terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tradução: TEDTalks - Daniel Goleman - Por que não somos todos Bons Samaritanos?


Filmado em: março de 2007; Postado em: dezembro de 2007

"Sabe, eu estou surpreso em saber que um dos temas implícitos do TED é a compaixão, estas demonstrações bastante tocantes... Nós acabamos de ver o HIV na África, Presidente Clinton na noite passada... E eu gostaria de fazer um pouco de pensamento colateral, se assim quiserem, sobre a compaixão; e trazer isso do nível global para o nível pessoal com a psicologia, mas podem ficar tranqüilos que eu não irei trazer para o nível escrotal. [risos]
Houve um estudo muito interessante, realizado a pouco tempo atrás, com o Seminário Teológico de Princeton, para descobrir o que porquê, que quando todos nós temos tantas oportunidades para ajudar, nós ajudamos algumas vezes, e outras vezes nós não ajudamos. Foi dito a um grupo de estudantes do curso de Estudos de Divindades do Seminário Teológico de Princeton que eles iriam ministrar um sermão prático, e lhes foi dado um tópico para o sermão. Metade dos estudantes receberam o tópico do bom samaritano, o homem que encontrou e ajudou um estranho que estava caído na beira da estrada; para a outra metade dos estudantes foram dados tópicos bíblicos aleatórios. Então para cada um deles foi dito que precisavam ir para um outro prédio para dar o sermão. Enquanto eles passavam de um prédio para outro, cada um deles passou por um homem que estava encurvado e gemendo [com as mãos no estômago, se curva] claramente necessitando de ajuda. A pergunta é: Eles pararam para ajudar?
E a questão mais interessante é: Será que importa que eles estivessem contemplando a parábola do bom samaritano?
A resposta é: Não, nem um pouco.
O que acabou determinando se eles iriam parar para ajudar um estranho em necessidade, foi com quanta pressa eles pensavam estar, o quanto eles sentiam estar atrasados, ou o quanto eles estavam absortos no assunto sobre o qual eles iriam falar. E este, eu acho, é o predicado das nossas vidas. Nós não aproveitamos todas as oportunidades que existem para ajudar pois o nosso foco está na direção errada.
Existe um novo campo na neurociência, a neurociência social. Este campo estuda os circuitos neurais que são ativados, em duas pessoas, enquanto elas interagem. E a novidade sobre a compaixão que a neurociência social trás é que nossa configuração padrão é de ajudar, é de dizer que se nós encontrarmos outra pessoa, nós automaticamente sentimos empatia, nós nos sentimos automaticamente próximos a ela; são estes neurônios-espelho [mirror-neurons], recentemente identificados, que agem como um WiFi neural, ativando nos nossos cérebros exatamente as áreas ativadas nas daquela pessoa. Nós nos sentimos com ela automaticamente.
E se aquela pessoa está em situação de necessidade, se aquela pessoa está sofrendo, nós automaticamente nos preparamos para ajudar. Pelo menos este é o argumento.
Mas então a questão é: Por que não? - e eu acho que isso fala de um espectro que vai de completa absorção em si mesmo [individualismo] até a completa compaixão e disposição para ajudar. E eu acho que o simples fato é que, se estamos tão focados em nós mesmos, se nós estamos tão preocupados [pré-ocupados] como nós geralmente estamos ao longo do dia, nós não somos realmente capazes de notar os outros por completo.
E a diferença entre o foco em si mesmo e o foco no outro pode ser muito sutil. Eu estava fazendo a minha declaração de renda outro dia, quando cheguei no ponto onde podem ser listadas todas as doações que dei, e eu tive uma epifania! Cheguei no ponto onde eu havia enviado alguns cheques para uma fundação e notei que eu pensei: Nossa, meu amigo Larry teria ficado muito feliz por eu ter doado esse dinheiro para essa fundação.
Então eu notei que o que eu estava recebendo, ao doar, era um barato narcísico: eu estava me sentindo bem por mim mesmo! Então eu comecei a pensar sobre as pessoas no Himalaia, cujas cataratas estavam sendo tratadas; e então eu percebi que eu fui capaz de passar desse foco narcisístico para um prazer altruístico, de me sentir bem pelas pessoas que estavam sendo ajudadas.
