terça-feira, 2 de outubro de 2007

Ficha - Filme Laranja Mecânica

Data: 02/10/2007

Título do Filme: Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)


1. Comente os aspectos mais significativos do filme.

A capa do filme já avisa: “Trazendo as aventuras de um jovem rapaz cujos principais interesses são o estrupo, ultra-violência e Beethoven” – partindo dessa premissa, somos levados ao futuro, no caso o ano de 1995, como indica o nome do carro pilotado em uma das cenas (Durango 95), da maneira como era imaginado em 1965. Tendo assistido ao filme anteriormente, assistir novamente em 2007 é quase um paradoxo ontológico: o diretor, Stanley Kubrick, nos leva por cenários que por vezes nos fazem imaginar que se trata de um futuro distópico, e por vezes nos trazem uma sensação estranhamente familiar – na segunda vez parece que estamos olhando para o passado, e não para o futuro.

Lembrando da primeira vez que assisti a esse filme, por volta de 1994, a sensação era de que ele não se passava no futuro, apenas se tratava de uma realidade onde as pessoas usavam roupas e cortes de cabelo realmente esquisitos, e falavam de maneira pitoresca... Ora, essa realidade não difere muito daquilo que sempre foi e ainda é a Inglaterra. Naquele tempo eu usava fitas-cassete para gravar músicas, que eram escutadas em um toca-fitas portátil. Bom, já havia discos compactos, mas utilizávamos muito mais as fitas-cassetes. No filme Alex usava fitas-cassete compactas, como aquelas que são utilizadas em gravadores de voz.

Agora, em 2007, o filme parece incrivelmente atrasado. Problema? Mais parece um acerto, uma vez que a projeção prevista pelo diretor era 1995. Como muitos filmes futuristas, o futuro apresentado tornou-se passado, mas diferente da maioria dos filmes que fazem especulações sobre o futuro, este encontrou um lugar muito próximo no presente.

Outro aspecto interessante do filme é a preferência musical do protagonista/narrador; quando eu estava passando pelo processo de divórcio e fui questionar a guarda da minha filha, uma assistente social me perguntou: “Que tipo de filme e que tipo de música você mais gosta?” – a mesma pergunta foi repetida por uma psicóloga quase um ano depois, e em ambas ocasiões eu sabia que era uma pergunta repleta de preconceitos, sendo que escolhi uma resposta vaga, apelando para a generalidade e ecleticismo. Não adiantou muito pois aquelas pessoas já possuíam uma idéia formada a meu respeito antes mesmo de me entrevistar, mas teria sido pior se eu tivesse simplesmente respondido que adoro assistir filmes de terror trash, com muito sangue de molho de tomate e gosma de massinha de modelar, e ouvir punk rock. A questão é que os gostos subjetivos de uma pessoa não a tornam melhor ou pior.

Em 1999 culminava uma onda de violência nas escolas americanas, que vinha crescendo ao longo da década, com o massacre de Columbine. Na época, muito mais do que questionar o bullying, a prescrição indiscriminada de psicotrópicos, e o fácil acesso às armas de fogo nos EUA, apontaram para as músicas que os atiradores escutavam, para as roupas que eles vestiam, e para os jogos presentes em seus computadores.

Semana passada, no programa Fantástico da Rede Globo, os repórteres acusavam o movimento punk e o movimento skinhead de promover a violência em São Paulo. O problema não está no grupo ou nos gostos de um grupo: alguns anos atrás alguns garotos de classe média alta do Distrito Federal puseram fogo em um índio; e outros, da mesma classe, amarram uma cadela prenha a um carro e a arrastaram pelas ruas da cidade de Pelotas. Dirão então que os playboys são um problema?

O filme mostra um jovem psicopata carismático e bem articulado – apesar das gírias, que escuta Beethoven e se veste de branco para roubar, espancar, estuprar e matar pessoas sem motivo algum. Como suas preferências encaixariam-se nos esteriótipos que nossa sociedade tanto recorre quando precisa espiar suas próprias faltas?

