quarta-feira, 26 de março de 2008

Monólogo sobre consciência e livre-arbítrio

Sabe aquelas noites em que você deita para dormir e as idéias não param de fervilhar na sua cabeça? Questionamentos, conclusões, hipóteses, relações, correlações, etc... E você se sente tomado por elas, simplesmente não consegue desviar a atenção para alguma coisa que te desperte menor interesse a ponto de conseguir adormecer; ou mesmo nem sente vontade de desviar a atenção destas idéias, tal a relevância pessoal que elas adquirem.
Esta está sendo uma destas noites para mim. Encaro isso como um processo de maturação natural do conhecimento que vou adquirindo com o passar do tempo. Não adianta apenas se deparar com um conceito, se o conceito for realmente bom e trazer algo de novo, você precisa se questionar sobre o conceito, procurar abordar o conceito por outros ângulos, tentar trazer o conceito pra sua realidade, enfim, "usar até gastar" o conceito. E ainda assim você não terá terminado com ele. Qualquer conceito precisará, depois, passar pela prova do tempo, para se mostrar relevante ou não, por mais inquietação, surpresa, ou qualquer outra impressão que ele tenha causado inicialmente.
Esta noite fiquei procurando incompatibilidades entre os argumentos trazidos por dois filósofos que se opõe quanto as suas idéias de consciência, livre-arbítrio e mente, e procurando respaldo na visão de um neurocientista para poder traçar um caminho que me levasse de um argumento para outro nesta busca por incompatibilidades. Busca esta que, como sempre procuro me preparar, poderia resultar no encontro de um maior grau de compatibilidade do que incompatibilidade.
Inicio esta linha de raciocínio pensando sobre aquilo que é proposto pelo filósofo John Searle, de que há espaço para o livre-arbítrio e que existem uma consciência. A questão do livre-arbítrio é realmente complexa, pois por mais que eu me sinta inclinado a tomar o livre-arbítrio como algo existente e óbvio, por outro lado, quanto mais penso sobre qualquer "escolha livre, racional e voluntária", mais motivos eu encontro para ter tomado aquela decisão, que não são necessariamente motivos que a caracterizam como um produto de uma racionalização lógica e precisa, e sim como algo determinado por aquilo que eu já trazia comigo, minha história e meu contexto atual ou do momento que a ação ocorreu.
Isso se deu, acredito eu, por causa dos exemplos usados por Searle na construção de seus argumentos e na ilustração dos mesmos. Quando ele fala sobre escolha de candidatos em uma eleição presidencial, não vejo como desassociar esta escolha, pelo menos no contexto cultural em que eu vivo, da influência exercida pelos pais, pelos conhecimentos adquiridos na escola, pelas leituras e escolhas de leituras feitas ao longo da vida em revistas, jornais e livros, pela influência dos amigos, colegas de trabalho e mesmo pelo ambiente em que se trabalha, pelas experiências que a pessoa teve anteriormente com uma determinada visão política, enfim, todo um conjunto de fatores variáveis, porém que podem ser identificáveis se for feito um certo esforço de memória, e que podem sim determinar com precisão suficiente o curso de ação que alguém irá tomar numa escolha deste tipo; criando regras e motivações suficientes para explicar tal comportamento e prever comportamentos futuros.
Outro argumento que achei infeliz da parte de Searle, foi o do componente de física quântica no surgimento da consciência. Entendo, pelo menos em parte, o que ele quer dizer e onde ele quer chegar, ao introduzir a "incerteza", prevista pela física quântica, nos processos mentais. Contudo, aqui, ele peca pelo excesso de reducionismo. Ramachandram fala sobre isso justamente ao falar sobre consciência, e justamente para criticar o excesso de reducionismo em teorias que criam um modelo de ser humano mecânico e determinístico - foi assim que entendi...
Se não podemos usar o argumento de que neurônios isolados, como uma cultura de neurônios em uma lâmina de microscópio, não são conscientes, para defender a inexistência da consciência, uma vez que isso seria excesso de reducionismo por ignorar o que conjuntos de neurônios são capazes de fazer - aqui, também, lembra a falácia da composição, citada por Searle; seria excesso de reducionismo descer à estrutura subatômica para explicar um fenômeno complexo que depende de um conjunto de sistemas também complexos... Não que eu esteja descartando completamente tal influência, mas pela própria magnitude que ela poderia ter, coisa que o próprio Searle argumenta, penso, diferente dele, que ela não seria suficiente para ser a causa do livre arbítrio.
