segunda-feira, 23 de março de 2009

E se fosse assim?

Já pensou como seriam as relações humanas se nossos sentidos convertessem as ondas sonoras em imagens e a luz refletida nos objetos em sons? Não é algo muito difícil de imaginar, na verdade existem tecnologias que até permitem experienciar isso: no site "Seeing with sound" é possível baixar o software "the vOICe" que converte imagens em ondas sonoras e basta usar qualquer plugin de análise de espectro no seu media player favorito para visualizar ondas sonoras.
Com um pouco de criatividade, é possível usar ambos em conjunto para simular a experiência e, até mesmo, fazer algo do tipo... Converter uma imagem para som e o som para imagem na forma do espectro sonoro... Bem sinestético. :D
Ok, mas qual o motivo para falar sobre isso agora?
Nada de especial, só uma "ilustração" de como a maneira singular como vemos o mundo é meramente uma ilusão útil para a nossa sobrevivência. Vemos a realidade em sua totalidade? Obviamente que não, nem o mais são de nós. Por exemplo, não somos capazes de enxergar a luz infravermelha, nem a assinatura de calor do mundo ao nosso redor, sem recorrer à tecnologia para tanto. Nossos demais sentidos também têm seus limites... Provavelmente por razões de economia metabólica - o quanto de energia que nossos ancestrais tiveram acesso ao longo da evolução e o quanto desta energia eles podiam despender apreendendo o ambiente para que continuassem vivos.
Nos faz pensar sobre aqueles indivíduos que interagem com a realidade de uma forma não-padrão, sejam autistas ou esquizofrênicos... O nosso jeito de enxergar a realidade, embora adequado para o ambiente no qual vivemos e para a sociedade e cultura que construímos, não é necessariamente o único jeito correto. Morcegos, baleias, tubarões e outras criaturas possuem sentidos que lhes permite sobreviver em seu meio, na sua realidade biológica, que diferem bastante dos nossos.
Certo é que, temos capacidade de criar uma sociedade na qual os indivíduos que diferem da maioria possam ter uma vida mais digna e mais repleta do que a atual configuração permite. E quanto mais penso, mais motivos encontro para que sejam realizados esforços neste sentido.

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Relendo isso me lembrei de um experimento um tanto famoso na psicologia mas do qual - que vergonha - não consigo me lembrar do nome do cientista responsável, no qual foi utilizado um aparato ótico feito de espelhos para que seu usuário enxergasse o mundo sempre de cabeça para baixo. Tal experimento surgiu dos questionamentos levantados pelo conhecimento de que o mundo, de fato, é projetado de cabeça para baixo na nossa retina...
Seria um experimento e tanto ter duas ou mais pessoas (voluntários) utilizando algum aparato, como um computador de vestir, para que recebessem a informação das ondas sonora exclusivamente na forma de imagem e as informações luminosas exclusivamente na forma de som, durante um período determinado de tempo, para determinar quais adaptações ocorreriam ou se nenhuma adaptação seria possível... (:

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Atualização: Andei testando o software "the vOICe" e recomendo para quem quer que possua um computador com webcam... Esta última versão que usei é bastante funcional e muito interessante. Fiquei imaginando, até, o quanto seria interessante fazer um vídeo artístico utilizando o programa no modo 3D. Neste modo os sons - e as imagens - que ele gera durante o rastreamento aparecem como visões em meio à ondas formadas na água... Ah... Deve ter soado estranho isso. Mas é a analogia que me vem em mente agora.

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Atualização 2: Lembrei do experimento a que me referia, lá vai "síntese":
Em 1896 o psicólogo George Stratton publicou um artigo chamado: "Some Preliminary Experiments on Vision Without Inversion of the Retinal Image" (Alguns Experimentos Preliminares sobre a Visão Sem a Inversão da Imagem da Retina), descrevendo a sua experiência utilizando lentes que projetavam a imagem do exterior de "cabeça para cima" na retina: a imagem é normalmente projetada de cabeça para baixo e processada pelo sistema nervoso para que possamos enxergar o mundo de cabeça pra cima, sendo a imagem projetada de cabeça pra cima a pessoa passa a enxergar o mundo de cabeça pra baixo.

Depois de procurar um pouco, encontrei o paper no Google, que pode ser acessado neste endereço no formato pdf:
http://www.cns.nyu.edu/~nava/courses/psych_and_brain/pdfs/Stratton_1896.pdf
E neste endereço no formato html:
http://74.125.47.132/search?q=cache:pELc32OqlAYJ:www.cns.nyu.edu/~nava/courses/psych_and_brain/pdfs/Stratton_1896.pdf+George+M.+Stratton.+Some+preliminary+experiements+on+vision&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

Considero esse um dos experimentos mais originais e criativos em psicologia. O problema proposto foi o seguinte:
"O propósito destes experimento, dos quais apenas os prelimares são relatados, é esclarecer, se possível, a assunção de correção. Será a imagem invertida uma condição necessária para que vejamos as coisas de forma correta?"
Os resultados foram, em resumo, estes:
"Com relação ao campo visual do observador, a sensação de que o campo estava invertido permaneceu, em geral, durante todo o experimento. Por vezes, contudo, houveram variações peculiares neste sentimento de acordo com a atitude mental do observador para com a presente cena. Se a atenção era dirigida principalmente diretamente para frente, e as coisas eram visualizadas apenas com a atenção indireta, elas pareciam claramente invertidas. Porém, quando era dispensada atenção total aos objetos, estes frequentemente pareciam estar na posição normal e, se isso era uma anormalidade, esta parecia estar comigo, como se a cabeça e os ombros estivessem invertidos e eu estivesse vendo os objetos daquela posição, como as crianças fazem ao ver as coisas por entre as pernas. Outras vezes, a inversão parecia se restringir apenas à face e aos olhos. Ao remover os óculos, no 3o dia, não aconteceu nada de peculiar. A visão normal foi instantaneamente restaurada sem nenhuma perturbação na aparência ou posição dos objetos."

Ou seja, ao observar indiretamente os objetos ao redor, estes pareciam estar de cabeça para baixo, mas ao observar diretamente os objetos, estes apareciam na posição normal e a sensação que se tinha era a de que a cabeça do observador estivesse de cabeça para baixo!! O.o
Outra coisa muito legal neste experimento é o aspecto de ser uma investigação em primeira pessoa, na qual o observador é o sujeito da experiência também. Apesar de ser um tipo de experimento bastante complicado no aspecto científico, hoje em dia tem se falado muito em elaborar novos meios de tornar estes experimentos mais válidos para investigações em neurociência das funções superiores do cérebro humano.

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