Também me marcou muito a cena onde o protagonista é agredido de forma teatral e degradante em frente à duas platéias, uma na tela e outra na sala de aula, provocando reações iniciais de riso, que foram diminuindo à medida que a violência persistia e aumentava. Uma vez que o protagonista estava enquadrado como um criminoso, um pária, ele se torna alvo de toda violência reprimida do restante da sociedade, que espera que as autoridades expressem essa violência de forma física, moral e psicológica. As fantasias destrutivas que todos temos guardadas encontram sua gratificação na negação do aspecto reintegrador, no esquecimento do aspecto reparativo, e no uso desmedido do aspecto punitivo da pena – a base tríplice do direito penal. Em busca desse tipo de gratificação, a sociedade ignora que muitos desses indivíduos irão voltar para as ruas, mais violentos, mais experientes e mais doentes do que quando foram institucionalizados.

Em um documentário exibido recentemente no Discovery Channel, foi abordada uma lei aprovada no estado da Califórnia, durante um período de comoção pública em decorrência a um crime violento, que prevê uma pena de 25 anos à prisão perpétua para qualquer criminoso que fosse condenado pela terceira vez, independente do crime que tenha cometido: não importa se o indivíduo foi condenado pela terceira vez por furtar uma garrafa de uísque levado pelo alcoolismo, ele será condenado à uma pena que o tornará um fardo para os cofres públicos, e um fantasma em vida, sem esperança de recuperação. A realidade no Brasil, embora no papel não seja tão absurda, não é muito diferente. As instituições rotulam os indivíduos, e ignoram séculos de teorias que vem sendo elaboradas desde o direito romano, passando pelos textos de Beccaria e Ihering, até o burocrático movimento legislativo brasileiro, que não possui velocidade para acompanhar as transformações sociais, e nem mesmo se importa em cumprir com seus pressupostos de eqüidade, humanismo, reparação e recuperação. Basta fazer a vontade do povão, basta empregar a punição.

Reflexo disso está no sucesso do filme Tropa de Elite, visto como divertido e como violência justificada. Embora não tenha visto o filme, ouvi comentários que diziam: “Então o policial começou a bater no guri de 14 anos, depois botou o ‘saco’ na cara dele... Não, mas a violência foi justificada, o policial queria saber onde morava o traficante.” Não sei se compreendi direito a lógica desse pensamento, mas não vejo justificativa, primeiro porque o policial estava agredindo um adolescente e não o traficante, segundo porque a legitimidade do poder do policial emana das leis, que por sua vez não endossam a tortura em caso algum. Mas entendo o prazer obtido pelo público, ao ver o policial espancando o garoto, o marginal, eles se colocam na pele do policial, e estão espancando aquele chefe que não sai do pé, aquele flanelinha que riscou o carro, o político corrupto... Acontece que o chefe continuará sendo chefe, o flanelinha vai continuar nas sinaleiras, e o político continuará sendo corrupto; e talvez algum garoto, de alguma favela, que foi de fato espancado por um policial, pegue uma arma e resolva descontar sua raiva, buscar uma gratificação para esse sentimento destrutivo, coincidentemente num dos espectadores do filme que vibraram com a violência policial.

Estes foram os três aspectos que mais me chamaram atenção nos trechos do filme Laranja Mecânica que foram exibidos em aula.



2. Destaque possíveis críticas e posicionamentos do argumento do filme.

O filme questiona conceitos de justiça, moralidade, bondade e liberdade. Um momento bastante ilustrativo disso foi o pensamento do protagonista ao sair da prisão: “Agora estou livre.” Como foi levantado pelo padre, após a terapia de aversão Alex se comportaria como um cidadão exemplar, mas não por livre escolha, ele simplesmente não conseguiria agir de maneira diferente. É a mecanização do ser humano que dá origem ao título do filme, “uma laranja mecânica” - assim se comportaria o indivíduo condicionado.

