terça-feira, 9 de setembro de 2008

Auto-organização da função cerebral

Auto-organização é um processo pelo qual sistemas que são compostos por muitas partes adquirem espontaneamente suas estruturas ou funções sem uma interferência específica de um agente que não faça parte de tal sistema.
O cérebro humano é o sistema mais complexo que conhecemos, sendo composto por até 100 bilhões de neurônios (e uma quantidade ainda maior de células gliais), que são amplamente interconectados. Um único neurônio pode ter mais de 10.000 conexões com outros neurônios, por meio das sinapses. A questão central, então, é: o que dirige os numerosos neurônios para que eles possam produzir fenômenos macroscópicos no corpo, tais como a locomoção muscular, agarrar objetos, a visão (em particular o reconhecimento de padrões), a tomada de decisões, etc.
Uma outra forma de colocar esta questão está presente no docudrama Victim of the Brain: nossos corpos são formados células que se comportam de maneira previsível conforme é descrito pela biologia e suas subdivisões; estas células, por sua vez, são formadas por átomos, que obedecem as leis da física e, por tanto, se comportam de maneira igualmente previsível e determinada. Como pode, então, o corpo, que é formado por células, que são formadas por átomos, expressar toda a riqueza que é tão natural à experiência humana?
Uma forma simples de responder a esta pergunta seria atribuir as características da experiência humana que podem ser observadas e as características que são íntimas a cada indivíduo, como o conceito de self, à alta complexidade deste sistema. É uma infinidade de células que formam sistemas complexos (sistema nervoso, sistema tegumentar, sistema circulatório, etc) que, por sua vez, interagem entre si e com o ambiente que os cerca.
Mas esta resposta não responde a todas as perguntas, como em que nível, entre os átomos, as células, os órgãos e os sistemas que são formados por órgãos, se dá a tomada de consciência?
Existem mecanismos genéticos que determinam a organização dos neurônios no cérebro, sua especialização celular, e até mesmo a formação de sinapses. Mas estes mecanismos são influenciados pelo ambiente no qual o organismo se encontra e pelos estímulos que são recebidos pelo organismo. Mas existe mais do que isso quando se leva em conta a consciência nesta organização.
No campo de estudo voltado especificamente para a auto-organização da função cerebral, o estudo sistemático do fenômeno é realizado conforme o campo interdisciplinar da sinergia, que estudas as bases matemáticas da auto-organização e tenta realizar estudos experimentais de tais fenômenos.

Curiosamente, uma das explicações propostas por esta abordagem é a seguinte: "Como sabemos, neurônios agem em escalas de tempo na casa dos milissegundos, enquanto a percepção envolve o tempo na casa da fração de segundo [0,400 segundos, etc] até alguns segundos. Assim temos uma separação típica de escalas de tempo que desempenha um papel fundamental na sinergia. De acordo com essa teoria, numa escala de tempo longa, os parâmetros de ordenação estão agindo, enquanto em escalas de tempo curtas, as partes individuais agem e são escravizadas pelos parâmetros de ordenação. Isto leva ao conceito de causalidade circular que é empregado para muitos sistemas auto-organizados. Próximo a variáveis coletivas de ponto de transição, parâmetros ordenadores passam a existir por meio da cooperação das partes indivíduais. Por outro lado, a ordem dos parâmetros determina (e escraviza) as partes individuais. Isso leva ao conceito de causalidade circular [e uma bela argumentação circular, não?]: parâmetros ordenadores, partes individuais, parâmetros ordenadores, etc... Nós podemos começar este círculo com as partes individuais, seguir em volta delas e então observar que as partes individuais encontram suas ações coerentes por si mesmas. Ou podemos começar pelos parâmetros ordenadores, seguir em torno deles e concluir que os parâmetros ordenadores determinam seu comportamento. Neste caso, uma enorme redução de informação ocorre, pois apenas um pequena quantidade de informação é necessária para descrever os parâmetros ordenadores. Tal visão na qual relações puramente matemáticas são usadas, permitem diferentes interpretações filosóficas. Um materialista irá dizer que o agente primário é composto pelas partes individuais, como os neurônios. Um idealista poderia dizer que o funcionamento e governado por um agente imaterial, no caso os parâmetros ordenadores. Finalmente, um pode adotar a idéia de que ambos formam os dois lados de uma mesma moeda, como expresso por Spinoza. Evidentemente, a ontologia vem ao caso, quando se lida com a função cerebral." (HAKEN, 2008)
Como é possível ver, para quem já teve contato com as propostas baseadas nos tratos do sistema nervoso que formam loops, tais como o trato tálamo-cortical, e com a proposta de Edelmann, quanto ao núcleo dinâmico, existe uma tentadora opção recursiva na explicação da emergência da experiência consciente. Esta opção envolve, em geral, uma abordagem bastante complexa, para um sistema complexo. Me pergunto se um dia o problema não será resolvido por uma abordagem mais simples, ainda que esta abordagem mais complexa seja, possivelmente, parte da explicação.

Fonte: HAKEN, Hermann. Self-organization of brain function. In: Scholarpedia: the free peer reviewd encyclopedia. Rev. # 38935, 2008.

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