Penso que isso é um motivador, mas acho que esta distinção entre focar em nós mesmos e focar nos outros, é algo que encorajo a todos para que prestem atenção.
Você pode ver isso de modo rudimentar no mundo dos encontros. Eu estava num restaurante japonês [de sushi] a algum tempo atrás, quando eu pude ouvir duas mulheres conversando sobre o irmão de uma delas, que era solteiro. E uma delas disse: Meu irmão está tendo problemas para conseguir encontros, então ele está tentando speed dating [encontros relâmpago]. Não sei se vocês já ouviram sobre speed dating. As mulheres sentam nas mesas, e os homens vão de mesa em mesa. Há um relógio em cada mesa, com um alarme ajustado para cinco minutos e bingo! A conversa acaba e a mulher pode decidir se dá o cartão ou o endereço de e-mail para o homem, para prosseguir a conversa. Então uma das mulheres [que estavam conversando no restaurante] fala: O meu irmão nunca conseguiu um cartão! E eu sei exatamente o motivo. No momento que ele se senta, ele começa a falar, sem parar, sobre si mesmo. Ele nunca para para ouvir sobre a mulher.
E eu estava fazendo um pouco de pesquisa olhando na sessão Sunday Style [Estilo de Domingo] do New York Times, lendo sobre as histórias por trás dos casamentos, pois é muito interessante. Cheguei ao casamento de Alice Epstein, e ali dizia que quando ela se encontrava em um encontro, ela tinha consigo um pequeno texto para lembrar a ela que notasse, a partir do momento em que ela encontrasse um homem, quanto tempo levaria para ele fazer uma pergunta com a palavra você. E aparentemente ela engoliu o texto quando encontrou o homem com quem se casou. [risos]
E este é um texto ótimo para experimentar em festas, ou mesmo em outras oportunidades, como aqui no TED Talks.
No Harvard Business eu li um artigo, recentemente, chamado O momento humano, sobre como fazer para estabelecer contato com as outras pessoas no trabalho, e eles disseram que basicamente o que você tem que fazer é desligar o seu blackberry [celular com assistente pessoal e envio de e-mails], fechar o seu laptop [notebook], parar de sonhar acordado, e prestar total atenção a pessoa [com quem você quer estabelecer contato]. Houve uma nova palavra cunhada, na língua inglesa, para o momento no qual a pessoa saca aquele blackberry e atende a uma ligação de celular, e subtamente nós já não existimos. A palavra é pizzled, é uma combinação da palavra puzzled [perplexo] com as palavras pissed off [irritado]. [risos]
Penso ser bem assim...
É a empatia, é a nossa sintonia, que nos separa de maquiavélicos e sociopatas. Eu tenho um cunhado que é um especialista em horror e terror. Ele escreve coisas do gênero do Drácula e do Frankeinstein, e as vezes eu penso que ele nasceu na Transilvânia, por causa do jeito dele...[risos]
Bom, de qualquer forma, em certo ponto, meu cunhado resolveu escrever um livro sobre um serial-killer [assassino em série]. Era sobre um homem que aterrorizava a vizinhança que nós morávamos, muitos anos atrás. Ele era conhecido como o Estrangulador de Santa-Cruz. Antes de ser preso ele matou a mãe, o pai, e cinco outras pessoas na Universidade de Santa-Cruz.
Então meu cunhado foi entrevistar este assassino, e percebe, no momento em que o encontra, que esse é um cara absolutamente assustador! Um motivo é que ele tinha quase dois metros de altura, mas este não era o aspecto mais assustador sobre ele. O aspecto mais assustador era que o QI dele era de 160, um gênio certificado, mas a relação entre QI e empatia emocional, o sentimento pelos outros, é zero. São coisas controladas por partes diferentes do cérebro.
Então, em certo momento, meu cunhado tem a coragem de fazer a pergunta que realmente queria fazer, e pergunta: Como você pode fazer o que fez? Você não sentiu nenhuma pena das tuas vítimas?
Afinal ele era um assassino muito íntimo, ele estrangulava as vítimas.
E o estrangulador respondeu, de forma bem categórica: Ah, não. Se eu tivesse sentido isso, eu não poderia ter feito o que fiz. Eu tive que desligar esta parte da minha pessoa.
E eu achei isso muito perturbador, quando estive refletindo sobre desligar esta parte em nós quando estamos focados em nós mesmos em alguma atividade. Nós fazemos isso e deixamos de pensar nas outras pessoas.