Mas não condeno o filósofo Searle por usar de maneira limitada tais argumentos, uma vez que, como ele colocou, ele está fazendo o melhor que pode para transmitir um conceito, uma visão, sobre como ele encara o fenômeno da consciência humana. Ele não é um neurocientista, nem um físico quântico, assim como eu não sou um filósofo de classe internacional - sou apenas um mero estudante do segundo ano de psicologia, e estou aqui "filosofando", pensando e argumentando sobre estes assuntos.
Acredito que ele teria sido mais feliz, se ele substituísse o exemplo do voto, por um exemplo mais recorrente e mundano, ainda que venha acompanhado de uma certa graça pela maneira como as pessoas o encaram... Que seria o exemplo das mulheres na TPM (tensão pré-menstrual): você pode explicar o porquê que uma mulher agiu de determinada forma naquele período (ahh, ela estava na TPM); mas você não pode prever o comportamento dela usando esta explicação. A mesma explicação que justifica uma ação não pode ser usada para prever a próxima ação, diferente daquilo que ocorre na física newtoniana. É esse o quanta ao qual Searle estava se referindo, falando sobre livre-arbítrio. É esta a "falta de condições suficientes para estabelecer casualidade."
Mas também isso não caracteriza algo completamente aleatório, e é neste ponto que a explicação da física quântica se perde da explicação do comportamento humano. Se nosso comportamento fosse completamente aleatório nós não teríamos controle algum sobre nossas ações, cenário não muito diferente do proposto pelo determinismo, mas agiríamos de forma caótica e desordenada... Isso seria completamente incompatível com a vida, quanto mais com a vida inteligente.
Searle tinha noção disso, tanto que tenta formular um argumento onde a aleatoriedade dá lugar a escolha racional num sistema maior, mas esta é uma transição bem radical... Eu preferiria incluir algo nesta transição, para deixá-la mais suave... Seria o caso da entropia causada pela complexidade da superestrutura que é o cérebro, não apenas nas mudanças químicas que ele pode sofrer e que não podem ser previstas, mas na informação que o mesmo pode armazenar e processar. Em especial neste último caso, de armazenamento e processamento, as capacidades do cérebro humano são, sob qualquer comparação, incrivelmente vastas em relação a sua massa total e uso de energia. Isto justificaria uma margem de incerteza, porém uma incerteza não aleatória, e sim dependente da informação que está armazenada e da configuração desta informação.
Essa idéia de entropia me parece completamente compatível com a idéia de "ilusão de consciência" proposta pelo filósofo Daniel Dennett, uma vez que tal ilusão surge do trabalho conjunto de diferentes sistemas admitidamente de alta complexidade, uma margem de dúvida quanto ao resultado destas interações me parece razoável e lógica, ainda mais considerando que estas interações são afetadas dinamicamente por fatores internos, externos, anteriores e - porque não? - subjetivos.
É bom sempre ter em mente a idéia de que se você é consciente, você é consciente de algo. Isto é básico para compreender a consciência como resultado de um conjunto de inputs. O sistema visual, por meio dos olhos, córtex visual e outras estruturas envolvidas, nos torna conscientes dos objetos a nossa volta, das cores, da luz ou da ausência de luz, das coisas que se movem em nosso campo visual e assim por diante; o sistema auditivo nos torna conscientes dos sons; os sentidos de olfato e paladar nos permitem detectar substâncias químicas, cheiro e sabor; o tato nos permite detectar a temperatura, as texturas, sentir dor, etc; o labirinto em nossos ouvidos nos permite a noção de movimento posição e aceleração de nossos próprios corpos; e a lista de sentidos e sistemas continua... O que interessa nestes sentidos no escopo desta discussão é que nenhum destes sentidos, isolados, é consciente de nada, pois não torna uma coisa consciente de outra. Faça uma dissecação do sistema visual e o que você tem é um par de olhos, nervos ópticos e um punhado de matéria cinzenta que não servem para nada, uma vez que seu input não irá para lugar algum.
E para onde vai o input, a informação captada pelos sentidos? Neste aspecto parece já existir um consenso: não existe um "centro de consciência" no cérebro. Tal idéia iria recair na falácia do homúnculo, a idéia de que existe algo como que um homenzinho consciente dentro de nossas cabeças, recebendo os estímulos que captamos com nossos órgãos sensoriais. Essa idéia não procede pois seria problemático responder a pergunta óbvia que a segue: e o que torna esse centro de consciência, consciente? Como era de se esperar, nunca foi encontrado tal centro no cérebro de nenhuma criatura viva.
