segunda-feira, 21 de abril de 2008

Dois e a existência humana

T: Cursamos Psico. por que gostamos, poderíamos não ter grana e nem conseguir passar no vestibular estudando se tivéssemos azar... hehehe
C: O que faríamos então? Buscaríamos outra coisa da qual gostássemos... Mas só se fôssemos muito recalcados, ficaríamos atacando a Psicologia por causa disso.
T: Sim, aí é que está, digamos que não buscássemos... Muitos não buscariam.
T: Não conhece gente que curse algo que detesta?
T: Viu? Existe muita gente que faz as coisas por N razões.
C: Sim, e estas pessoas acabam desistindo no meio do curso, ou se formam para não exercer a profissão, ou são péssimos profissionais.
T: Isso.
T: Mas que existem existe.
C: Desta forma posso sim fazer um julgamento moral.
T: "Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem."
T: ahauhauha
C: Não disse que não acreditava, mas esta é uma forma irracional de agir.
T: Ah! Pode até ser.
T: Depende, a racionalização, que é um mecanismo de defesa, está a serviço da irracionalidade... Por exemplo, o Ego está a serviço, também, do Id.
T: De certa forma...
T: Não em absoluto...
C: Até meu Id é racional.
T: ahahaha
C: Meu Id não briga com meu Superego. Ele argumenta.
C: hehehehehehehehe


...