Pensem sobre ir as compras. Pensem sobre as possibilidades de um consumismo com compaixão. Agora mesmo, como Bill McDownell apontou, a compra de produtos novos sempre trás conseqüências, e somos todos vítimas do ponto cego coletivo. Nós não notamos, e nós não notamos que nós não notamos, a moléculas tóxicas emitidas por um carpete, ou por um tecido, como este nos assentos que estamos usando. Nós não sabemos se este tecido é produto de uma nova tecnologia e pode ser reaproveitado, ou se irá acabar em mais um aterro. Em outras palavras, nós estamos alheios às conseqüências ecológicas, de saúde pública, econômicas e de justiça social das coisas que compramos novas.
De certo modo, a venda em si é o elefante na lua, mas nós não o vemos, e nós nos tornamos vítimas daquilo que põe nosso foco em outro lugar.
Considerem que existe um livro chamado Stuff: the hidden life of the everyday objects [Coisas: a vida secreta dos objetos do dia a dia]. E ele fala sobre a história por trás de coisas como uma camiseta, por exemplo, como onde o algodão foi cultivado, e os fertilizantes que foram usados, e as conseqüências para o solo do uso daquele fertilizante; e ele menciona que o algodão é muito resistente às tinturas têxteis, cerca de 60% [da tintura] vai parar nas águas correntes. E é um fato bem conhecido por epidemiologistas que crianças que vivem perto de fábricas têxteis tendem a ter altos índices de leucemia.
Existe uma companhia, que fornece o tecido para grandes marcas Americanas, cuja qual o gerente ao ficar sabendo disso, tomou medidas nas operações internacionais na China, para que a água com resíduos fosse manejada de forma adequada para não contaminar o solo e a água corrente. Mas neste exato momento nós não temos a opção para escolher entre o tecido virtuoso e tecido não-virtuoso. O que seria necessário para poder fazer essa opção?
Bom, eu estive pensando em algo que é essa nova tecnologia de etiquetamento eletrônico, que permite a qualquer loja saber a história completa de qualquer item em suas prateleiras. Permite que seja rastreado até a fábrica, e uma vez conhecendo a fábrica é possível conhecer os processos de manufatura que foram utilizados. E... Se for virtuoso, ele poderia ser etiquetado dessa forma. Ou, se não for tão virtuoso, você poderia ir, nos dias de hoje, em qualquer loja e se informar sobre a origem daquele item. Ou seja, existe a possibilidade para que possamos fazer uma escolha compassiva. Há um conceito idêntico no mundo da tecnologia de informação, de que em última instância, todo mundo irá saber de tudo. A questão é: será que isso irá fazer alguma diferença?
Algum tempo atrás, quando eu estava trabalhando para o New York Times, nos anos 80, eu escrevi um artigo sobre o que era um problema novo na época, haviam pessoas sem ter onde morar, vivendo nas ruas. E eu passei algum tempo andando pelas ruas com os agentes do serviço social para encontrar aqueles que não tinham teto. E eu pude ver os residentes das ruas através dos seus olhos, e quase todos eles eram pacientes psiquiátricos que não tinham para onde ir. Eu tinha um diagnóstico. Isso fez com que eu saísse da tendência urbana, de que quando passamos por algum indigente, ele fica na periferia da nossa visão. Nós não notamos e, desta forma, nós não agimos.
Um dia, logo depois disso, era uma sexta-feira, no final do dia, eu estava descendo a rua - era a hora do rush, centenas de pessoas apressadas pelas ruas - e de repente eu percebi um homem caído em um canto, sem camisa, não estava se mexendo, e as pessoas simplesmente estavam passando por cima dele... Centenas e centenas de pessoas. E por que minha tendência urbana havia, de certa forma, se fragilizado, eu parei para saber o que havia acontecido.
No momento que eu parei, imediatamente meia dúzia de pessoas pararam ao mesmo tempo. Nós descobrimos que ele era latino, que ele não falava inglês, que ele não tinha nenhum dinheiro e que ele vinha vagando pelas ruas a vários dias, sem se alimentar, e havia caído de fome. Imediatamente alguém trouxe um suco de laranja, uma outra pessoa trouxe um cachorro quente, outro trouxe uma sopa... Este rapaz pode se levantar imediatamente. Mas tudo o que foi necessário foi aquele simples ato de notar. E por isso eu sou otimista. Obrigado a todos."