O que acontece é que todos os sistemas perceptuais trocam informações entre si, de certa forma somos todos sinestetas, como diria Ramachandram, e a interação entre estes diferentes tipos de informações sensoriais é parte da chave daquilo que se tem como consciência.
Aqui é interessante notar duas coisas: primeiro, que as informações sensoriais não vêm apenas do mundo exterior, mas também possuímos sentidos conscientes e inconscientes sobre aquilo que acontece no interior dos nossos corpos. Sabemos quando estamos com fome, quando estamos com sede, quando estamos com sono, só para citar alguns destes sentidos mais básicos. Mesmo alguns sintomas de doenças, são na verdade produtos dos nossos sentidos internos comunicando que algo vai mal em nossos corpos. Mas são apenas informações sensoriais que trafegam pelas nossas mentes?
Não... Toda informação sensorial, que é sempre imediata a algo que está acontecendo, a uma realidade temporal, também interage com toda uma carga de informações armazenadas ao longo de uma vida, afinal temos a memória, as lembranças, e a capacidade de evocar memórias e lembranças de toda espécie, visual, táctil, aromática, etc, a qualquer momento. Na verdade, é difícil imaginar algum momento em que não estejamos nos lembrando de algo, nem que seja comparando uma informação urgente com alguma informação de uma situação semelhante que já tenha ocorrido. Não é por nada que uma das formas de processamento mais eficientes de nossos cérebros é o reconhecimento de padrões.
E existe algo mais além da memória? Eu acredito que sim, depende de como você olha para a informação armazenada, o que temos em nossa mente também é constituído de, ainda que podendo ser argumentado como vários derivados da memória e do que se fez da memória, crenças, esperanças, ideais, habilidades adquiridas, ferramentas de solução de problemas, esquemas de defesa, de coesão de realidade, etc. Coisas que forma e se formam com a personalidade, outra entidade que depende da consciência... Consciência de quê? Consciência de sua própria história pessoal, consciência de memória, consciência histórica. Lembrando que se somos conscientes, somos sempre conscientes de algo.
Agora, a nível de experimento mental, alguém consegue conceber a existência de um ser completamente desprovido de qualquer input, interno ou externo, desde o nascimento? Um ser de cérebro intacto, porém sem os cinco sentidos de olfato, visão, paladar, audição e tato, sem os demais sentidos que conhecemos, como o da localização física do corpo, etc, mas que fora a ausência de input não possua nenhuma outra diferença anatomofisiológica de qualquer outro ser humano normal. É um experimento no mínimo incômodo e bastante difícil. Tal ser não conseguiria interagir com o mundo a sua volta, provavelmente não teria formação de memória alguma, não formaria uma personalidade, provavelmente não teria nem ao menos noção de tempo, quanto menos de espaço e, contudo, teria um cérebro vivo dentro de si. Seria este cérebro consciente? Consciente de quê? Nada. Ou seja, não seria consciente. Podemos imaginar que seria um cérebro com uma consciência potencial latente, mas não consciente.
Por outro lado, um cérebro que tenha tido acesso, durante parte de sua existência, aos diversos estímulos que podemos captar, se viesse a ficar na situação descrita acima, completamente isolado de toda forma de estímulo, continuaria consciente quanto a sua memória e aquilo que fizesse com ela. É algo interessante de se pensar... Alguém que perde a visão, perde a consciência dos estímulos visuais, mas não se torna inconsciente. Da mesma forma alguém que perde a audição, ou qualquer outro dos sentidos. Seria possível, de fato, eliminar todos os sentidos, sem que a consciência fosse eliminada, desde que já estivesse presente antes que os sentidos fossem eliminados. Onde encontramos algum referencial prático disso, além das evidentes memórias? Nos pacientes portadores de membros fantasmas.
Outra situação relacionada seria o caso de alguém que perdesse completamente a memória, mas mantivesse seus sentidos intactos. Tal pessoa não se tornaria inconsciente, mas teria de reconstruir sua história. Isso me diz que qualquer ser que é consciente de algo, é um ser consciente. Parece óbvio falando assim, e de fato é óbvio... Mas por mais óbvio que algo pareça, só se torna mais verdade quando se é racionalizado a fundo. Mais uma das maravilhas de nossas consciências humanas. Racionalizar e correlacionar situações, questões, desenvolver problemáticas.