T: Se eu, T, quero entender de Psico. para fazer um mundo "melhor", por exemplo, é por que sinto algo que me diz para proceder assim, não só por mera razão. Afinal não sou uma máquina; contigo e com todos os outros ocorre o mesmo, quem agride o outro usando uma boa argumentação está usando a razão em favor desse instinto de sobreviver ou de vencer. Ai é que está, a razão não se desvincula do irracional.
T: Acho que, se se desvincular totalmente, nem poderia ser razão. Quem sabe?
C: Eu não agrido os outros usando minha argumentação, eu apenas desconstruo os outros para que eles, em pedaços, tomem ciência daquilo que estão expressando com suas palavras (muitas vezes as pessoas não se dão conta das coisas nas quais acreditam e que, de fato, estão defendendo com sua argumentação).
T: Não falei de ti, rapaiz!
T: hauahuah
C: Ah bom.
C: hehehehehehehe
T: Que isso! Queres feri-los mesmo!
T: Ué, mas dá pra usar...
T: Boa!
T: No dia que a pessoa aquela te irritou, você usou a razão a serviço da irraiconalidade, também.
T: ahahaha
T: Eu também já fiz isso... Todos fazem.
C: Nem todos... Quem não faz isso parte pra porrada. (Ou ainda para outras estratégias, como chorar, ou calar-se, ou argumentum ad hominem, ou agressão verbal por termos chulos...)
C: Tem muita gente incapaz de sustentar um argumento.
T: Tu desconstrói os outros para que eles possam se reconstruir, depois, em algo decente.
T: ahuahauaha
C: Ah! Essa seria uma forma positiva de colocar as coisas... Pena que nem sempre funcione.
T: Sim, não partiu pra porrada, tinha certo controle, mas que o irracional agiu, agiu. Ainda que não totalmente claro. [Referindo-se ao meu semblante alterado na ocasião.]
C: Sim.
C: hehehehehehe
T: Quando eu falo eu sinto, quando eu vejo tv eu sinto, quando argumento eu sinto, logo o irracional está sempre presente em todas estas situações.
T: E para existir razão, sem irracionalidade, nem teria por que: uma coisa auto-utilitária, seria uma máquina, mesmo que não fosse programada para ter a ilusão de sentir.
C: Eu me sinto irracional quando tento compreender a lógica de pensamento dos outros. Mas logo refuto e volto a minha racionalidade lógica e matematicamente perfeita. (:
C: heheheheheheheheh
T: x.xx.xx.x
C: Nossos sentimentos são uma ilusão.
T: Sim, achei que dirias isso.
C: Por exemplo, "estar amando não é diferente do que uma intoxicação por chocolate de boa qualidade."
T: Sim, mas tem o lance psicológico, que seria a ilusão.
T: É que aí entramos no conceito de realidade, não sabemos o que é real mesmo. Por isso nos confundimos, por isso a Filosofia e a Psicologia sofrem essas críticas.
C: Chocolate é mais barato e causa menos problemas... (:
T: E daí que o amor é o efeito de um aglomerado de neurônios, ligações e estruturas? O resultado não é menos real por isso, ao menos para o sujeito que percebe. Aí entramos na consciência, como falavas, ter consciência destas coisas as torna reais.
C: Compreender estas coisas parece torná-las menos reais... Sentir essas coisas as torna reais, ter consciência do que elas são, as torna menos reais.
T: Meu cérebro, por exemplo, seria real se eu sei que o tenho e o percebo...
T: Acho que isso seria um efeito Fenomenológico.
T: Eu nunca vi meu cérebro, será que ele existe?
C: O fato é que existem coisas que existem, meramente por que suas ações resultam em reações.
C: E reações podem ser previstas.
C: Para tanto, as coisas precisam existir materialmente.
T: O difícil é o produto, a mente (o efeito) perceber a causa, ou suposta causa (o corpo) e compreendê-lo.
T: A mente e o corpo são e não são a mesma coisa, é um paradoxo.
T: Assim como a consciência se auto-observando, estaria num "ponto neutro" no mundo sensível.
T: Na verdade poderíamos dizer que não estaria nele... Mas fora dele.
C: O palito de fósforo e a chama são e não são a mesma coisa, tanto quanto a mente e o corpo, mas ninguém fica criando problemas por causa de um palito de fósforo.
Parênteses para a metáfora do palito de fósforo:
Eu vejo a mente como um produto, um resultado, uma reação, tal como é a combustão, que depende de um propelente, depende da ignição e depende do ambiente, na forma do oxidante, para existir. Para mim, neste momento da minha vida, nós somos como um palito de fósforo: possuímos um corpo, tal como a haste de madeira, e uma cabeça, que por acaso é considerada a estrutura de maior complexidade na natureza, assim como a cabeça do palito de fósforo é sua parte mais complexa, com seus aglutinantes, pólvora, antiumectantes, etc.
Para que a nossa consciência, ou nossa mente, possa existir, precisamos interagir com o ambiente externo, nosso corpo precisa das sensações para poder perceber, e as sensações acontecem com as experiências, com aquilo que vivenciamos. Se fôssemos concebidos sem nenhum de nossos sentidos (absolutamente nenhum), ainda que tivéssemos um sistema nervoso central intacto (porém sem input), não teríamos consciência, e nem mesmo uma mente tal como a definimos. "Não existe mente sem ambiente e sem a interação com o mesmo." Assim é para o palito de fósforo, que para queimar e produzir sua chama precisa ser riscado contra uma superfície que cause a sua ignição: sua "cabeça" precisa literalmente interagir com o ambiente. Uma vez aceso, ele irá precisar do ar, o oxidante, para continuar queimando.
O que é a chama deste palito de fósforo, se não o resultado da mistura do composto químico de sua cabeça, em interação com o ambiente? A chama é uma reação química, dependente tanto do palito de fósforo, quanto do ambiente que o circunda, quanto de sua interação com o ambiente. A mente, a consciência, é, da mesma forma, uma reação química, um estado do conjunto de circuitos neuronais, e sua interação com o ambiente. A mente é corpo, interação e reação. Remova o palito de fósforo, e você não terá a chama. Não risque o palito de fósforo, e ele não se acenderá. Remova o ar, e a chama irá se apagar. É possível localizar a chama? Sim, ela está sobre o palito de fósforo, ainda que seja afetada pelo ambiente a sua volta e pela queima da matéria combustível do palito. O ar em movimento a faz trepidar, por exemplo, podendo acelerar sua combustão, assim como a posição em que o palito se encontra.
Remova os aglutinantes, e a cabeça do palito de fósforo se desmancha, remova a pólvora, e ele não queimará, remova o antiumectante, e a umidade o inutilizará antes que seja aceso. Risque ele contra uma superfície macia, e ele não se acenderá. Acenda ele em um dia de muito vento, e sua chama se extinguirá antes de ter queimado todo seu material combustor.
Para mim é fácil, a partir dessa comparação, responder questões tais como: "O que é a mente? Onde a mente se localiza? Será que a mente existe mesmo? A mente e o corpo são uma coisa só ou existem separadamente? A mente, o corpo e o ambiente são uma coisa só ou existem separadamente?" Etc... A mente é um produto de uma série de coisas e de uma cadeia de eventos. É um resultado. Se você considera a chama de uma fogueira algo separado da fogueira, então a mente é algo separado do corpo (como em "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa"), mas assim como a chama não existe sem a fogueira e sem o ambiente a sua volta, a mente também não existe sem o corpo e sem o ambiente a sua volta.
Removidos do ambiente não somos nada. E com o fim de nosso corpo, o dia que ele exaurir todos seus recursos, com ele encontraremos o fim, pelo menos enquanto mente. "O nome sobrevive a pessoa... Ou não haveria sentido em dizer que 'fulano morreu', pois se o nome morresse com a pessoa, tal afirmação não poderia ser compreendida." Enquanto mente deixamos de existir com nossa morte, mas o que permanece é a idéia que os outros fazem de nós, aqueles que nos conheceram, e aquilo que deixamos para o mundo e para os outros, o nosso trabalho. É assim que compreendo as coisas, neste momento da minha vida... Fim do parênteses.
C: É isso que me irrita.
T: ahahaha
T: É que o palito e o fogo parecem compreensíveis.
C: (:
T: Mesmo não sendo.
C: ):
T: Ninguém sabe o que é, exatamente, a eletricidade, por exemplo.
T: Na verdade não se domina nada.
C: A mente e o corpo são tão compreensíveis quanto, mas nós não queremos aceitar isso, pois implica na aceitação da nossa própria mortalidade e ordinariedade (finitude).
T: Acho q nunca será possível... Se se dominar uma coisa se domina o todo, talvez, por que tudo está conectado.
T: Gestáltico.
T: Por exemplo, digamos que se entenda todo o genoma, se se acreditasse que se domina o conhecimento dele; mas ele se relaciona a tudo o que vivemos, ele gera o cérebro e gera o pensamento, etc, logo compreendê-lo implica em não compreendê-lo por que nos leva a outras questões.
C: Eu domino no tetris. [ironizando, quis dizer que o genoma é só uma variável, compreendê-lo só levaria a compreender uma parte do todo]
T: Tu domina o tetris ou será que o tetris te domina? [respondendo à ironia.. hehehehe]
T: hauahauhah
C: O fenótipo é influenciado por variáveis ambientais, então dominar o genoma seria só o início.
T: Claro.
T: Na verdade não se entende absolutamente nada.
T: Por que implica em entender tudo o que "existe".
T: Entender o genoma por si só é inútil, por que tem todo um mundo do qual ele faz parte e do qual fazemos parte.

