sábado, 7 de março de 2009

Consciência Quântica

Várias vezes me deparei com referências feitas ao famoso artigo no qual Roger Penrose juntamente com Stuart Hameroff exploram o mistério da consciência com uma abordagem baseada na física quântica. Finalmente resolvi procurar por tal artigo, que encontrei exposto na página do próprio Hameroff, e dei uma olhada...

Redução Orquestrada Objetiva da Coerência Quântica nos Microtubúlos Cerebrais: O Modelo "OR Orq" para Consciência
Stuart Hameroff e Roger Penrose

Resumo

As qualidades da consciência que são difíceis de compreender nos termos da neurociência convencional têm evocado a aplicação da teoria quântica, que descreve o comportamento fundamental da matéria e energia. Neste artigo nós propomos que aspectos da teoria quântica (p.e. coerência quântica) e um fenômeno físico recentemente proposto de "auto-colapso" de função de onda quântica (redução objetiva: OR [Objective Reduction] -Penrose, 1994) são essenciais para a consciência, e ocorrem nos microtúbulos do citoesqueleto e em outras estruturas dentro de cada neurônio do cérebro. As características particulares dos microtúbulos que são apropriadas para os efeitos quânticos incluem o arranjo de sua estrutura similar à do cristal, núcleo interior oco, organização da função celular e capacidade de processamento de informação. Nós prevemos que estados conformativos das subunidades (tubulinas) dos microtúbulos são agrupados para eventos quânticos internos, e interagem cooperativamente (computam) com outras tubulinas. Vamos além e pressupomos que estados conformativos da superposição coerente macroscópica de tubulinas quânticamente agrupadas ocorrem por um significante volume cerebral e provê a ligação essencial à consciência. Nós calculamos a emergência da coerência quântica dos microtúbulos com processamento pré-consciente que cresce (por até 500 milissegundos) até que a diferença massa-energia entre os estados separados das tubulinas alcance um nível relacionado à gravidade quântica. De acordo com os argumentos para OR expostos em Penrose (1994), cada estado superposto possui sua própria geometria espaço-tempo. Quando o grau de diferença de massa-energia coerente leva à separação suficiente da geometria espaço-tempo, o sistema deve escolher e decair (reduzir, colapsar) para um estado de universo único. Desta forma, uma superposição transiente de geometrias espaço-tempo levemente diferentes persiste até que uma redução quântica clássica abrupta ocorra. Diferentemente da "redução subjetiva" (SR [de Subjective Reduction], ou R) aleatória da teoria quântica padrão causada pela observação ou por confusão ambiental [enviromnental entanglement], o OR que propomos nos microtúbulos é um auto-colapso e resulta em padrões particulares de estados conformativos de microtúbulos-tubulina que regular as atividades neuronais incluindo as funções sinápticas. Possibilidades e probabilidades para estados pós-redução da tubulina são influenciadas por fatores que incluem anexos de proteínas associadas aos microtúbulos (MAPs) agindo como "nodos" que afinam e "orquestram" as oscilações quânticas. Nós, desta forma, afirmamos que o processo da auto-regulação OR nos microtúbulos "orquestram redução objetiva" ("B > Orq RO" [ou "B > Orch OR" no original]), e calculam uma estimativa para o número de tubulinas (e neurônios) cuja coerência para períodos de tempo relevantes (p.e. 500 milissegundos) irá eliciar a orquestração da redução objetiva [Orch OR no original]. Ao prover a conexão entre 1) a transação entre pré-consciente para consciente, 2) noções fundamentais de espaço-tempo, 3) não-computabilidade e 4) aprisionamento [binding] de várias (na escala temporal e espacial) reduções em eventos instantâneos ("consciente agora"), nós acreditamos que Orq OR nos microtúbulos cerebrais constituem o mais específico e plausível modelo para a consciência já proposto.