Tradução feita a partir do vídeo no site, onde eu podia pausar mas não podia retroceder o vídeo de forma eficiente. Não pude fazer uma tradução tão precisa quanto eu gostaria e acabei pulando uma ou outra coisa, como alguns nomes de fábricas citados. De qualquer forma, espero que seja interessante, e qualquer correção, não exitem em comentar.

Para mais vídeos como este, acesse o site TED.com.

2 comentários:

Sheila C.S. disse...

(Fazendo um recorte... Já que o texto tráz muitas questões a serem exploradas.)

Às vezes me pergunto o que é pior: não ter consciência das razões e circunstâncias que nos levam a agir de determinada forma, ou ter consciência e não conseguir sair desse círculo vicioso de hábitos cotidianos e, conforme disse o palestrante, focados na direção que leva a nós mesmos. O exemplo que ele descreve, sobre como o fato dele ter parado para ajudar o homem mobilizou rapidamente mais seis pessoas é de se fazer pensar. Em minha imaginação consigo ver uma série de robôs programados, que só conseguem agir caso essa informação seja visualizada, ou então, pensando de forma mais pessimista, o fato dele ter parado para ajudar transforma aquela situação em algo fora do comum (já que o homem jogado, mas sozinho... é uma cena totalmente "aceitável", não é mesmo?) Como acontece quando da ocorrência de um acidente ou coisa parecida, onde todos se envolvem e conseguem arranjar tempo para ficar na volta presenciando a desgraça alheia e sabemos, cá entre nós, que não é com o intuito de ajudar e sim participar daquele espetáculo que comumente só compartilhamos pela televisão.
Não estou querendo dizer que isso se dá porque o ser humano é mau... Como ele mesmo aborda, não se trata de virtude, mas sim de hábitos, de não se permitir agir de outra forma, de ter aprendido assim, de viver na repetição de atos, pensamentos, de estarmos demasiadamente preocupados com a nossa vida, como se ela fosse independente, como se as consequências não estivessem batendo a nossa porta, ou melhor, como se não tivéssemos tropeçando nelas...

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Agora que você falou em imaginar a cena, imaginei e pensei primeiro naquele postulado da Psicologia Social, de que a responsabilidade individual se dissolve quando estamos inseridos em um grupo. Num livro de Gestalt Terapia, a autora afirma que o Fritz Perls afirmava que não podiamos enxergar ou tentar classificar os grupos dentro de grupos no contexto social, pois é tudo muito mais dinâmico. Um indivíduo - de alguma subcultura bem isolada, por exemplo - pode se considerar integrante do grupo social maior conforme a situação se apresenta. Lhe convém, no caso, ser integrante da sociedade como um todo enquanto passa por aquele que está necessitado, para que pense: "Ok, se eu não fizer nada, outra pessoa vai fazer. Se outra pessoa não fizer, então algum bom motivo deve haver para não fazer. E se não houver tal bom motivo e todo estivermos errados... Bom, aí foi uma fatalidade mesmo." - É a responsabilidade se dissolvendo por um viés cujo o propósito é justificar, penso eu, os medos de uma sociedade urbana, constantemente bombardeada por retratos de violência em seu meio pela mídia. Medos no mais das vezes absurdos como: "Será que ele vai me atacar se eu tentar ajudar? Será que ele não está fingindo e vai tentar me assaltar se eu me aproximar? Será que ele não tem uma doença contagiosa e por isso está caído ali? Será que ele não está drogado e vai ficar violento se eu tentar ajudá-lo? ..." Neste contexto, a atitude do outro mostra que a ação é segura e tal demonstração faz com que as pessoas se permitam a participar. Mas é verdade que a banalização, a abundância das misérias humanas em cada esquina, e o egocentrismo calcado na "produtividade" nos torna mais insensíveis e menos propensos a tomar uma atitude inicial. Quando paramos para nos questionar: "Produtividade pra quê? Pra quem? Pra onde? Onde eu cheguei e para onde estou indo agindo assim?"