Também, como comentado anteriormente, o filme discute sobre como a sociedade tende a responder violência com violência, por meios que utilizam-se de seus dotes intelectuais para fins não racionais – uma vez que os resultados tendem a voltar-se contra a sociedade: o final do filme dá a entender que, após superar sua terapia de aversão, Alex aceita um cargo no governo, já imaginando como irá resumir de maneira mais dissimulada sua agressividade.

No filme, Alex está condicionado a um comportamento agressivo e cruel, cuja causa se encontra numa psicopatologia de personalidade anti-social, psicopata. Seriam seus amigos também psicopatas? Todos os jovens que agem de maneira irresponsável, destrutiva e agressiva são psicopatas? Acredito que não; sem recorrer às hipóteses estereotipantes já descartadas na primeira questão, defendo que parte da crueldade infantil se deve a um córtex pré-frontal ainda em formação, e parte da agressividade e impulsividade adolescente se devem a uma maior atividade do sistema límbico. Ao atingir a maturidade, a atividade desse sistema, relacionado justamente aos impulsos agressivos, à sexualidade, à emoção, diminui, e uma atividade maior no lobo frontal, relacionado ao juízo e ao controle das emoções, pode ser notada. A maturação biológica do sistema nervoso não é desculpa para atos de vandalismo, o ser humano vive em sociedade, e na sociedade desenvolve-se de maneira civilizada... Ou não?

Seriam os jovens que, desprovidos de deficiências mentais, cometem atos reprováveis, vítimas do corpo social que o cerca, seu núcleo familiar, sua escola, amigos e exemplos adultos, uma mídia que glamoriza a violência e a impunidade? Se são as regras da sociedade que são quebradas, e se tais regras devem ser introjetadas no jovem pelo corpo social que o cerca, então considero justo atribuir à sociedade parte da falha no desenvolvimento do caráter daquele que é taxado de delinqüente. Ao invés de, por dentro, nos regozijarmos com a violência sofrida por esses indivíduos quando são punidos, deveríamos sofrer junto com eles por nossa falta.



3. Associe as idéias apresentadas às Teorias Comportamentais.

Vejo o filme como uma crítica à psicologia behaviorista como proposta por Watson e Skinner. O aparato utilizado para manter o protagonista imóvel e de olhos abertos lembra o gosto behaviorista pelas máquinas e uma questão que muitos estudantes se fazem ao ouvir, por exemplo, a história de Pavlov e seus cães: como Pavlov poderia considerar que, um cachorro que teve seu aparelho bucal perfurado para a implantação de um medidor de salivação feito de metal, estaria demonstrando um comportamento normal, “num ambiente controlado e livre de influências externas?”

Mais que isso, a utilização da segregação de ratos, pombas e outros animais para a realização de experiências num ambiente que não é em nada natural ao animal, também deve influir sobre seu comportamento, da mesma maneira que já foi comprovado que ao serem observados por pesquisadores, grupos de seres humanos se comportam de maneira diferente do usual – em geral procurando responder de maneira positiva à espectativa manifesta consciente ou inconscientemente pelo pesquisador. Técnicas como a double-blind já foram elaboradas para minimizar esses e outros vicariantes, mas a crítica do filme é dirigida ao behaviorismo clássico. Ao ver o protagonista na cadeira, que procura exercer algum nível de domínio sobre sua atenção, não pude deixar de me lembrar imediatamente da foto da cadeira projetada por Skinner para seu uso pessoal, cuja a finalidade era a mesma: controlar sua atenção.

O tipo de comportamento modelado na cena dos filmes é o comportamento operante, pois procurava modificar as ações violentas voluntárias do protagonista. Ao definir o que é e o que não é sua ciência de modificação do comportamento, Skinner alega que seu objetivo é “aliviar os problemas humanos.” Em resposta a isso, o filme levanta a questão: quem decide o que é um problema e o que não é um problema? Um indivíduo completamente violento certamente é um problema, mas um indivíduo incapaz de se defender está fadado à morrer de maneira horrível.

