Deixe-me lhe falar de algo... Quero falar sobre as ondas de luz na faixa de 625 à 740 nm, as mais longas que podem ser discernidas pelo olho humano; uma onda que se propaga na freqüência compreendida entre 480 à 405 THz. Estas ondas podem ser captadas pelos L-cones da retina, que permitem que possamos experienciar a sua sensação. Sensação esta que começa a ser processada já no Corpo Geniculado Lateral, nas células P (LGN P-cells). A partir da área V1 do córtex visual, a informação começa a ser processada de maneira cada vez mais complexa até que tenhamos a percepção completa, que nos é natural, destas ondas.
Caso você se lembre bem das aulas de óptica da disciplina de Física do ensino médio, ou caso tenha estudado neurofisiologia, você provavelmente lembrou-se de uma palavra em especial ao ler as descrições acima e, ao lembrar-se dessa palavra, imediatamente deve ter se lembrado de uma cor: o vermelho; ou melhor ainda, lembrou-se da experiência que você carrega na memória desta cor em especial.
Caso você não tenham sido um bom aluno nestas matérias, você provavelmente não entendeu nada do que eu falei, e pouca coisa ou nada naquela descrição lhe fez qualquer sentido.
Se você entendeu as descrições acima por deter tal conhecimento, eu lhe pergunto: teria você tido a mesma compreensão caso eu tivesse apenas dito que iria falar sobre o código hexadecimal #FF0000 ou do valor 0°, 100%, 100% do espaço HSL? Provavelmente não.
Existem muitas maneiras diferentes de descrever o vermelho, sendo que talvez a mais universal seja aquela que usamos simplesmente ao citar: "vermelho".
Mas eu pergunto: teria adiantado alguma coisa você saber de todas essas descrições acima, caso nunca tivesse experienciado o vermelho? Caso você acredite que a resposta a essa pergunta seja simplesmente sim, baseando-se no seu conhecimento de filosofia da mente, experimente fazer diferente, desta vez, o experimento, imaginando a descrição do vermelho como um código hexadecimal ou como uma coordenada no espaço HSL.
Ainda que você soubesse e associasse tal descrição à descrição psicológica desta cor, a descrição de seu simbolismo, seria suficiente para igualar-se à experiência do vermelho?
Vamos lá então: para a psicologia das cores, o vermelho está associado ao calor, energia, ao sangue e às emoções estimulantes, incluindo raiva, paixão e amor; historicamente o vermelho se relaciona ao fogo e seu poder duplo de criar e destruir nas relações primitivas do homem, ao sangue daquele que perece e à nova vida que surge quando a mulher dá a luz; e simbolicamente relaciona-se à coragem, ao sacrifício e aos avisos de cautela.
Agora você sabe como se processa o vermelho fisiologicamente, sabe como descrevê-lo de maneiras artificiais e sabe o que esperar ao experienciar tal cor tendo sido criado na cultura ocidental. É o suficiente, caso você jamais houvesse visto nada vermelho?
Em geral possuímos um ou outro conhecimento a respeito das cores, sendo que todos eles se derivam a experiência que temos ao nos deparar com elas. É a experiência que nos leva a questionar e a buscar respostas, a elaborar teorias que visam responder nossas perguntas.
Nós nos questionamos por causa daquilo que conhecemos, e não por causa daquilo que desconhecemos. Procuramos uma maior compreensão daquilo que nós já compreendemos e nesta busca é que aparecem as novidades, é que nos deparamos com o desconhecido. É por isso que a ciência não é apenas mais estranha do imaginamos, mas mais estranha do que podemos imaginar. É por isso que a ciência, em tantas ocasiões, supera a ficção em sua excentricidade. É por isso que tudo aquilo que somos capazes de imaginar, mesmo nossas crenças mais infundadas, fazem parte das possibilidades do real, apenas carecem da explicação objetiva e parcimoniosa da ciência para sua clarificação.
Então eu lhe pergunto: o que significa a palavra "vermelho" para alguém que jamais experienciou tal cor? Um amontoado de dados que não passam de números e descrições abstratas para algo intangível, descrições que, ainda que confiáveis, abordam algo que não pertence ao universo de quem não é capaz de experienciar a visão colorida.
O que significaria dizer "um ovo" para quem não sabe e nunca viu um ovo? Adiantaria dizer que um ovo é uma unidade, uma célula macroscópica, revestida por uma casca externa geralmente dura, e camadas internas tais como a gema e a clara? Mas então tal pessoa perguntaria: Qual o tamanho de um ovo? Para que serve um ovo? Etc... E ainda que todas as perguntas fossem respondidas, qual seria o sentido de fazê-las e não apresentar um ovo a tal pessoa. E mais, a pessoa que não recebesse nenhuma resposta a "o que é um ovo", pensaria o que? Certamente formularia diversas hipóteses com base naquilo que conhece, sendo "um ovo", e supondo que a pessoa tenha conhecimento dos números, a pessoa imaginaria uma unidade, algo contido em si, mas o quê? O que seria este objeto misterioso, o que seria "o ovo" então?
Nada é a resposta. Sobre aquilo que não se pode falar, não se deve falar.
E deixando os ovos de lado e voltando ao vermelho, cito Wittgenstein, novamente:
Caso você se lembre bem das aulas de óptica da disciplina de Física do ensino médio, ou caso tenha estudado neurofisiologia, você provavelmente lembrou-se de uma palavra em especial ao ler as descrições acima e, ao lembrar-se dessa palavra, imediatamente deve ter se lembrado de uma cor: o vermelho; ou melhor ainda, lembrou-se da experiência que você carrega na memória desta cor em especial.
