroanatomia, neurologia clínica, neurocirurgia, neuropsicologia e a neuroimagem tem - em seu tempo - trazido respostas adequadas às perguntas levantadas pelas principais vertentes da filosofia da mente. Algumas só não enxerga quem não quer ver. É provável que a mecânica quântica desempenhe algum papel importante naquilo que é a mente, uma vez que as sinapses tem um papel chave na questão e as sinapses elétricas - ainda que sejam minoria - apresentam características que exigem o modelo quântico para uma compreensão abrangente. Contudo, já chegamos às perguntas corretas para tal abordagem? Eu acho que não. Acho que, para as perguntas que temos a mão, neste momento, o atual nível de reducionismo é adequado e irá trazer as respostas.
Penso que estas considerações são propícias especialmente na realidade do Brasil, onde parece haver alguma confusão - alguma mistura até - entre estas duas concepções de consciência quântica.
Não me oponho à continuidade na abordagem de consciência quântica de Hameroff e Penrose, mas sim à confusão entre tal linha científica com uma linha que é completamente pseudocientífica.
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