...

T:
Você nega que eu ou você sejamos afetados digitando num blog as idéias, sendo que um blog é algo que precisamos abstrair pra conceber em nossa mente e não é como a mente no sentido de ser um produto do cérebro?
C: A abstração é determinada pelo repertório comportamental, sendo um evento (comportamento) interno (privado). No caso do blog se manifesta na forma de comportamento verbal, não há nada demais nisso...
T: Realmente dá para entender por que a Psicologia não é considerada ciência por muitos, tem escolas utilizadas em psicoterapias totalmente confusas e divergentes...
C: Você vai ter tanta capacidade de abstrair quanto tiver acumulado experiências, linguagem, etc.
C: Agora...
C: O que eu acho que não é comportamento, na mente, são os objetos mentais.
C: Um conceito, uma forma, qualquer coisa que você consiga formar mentalmente (formar, pensar, é um comportamento) é resultado do comportamento de pensar, mas em si não é um comportamento.
C: Imaginar é um comportamento, o resultado da minha imaginação é um objeto, que só existe para mim.
C: É a diferença entre "pintar" e "pintura" (onde pintura é a obra final)...
T: E tem mais um detalhe, quem determina o termino da pintura?
T: Como saber se terminou?
C: Leonardo da Vinci jamais dava por terminado seus trabalhos... Eu sou assim também, quanto aos trabalhos que realmente gosto e levo a sério. Acho que todo mundo é assim.
C: Criação é um processo contínuo, só se extingue com a extinção do criador.

...

T: Será que não há como se libertar da matéria e, também, da representação mental?
T: Para deixar de ser escravo?
T: E ainda "existir"...?
C: Não, não há.
T: É.
C: "Não existe autoconhecimento completo."
T: Se bem que isso está preso ao nosso conceito de existir.
T: Também é uma representação, não sei se é a priori.
C: "Penso, logo existo." (:
T: x.x
C: heheheheehhehe
T: O ruim é a angústia de não se completar.
C: Me satisfaço em existir. Isso me basta.
C: Completar-se é finito...
C: Encontraremos nosso ciclo completo ao morrer.

.:.

Os diálogos acima foram levemente alterados de sua forma original para fins de clareza. Tenho alto apreço por estas conversas, pois sempre surge algo novo por meio delas ou, pelo menos, algo divertido.

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