Caso você não tenham sido um bom aluno nestas matérias, você provavelmente não entendeu nada do que eu falei, e pouca coisa ou nada naquela descrição lhe fez qualquer sentido.
Se você entendeu as descrições acima por deter tal conhecimento, eu lhe pergunto: teria você tido a mesma compreensão caso eu tivesse apenas dito que iria falar sobre o código hexadecimal #FF0000 ou do valor 0°, 100%, 100% do espaço HSL? Provavelmente não.
Existem muitas maneiras diferentes de descrever o vermelho, sendo que talvez a mais universal seja aquela que usamos simplesmente ao citar: "vermelho".
Mas eu pergunto: teria adiantado alguma coisa você saber de todas essas descrições acima, caso nunca tivesse experienciado o vermelho? Caso você acredite que a resposta a essa pergunta seja simplesmente sim, baseando-se no seu conhecimento de filosofia da mente, experimente fazer diferente, desta vez, o experimento, imaginando a descrição do vermelho como um código hexadecimal ou como uma coordenada no espaço HSL.
Ainda que você soubesse e associasse tal descrição à descrição psicológica desta cor, a descrição de seu simbolismo, seria suficiente para igualar-se à experiência do vermelho?
Vamos lá então: para a psicologia das cores, o vermelho está associado ao calor, energia, ao sangue e às emoções estimulantes, incluindo raiva, paixão e amor; historicamente o vermelho se relaciona ao fogo e seu poder duplo de criar e destruir nas relações primitivas do homem, ao sangue daquele que perece e à nova vida que surge quando a mulher dá a luz; e simbolicamente relaciona-se à coragem, ao sacrifício e aos avisos de cautela.
Agora você sabe como se processa o vermelho fisiologicamente, sabe como descrevê-lo de maneiras artificiais e sabe o que esperar ao experienciar tal cor tendo sido criado na cultura ocidental. É o suficiente, caso você jamais houvesse visto nada vermelho?
Em geral possuímos um ou outro conhecimento a respeito das cores, sendo que todos eles se derivam a experiência que temos ao nos deparar com elas. É a experiência que nos leva a questionar e a buscar respostas, a elaborar teorias que visam responder nossas perguntas.
Nós nos questionamos por causa daquilo que conhecemos, e não por causa daquilo que desconhecemos. Procuramos uma maior compreensão daquilo que nós já compreendemos e nesta busca é que aparecem as novidades, é que nos deparamos com o desconhecido. É por isso que a ciência não é apenas mais estranha do imaginamos, mas mais estranha do que podemos imaginar. É por isso que a ciência, em tantas ocasiões, supera a ficção em sua excentricidade. É por isso que tudo aquilo que somos capazes de imaginar, mesmo nossas crenças mais infundadas, fazem parte das possibilidades do real, apenas carecem da explicação objetiva e parcimoniosa da ciência para sua clarificação.
Então eu lhe pergunto: o que significa a palavra "vermelho" para alguém que jamais experienciou tal cor? Um amontoado de dados que não passam de números e descrições abstratas para algo intangível, descrições que, ainda que confiáveis, abordam algo que não pertence ao universo de quem não é capaz de experienciar a visão colorida.
O que significaria dizer "um ovo" para quem não sabe e nunca viu um ovo? Adiantaria dizer que um ovo é uma unidade, uma célula macroscópica, revestida por uma casca externa geralmente dura, e camadas internas tais como a gema e a clara? Mas então tal pessoa perguntaria: Qual o tamanho de um ovo? Para que serve um ovo? Etc... E ainda que todas as perguntas fossem respondidas, qual seria o sentido de fazê-las e não apresentar um ovo a tal pessoa. E mais, a pessoa que não recebesse nenhuma resposta a "o que é um ovo", pensaria o que? Certamente formularia diversas hipóteses com base naquilo que conhece, sendo "um ovo", e supondo que a pessoa tenha conhecimento dos números, a pessoa imaginaria uma unidade, algo contido em si, mas o quê? O que seria este objeto misterioso, o que seria "o ovo" então?
Nada é a resposta. Sobre aquilo que não se pode falar, não se deve falar.
E deixando os ovos de lado e voltando ao vermelho, cito Wittgenstein, novamente:
57. "Um objeto vermelho pode ser destruído, mas não o vermelho; daí que o significado da palavra 'vermelho' é independente da existência de uma coisa vermelha." [calma que eu e ele ainda não terminamos] - É certo dizer que não tem sentido dizer que a cor vermelha (color, não pigmentum) é rasgada ou triturada. Mas não dizemos: "O vermelho está desaparecendo"? E não se agarre a idéia de que podemos trazê-lo diante de nossos olhos, mesmo que não haja mais nada vermelho! Isto não é diferente de você dizer que haveria ainda uma reação química que produzisse uma chama vermelha. [agora, estamos chegando lá] - O que acontece, pois, se você não consegue mais se lembrar da cor? - Se esquecemos que cor tem tal nome, então este perde o significado para nós; isto é, não podemos mais jogar com ele num determinado jogo de linguagem. E esta situação deve ser comparada então àquela em que se perdeu o paradigma, que era um meio de nossa linguagem.
Wittgenstein, Ludwig. Investigações Filosóficas.
4a ed. Vozes : Petrópolis, 2005. p. 47
4a ed. Vozes : Petrópolis, 2005. p. 47
Em suma, assim como a palavra "vermelho" perde seu significado na ausência da lembrança da experiência na memória, as demais formas de descrever o vermelho, apenas por serem associações entre significados numéricos ou não, não bastam para evocar o vermelho em nosso universo do real.
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