E dessa complexidade toda, de onde emerge a consciência, é que emerge o livre-arbítrio. É por isso que, assim como - mais acentuadamente - o comportamento de uma mulher na TPM pode ser explicado mas não pode ser previsto, todo comportamento humano também pode ser explicado, mas não pode ser previsto sem uma margem de erro. É por isso que não existe uma fórmula matemática para o comportamento humano e é aí que o determinismo, mesmo aquele que busca ser compatível, torna-se incompatível. Um exemplo bastante corrente de como o determinismo é desafiado, e que vem sendo estudado justamente pela constatação de que os fatores determinantes não estão claros, é a resiliência em meninos de rua. São indivíduos que tinham tudo para dar errado, e dão certo. Teriam eles desafiado seu contexto sócio-cultural, que geralmente incide em profundas marcas psíquicas, por alguma causa externa, alguma experiência que lhes tenham mostrado um caminho completamente diferente na vida, alguma experiência transformadora? Teriam sofrido a influência de alguém ou de alguma instituição? Teriam feito a mudança volitivamente apenas com seus recursos e estruturações mentais? São muitas perguntas para as quais as respostas ainda estão sendo buscadas. Algumas são mais prováveis, outras menos prováveis e novas respostas para perguntas como estas, mas que nem foram cogitadas, irão aparecer.
Quanto a essa fuga do determinismo, também vale pensar sobre um outro conceito que, quando abordado filosoficamente, torna-se bem difícil: as idéias. Idéias podem ser encaradas como produtos da memória e da capacidade de abstração, assim como na natureza e na música nada se cria, tudo se transforma ou se copia, as idéias vão sendo construídas de acordo com a capacidade que temos de trabalhar com aquilo que depreendemos da realidade. Mas para termos idéias, pensamos, e pensando nos tornamos conscientes das... Idéias. É o nível a mais do qual fala Searle. Somos conscientes da nossa consciência e somos capazes de pensar em alguma coisa e pensar sobre o porquê de estarmos pensando em tal coisa. Somos observadores de nossa fábrica mental, e orquestramos experimentos mentais, idéias, simulações, fantasias, e toda sorte de produção imaginária. Somos introspectivos.
Analisamos nossa consciência, pensamos sobre ela, assim como estou pensando agora, enquanto escrevo este texto, e como você também deve estar pensando - supondo que alguém esteja lendo este texto. E por sermos capazes de analisar nossos pensamentos, nossas motivações, voltar às nossas causas, por sermos capazes de simular os efeitos de nossas ações antes de executá-las, é que somos capazes de transformar aquilo que somos. Pois nada mais somos do que a soma total daquilo que aprendemos com nossas experiências e como usamos aquilo que aprendemos, nossa visão de mundo, nossa Weltanschauung.
Conseguir identificar nossa própria visão de mundo não é fácil. É preciso voltar ao passado, conhecer as influências que vieram dos pais, as crenças e ideologias que foram projetadas, introjetadas, em nós, é preciso ter uma grande awareness de nossa realidade psíquica e de nosso contexto social - quais são as forças sociais que estão me pressionando, como e para onde elas estão me levando, como o meu estado emocional está sendo afetado por elas, como estou lutando para tomar as decisões de maneira racional e por vontade própria diante destas forças? Qual é o contexto em que estou inserido?
Consciência histórica e consciência social de si mesmo, são duas das formas de consciência menos exercitadas pelas pessoas, das mais difíceis de se alcançar e, também, das que mais habilitam as pessoas a exercitarem seu livre-arbítrio e realizarem transformações significativas em suas vidas.
Bons filósofos não prometem resposta, mas levam as pessoas a encontrarem as respostas dentro de si mesmas; bons psicólogos não prometem mudanças, mas assistem as pessoas enquanto estas promovem as mudanças das quais necessitam; bons médicos sabem que a maioria dos tratamentos é sintomático, e que a cura ocorre pelos mecanismos do corpo do paciente. E é isso que proponho, que a pessoa não espere as forças exteriores agirem, nem o tempo alcançar seus corpos, mas que tomem a ação e a iniciativa por si mesmas. Não sei se estou fazendo a interpretação mais correta daquilo que foi exposto pelos teóricos citados neste texto, e é provável que não, o caminho para o conhecimento é longo, repleto de desvios, alguns tropeços, mas só chega lá quem se atreve a percorrê-lo.