Fazendo uma comparação, recentemente fiquei surpreso na aula de Psicofisiologia ao saber que as deformidades apresentadas pelos portadores da doença de Hansen (vulgarmente conhecidos como leprosos) não são causadas pela doença, mas pela incapacidade desses indivíduos de sentir dor, dessa maneira, quando sofrem algum ferimento, ou quando da infecção por fungos ou bactérias, não buscam tratamento até que seja tarde demais, além de sofrerem ferimentos por não serem capazes de sentir o aviso de dano tissular durante suas atividades cotidianas; de maneira semelhante a um indivíduo que não é capaz de se defender, porém, a diferença crucial é que tal indivíduo sente a dor, seja ela moral ou física.

O grande problema da terapia aversiva vista no filme foi a completa eliminação do impulso agressivo, ao invés de um moderamento do mesmo, e a situação incapacitante em que o reflexo condicionado à agressão deixava o indivíduo, impedindo que esse recorresse à fuga de tal situação, quando a esquiva não fosse possível. A técnica Ludovico aleijou psicologicamente o protagonista.

O abuso da punição por diferentes indivíduos, quando a modalidade de punição negativa é usada recorrentemente, também está presente no decorrer filme. O protagonista já havia cumprido um certo tempo de prisão, e teria sua capacidade defensiva maculada, quando implorou para que não prejudicassem seu gosto por música clássica, ao que o cientista respondeu “que este poderia ser o elemento punitivo.” Mais adiante, na demonstração para políticos e para administradores institucionais, o protagonista é novamente punido, vindo a ser punido outra vez ao chegar em casa, e mais uma vez quando é capturado por uma de suas vítimas.

Não sou um defensor dos malfeitores, assim como os defensores dos direitos humanos também não são. Quero um mundo seguro e melhor para todos, uma sociedade justa e harmoniosa; e é justamente por isso que quero mecanismos legais que não piorem aqueles que cometeram delitos mas, tendo consciência da realidade legal do país, de que esses indivíduos voltarão às ruas mais cedo ou mais tarde, que eles pelo menos tenham a chance de uma recuperação, ou que recebam os cuidados cabíveis quando tal recuperação não for possível. Se eu tivesse que responder à pergunta clássica daqueles que defendem penas cada vez mais duras, do “e se fosse com um ente amado, com alguém da tua família?”, eu admitira desconhecer a minha reação, mas caso eu não tivesse a coragem de fazer justiça com as minhas próprias mãos e depois arcar com as conseqüências legais das minhas ações – que fossem consqüências justas ou injustas, eu estaria sendo duplamente covarde se esperasse que o instrumento coercitivo do governo agisse com iniqüidade ou me sentisse vingado com isso.

Ironicamente, foi uma das vítimas do protagonista que promoveu sua recuperação instantânea durante um procedimento de punição negativa, ao fazer com que ele tentasse suicídio.


Seres humanos e sociedades fazem parte de um processo cíclico que se move pra frente e para trás no tempo, entre a bondade e a maldade, o totalitarismo e a liberdade.”

Anthony Burgess

6 comentários:

Unknown disse...

Adorei este post...me ajudou em uma atividade para aula de Psicologia cognitiva.
Obrigada!!

vinicius disse...

Excelente post, bem amplo e esclarecedor. Não tinha ideia como começar a minha pesquisa e o seu post me ajudou do começo ao fim. Muito obrigado.

Unknown disse...

Perfeito. Assisti o filme, mas me faltavam palavras para descrever minha interpretação e entrega de um trabalho. Muito obrigada!

Unknown disse...

ÓTIMO post!!! Também me ajudou muito com um trabalho do meu curso.

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Oi Ana Laura! Relendo o post nos dias atuais, devo dizer que nem acho tão bom. Existem vieses claros nele. Mantenho estes posts como testemunha da minha caminhada na Psicologia. Mas que bom que você gostou. Grande abraço!

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Oi Ana Laura! Relendo o post nos dias atuais, devo dizer que nem acho tão bom. Existem vieses claros nele. Mantenho estes posts como testemunha da minha caminhada na Psicologia. Mas que bom que você gostou. Grande abraço!