quarta-feira, 21 de maio de 2008

Entre a dama e o tigre

Segue a minha tradução, adaptada, de uma síntese de um conto de Frank R. Stockton:
"A muito tempo atrás, em uma terra distante, um rei semi-barbárico fazia uso de uma forma peculiar para administrar a justiça nos domínios do seu reino. Quando alguém era capturado pelos guardas do reino cometendo alguma ofensa, esse alguém era levado a julgamento em uma arena onde haviam apenas duas portas, ou saídas. Atrás de uma das portas ficava encerrada uma linda mulher, escolhida a dedo pelo rei, e atrás da outra porta ficava um tigre faminto. O suspeito, alheio a qual das portas encerrava a mulher ou o tigre, era então obrigado a escolher uma das portas. Caso ele escolhesse a porta na qual estava a linda mulher, ele seria declarado inocente de todas as acusações e, como recompensa, independentemente do seu estado civil prévio, era obrigado a casar-se com aquela linda mulher que restituiu-lhe a vida. Porém, caso ele escolhesse a porta que ocultava o tigre, ele seria declarado culpado e o tigre iria devorá-lo (não necessariamente nesta ordem).
Certo dia, o rei semi-barbárico tomou conhecimento de que sua filha, a princesa, havia ido longe demais com um plebeu. Não podendo tolerar que tal coisa acontecesse em seu reino, e visando restaurar a honra de sua filha, o rei mandou prender o plebeu e marcou uma data para o seu julgamento na arena.
No dia do julgamento, o plebeu foi posto na arena, perante ao rei, à princesa, e a todos demais integrantes da corte e da plebe. A sua frente estavam as duas portas, a sua direita estavam o rei e a princesa. O plebeu lançou um olhar em direção à princesa, esperando que esta lhe desse alguma indicação discreta quanto a porta que lhe pouparia a vida. A princesa, por sua vez, sabia qual porta encerrava a mulher e sabia qual porta encerrava o tigre. Neste momento, tomada de emoção, a princesa encontrou-se diante de um grande dilema: se ela indicasse a porta que ocultava o tigre, o homem a quem amava seria morto no ato; porém, se ela indicasse a porta onde estava presa a mulher, ele seria obrigado a casar-se com aquela mulher e, embora sua vida lhe fosse poupada, ele jamais poderia aproximar-se dela novamente.
Finalmente, após alguns momentos de hesitação, ela indicou qual porta ele deveria abrir, e assim ele fez..."

Conto original por Frank R. Stockton, no Projeto Gutenberg:
http://www.gutenberg.org/etext/396


Então, pergunto a vocês, o que havia atrás da porta que o homem abriu, e por quê?

3 comentários:

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Minhas suposições quanto a este conto:
Acho este conto muito interessante pois seus desdobramentos podem ser considerados sob diversas perspectivas. Por exemplo: podemos considerar a perspectiva do plebeu que esta encarando o seu julgamento e perguntar se ele não poderia assumir uma atitude mais digna, talvez, caso ele encarasse seu destino sem envolver, novamente, a princesa; ou seja, caso ele fosse posto na arena e andasse em direção a uma das portas, a qual viria a abrir, sem buscar a cumplicidade da princesa.
Também poderíamos encarar do ponto de vista do rei. Este, sendo semi-barbárico, poderia ter colocado um tigre oculto por uma das portas, e uma mulher muito feia na outra porta. Neste caso, ele dissolveria parte da tristeza de sua filha, a princesa, caso ela viesse a indicar a porta que pouparia a vida do seu amado; ou ainda, poderia dissolver o dilema da filha tendo uma conversa mais ou menos assim com ela: "Minha filha, você sabe que aquele rapaz não prestava, eu preparei uma boa surpresa pra ele. Caso ele escolha a porta onde está a mulher, ao invés de encontrar uma bela mulher, ele vai se deparar com uma mulher muito feia e vai se arrepender de sua sorte."
Neste caso, se o rei tivesse tido esta conversa com sua filha, ou mesmo que ele não tivesse conversado, mas se ela tivesse visto a mulher feia, o dilema seria completamente diferente, senão mais fácil de ser resolvido. Ou não?
Também podemos imaginar que o plebeu, na arena, possa ter intuído que o rei lhe faria alguma sacanagem deste tipo, por que não? Ele poderia pensar que o rei havia ocultado dois tigres, um em cada porta, ou mesmo que o rei não concederia uma bela mulher e sua indulgência a alguém que ele sabe ser culpado, vindo a esconder um tigre e uma mulher terrivelmente feia, um em cada porta.
Neste caso, não por dignidade, mas por fatalidade, ele não buscaria a cumplicidade da princesa.
Ainda pelo ponto de vista do plebeu, podemos imaginar se ele não havia pensado no dilema da princesa, e se o quanto de paixão ou de amor, qual a medida ou a razão entre os sentimentos dela, iriam influir em sua "dica". Poderia ele escolher a porta contrária àquela por ela indicada?
Talvez... Imaginemos que a princesa fosse uma daquelas mulheres que ficam extremamente intratáveis quando estão na TPM, e que o plebeu soubesse que a data de seu julgamento possuía uma alta probabilidade de coincidir com este estado da princesa... Ele poderia chegar a conclusão de que ela, tomada pelo desequilíbrio hormonal, lhe indicaria um destino cruel, ainda mais tendo em vista o seu olhar em direção a ela pendido ajuda para "ficar com outra mulher linda e maravilhosa" (uma maneira provável de como a princesa TPM encararia as coisas neste caso: ele não estava clamando por sua vida, mas pela safadeza, afinal, todo homem é safado - poderia pensar ela).
Acredito que se a princesa amasse de verdade, e amasse muito, o plebeu, ela indicaria a porta onde estava presa a mulher. Da mesma forma que acredito que, caso o sentimento dela fosse apenas de paixão, ou de um amor imaturo, haveria uma alta probabilidade dela indicar a porta onde estava o tigre, sendo que esta probabilidade seria consideravelmente ampliada caso ela estivesse num período crítico do ciclo menstrual, dependendo de como ela vivencia tal ciclo...
De qualquer forma, também acredito que se o plebeu amasse pra valer a princesa, e tendo em vista suas opções quanto ao futuro, ele encararia seu destino sem olhar para ela, para poupá-la tanto quanto possível de maiores tormentas do que as quais ela já estaria passando... Mas seria preciso uma séria dose de coragem e personalidade, além do referido amor, para assumir um comportamento assim.

Unknown disse...

Sua tradição ficou muito parecida com o texto original, embora não tenha preservado o enredo do atores coadjuvantes. um outro ponto de sua versão, é quanto ao "rei". não podemos dizer que existem alguém semi bárbaro; porque a barbárie não é um titulo, mas sim uma condição.

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Obrigado pela contribuição!