Da mesma maneira se dá esse processo de tomada de consciência. Ao se deparar com uma situação de escolha, como as situações de "brecha", como diz John Searle, pare e pense sobre a alternativa para a qual mais pende a sua vontade. Pense no motivo pelo qual você se sente tentado a fazer esta determinada escolha, nesta situação em particular. Analise o contexto em que você está inserido, tome consciência de onde você está, quais são as influências externas. E depois busque as influências internas, faça o trabalho de ser o seu próprio historiador, olhe para dentro de você, quais são as lembranças para as quais esta situação te desperta? Olhe para elas e olhe além delas, o que veio antes, qual foi a cadeia de eventos, as escolhas que as precederam. Veja o seu passado e o relacione ao seu momento presente, a uma situação específica, e você estará efetivamente visualizando um circuito dentre os vários que formam a sua visão de mundo, aquilo que você é. Talvez você tendo vislumbrado isso, sinta vontade de exclamar consigo mesmo: "Nossa! Mas então é assim que eu sou!"
De posse desta visão, que dificilmente corresponderá fielmente a realidade, uma vez que, como todo processo de aquisição de conhecimento, se dá de forma gradual e depende de erros e acertos para acontecer, encare novamente a decisão que você iria tomar. Analise novamente o contexto em que você está inserido. Você agora está livre das ações determinadas pela tua história e das pressões do contexto, ou pelo menos é capaz de reconhecê-las. Será que não existem outras alternativas, outros cursos de ações que você pode tomar agora?
Sinta-se a vontade para abstrair, para extrapolar, para imaginar tudo diferente se for preciso, simule cada possibilidade, cada cenário em sua mente, e procure prever quais serão os resultados, quais serão as conseqüências. Aqui, mais uma vez, não há garantias de que as previsões irão se realizar, ainda mais pelo motivo de todo um novo espectro de possibilidades novas estar aparecendo diante de você, é território desconhecido.
Escolha um destes cursos de ação, e vivencie cada passo de execução, preste atenção nos resultados, procure compreender o que está acontecendo. Você decidiu realizar algo completamente novo, deu certo? Se não deu, agora você sabe mais uma coisa que não funciona. Ou será que deu? Foi melhor do que normalmente é? Foi igual? Ou você resolveu que o melhor curso era fazer exatamente da mesma maneira que você sempre faz? Os resultados foram satisfatórios? Será que não era possível conseguir mais?
Desconstruir o passado não significa deixá-lo em ruínas, mas sim usar seus tijolos - as experiências que deram certo, as experiências que deram errado, as crenças que se quer manter e aquelas que se quer livrar, esperanças, memórias - para construir aquilo que será o futuro.
Mas essa análise toda da qual eu falei, será que não demora demais? Quanto tempo iria levar para tomar uma decisão fazendo uma análise extensiva de sua própria vida pregressa, como se fosse seu psicólogo, de seu contexto social, como se fosse um sociólogo, levantando questionamentos existenciais, como se fosse seu próprio filósofo? Somos todos filósofos da natureza, psicólogos naturais, animais sociais, e eu nunca disse que a liberdade vem fácil. O mais interessante, ou frustrante, é que para o exercício da liberdade, este tipo de análise teria que ser feito e refeito, mesmo em situações que se repetem, sempre buscando algo de novo, algo que se passou desapercebido, e que a tomada de consciência é um processo contínuo e infindável. As peças, os tijolos, não se perdem, mas se reorganizam. E assim deve ser a vida. Se deixarmos nosso mundo interno estático, seremos controlados pelas forças do mundo externo.
Enfim, essa é a conclusão a que eu chego. Existe sim, a possibilidade de livre-arbítrio; é uma possibilidade pequena, muitas vezes as pessoas pensam estar exercendo o livre-arbítrio e estão apenas sendo controladas pela situação, pelo contexto ou sistema em que estão inseridas, como demonstram os experimentos de S. Asch, P. Zimbardo e S. Milgram. Forças externas capazes de tornar pessoas boas em monstros, capazes de nos fazer negar a nossa própria percepção para conformar com o grupo, capazes de suprimir anos de uma moral introjetada quando nos é enganosamente aliviada a responsabilidade. Se tomássemos as decisões de forma racional, se acreditássemos no bem, no certo, por convicção adquirida com a modelagem intelectual de nossas experiências e não por aquilo que nos foi passado, que nos é exibido, que nos é imposto, seríamos bem menos sujeitos a estas forças, seríamos conseqüentemente mais livres e finalmente seríamos dignos de ser chamados de éticos e responsáveis pelas nossas próprias ações.
A consciência é uma ilusão, uma construção natural, mas que custou bem caro em termos evolutivos para ser apenas receptáculo da informação inútil com que somos bombardeados diariamente pelos meios de comunicação e mecanismo de controle por estímulos. Use a sua ilusão.

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