E olha que este é só o resumo do artigo... Até aqui, nem mesmo a tradução foi fácil, isso que já traduzi pequenos manuais que química e outros artigos em áreas bem específicas do conhecimento. A impressão inicial ao ler o resumo, depois de ter lido centenas de artigos sobre a questão mente-cérebro, é que se trata de um tremendo MF (os iniciados que me entendam...).
Hameroff e Penrose partem das explicações neurofisiológicas atuais para a consciência, que sugerem que esta é uma manifestação de padrões de disparos de grupos neuronais envolvidos em redes específicas, disparos de 40 à 80 Hz coerentes e/ou circuitos de busca da atenção. Mas concordam que mesmo as correlações precisas de padrões de disparos neuronais com as atividades cognitivas falham em resolver - o que segundo eles são - as diferenças mais complicadas entre cérebro e mente, incluindo o "problema difícil" da natureza de nossa experiência interior.
Então eles se utilizam dos microtúbulos do citoesqueleto dos neurônios para abordar alguns das questões propostas por tal "problema difícil" (de Chalmers, publicado no mesmo volume). Os próprios autores sintetizam sua abordagem na tabela da introdução, 1) relacionando o sentimento de um self unitário à coerência quântica não-local - o estado quântico macroscópico indivisível (acho que é o que impede que nós nos desintegremos a troco de nada) à teoria proposta por Penrose do auto-colapso instantâneo de estados superposicionados (que eu não sei, nem pesquisei para saber, se já foi comprovada empiricamente ou se é apenas uma hipótese da física baseada em cálculos); 2) a transição entre os processos pré-conscientes/sub-conscientes para processos conscientes com o modo de computação quântica... um colapso de função de onda intrinsecamente consciente (?); 2) lógica não-computável, não-algorítmica à teoria proposta por Penrose (Orch OR), que seria não-computável; o livre-arbítrio aparentemente não-determinístico à tal função de onda consciente não-computável porém não-aleatória; 3) a natureza essencial da experiência humana ao auto-colapso de função de onda da superposição incompatível de espaços-tempos separados (O.o), transições pré-conscientesconscientes (Pre-consciousconscious no original) e colapsos "agora" (Orch OR) efetivamente instantâneos... E chamam esta tabela de "Tabela 1 - Aspectos da consciência difíceis de explicar pela neurociência convencional e possíveis soluções quânticas."
Ah, sim... Claro. Parece que pegaram aquilo que era difícil e tornaram mais difícil ainda, ainda que sugerindo possíveis soluções.
Eu vejo claros problemas com tais pressupostos: 1) quanto ao sentimento de self unitário, será que tem fundamento querer explicar a continuidade da experiência humana e o sentimento de que somos um ser com um todo completo, imputando tais sentimentos ao que mantém nossos átomos unidos? Parece uma resposta tão boa quanto dizer que nós sentimos estas coisas pois estamos num envólucro de pele e que não notamos claramente este envólucro se renovar com o passar do tempo. 2) este me parece ser o mais problemático: me parece que eles querem resolver a discussão sobre a consciência, imputando a qualidade de ser consciente aos microtúbulos, pequenas estruturas cilíndricas ocas que fazem parte do citoesqueleto das células. Está certo que o mundo está cheio de cabeças-ocas - talvez incluindo eu - mas se já é difícil abordar a consciência em um cabeça-oca, quem dirá numa estrutura muito mais simples, constituinte de tais cabeças-ocas. Além disso, tais estruturas estão presentes nas outras células do corpo, que aparentemente não estão envolvidas na consciência. 3) a não-computabilidade, o livre-arbítrio e a natureza essencial da experiência humana são conceitos debatíveis na neurociência tanto por filósofos e psicólogos quanto por neurologistas. É difícil sustentar uma argumentação lógica que defenda o livre-arbítrio; e processos não-computáveis, mas que também não são aleatórios, são processos probabilísticos, ou alguma outra coisa que me foge até à imaginação? - sério, eu gostaria muito de saber, expandiria demais meus horizontes; não vejo grandes contradições entre a natureza essencial da experiência humana com abordagens mais tradicionais do problema da consciência ou problema mente e cérebro, desde que se abandone idéias de livre-arbítrio e de coisas que não são nem aleatórias e nem computáveis.
Conscious Tubs
Penso que este artigo vai contra a "Lei de Occam" ou "Lei da Parcimônia", segundo a qual a explicação mais simples para um problema tem mais possibilidade de ser mais próxima da verdade, e a explicação mais complexa, que dependa de mais variáveis para funcionar, seja a mais distante da verdade.
O problema aqui não é a complexidade da física quântica, mas que, para funcionar, teríamos que aceitar o pressuposto de que, para sermos conscientes, pequenos filamentos constituintes de nossas células também o sejam. Se estes filamentos são dotados de consciência, e deles emergem nossa consciência, então nos deparamos com o problema do "Teatro de Descartes", e inevitavelmente temos de perguntar de onde vem a consciência de tais filamentos. A resposta que o artigo dá a esta pergunta, pelo o que eu entendi, é que tal microconsciência vem de um fenômeno da física quântica teórica. Sendo assim, seria uma propriedade da natureza e, por qual motivo, então, todo o resto das coisas que possuem microfilamentos não é consciente?
Bom, neste sentido eu dei uma pesquisada a mais, e encontrei uma proposta na página do Tony Smith, segundo a qual as tubulinas constituintes dos microtúbulos podem representar informação e agem como autômatos celulares no processamento de informação, sendo que 10% do total de tubulinas presentes no cérebro estariam envolvidas com a consciência, para permitir que todos os efeitos da física quântica teórica supostamente necessários para a consciência ocorram da forma que precisam ocorrer.
Partindo disso, seria necessário um cérebro de tamanho mínimo e complexidade mínima para que a consciência ocorra. *Aqui é necessário e importante lembrar que tais pressupostos redefinem todas as definições de conceitos relativos à consciência até então elaboradas, como é possível conferir pela tabela mencionada anteriormente...* Seguindo... Neste modelo, animais como gatos, macacos e chimpanzés são capazes de ter consciência, enquanto coelhos, gambás e outros animais com um cérebro mais leve do que 14 gramas ou menor do que 1% do cérebro humano, são inconscientes pois não podem sustentar o "Pensamento Consciente Abstrato de Larga Escala"...
Recorrendo à segurança do comportamentalismo, existe alguma diferença aparente tão grande no comportamento dos coelhos e dos gatos que justifique imputar consciência similar à humana em um e não no outro? Já tive coelhos e já tive gatos, e pelo o que me lembro de minhas observações, ainda que de leigo na época, ainda que houvessem várias diferenças, não haviam diferenças tão gritantes assim. Não via um zumbi em no coelho que morava comigo e dormia aos pés da minha cama...
Como era de se esperar, uma hipótese extremamente complexa - e um tanto confusa, penso eu - como a da consciência quântica, leva à conclusões confusas...
O artigo de Penrose-Hameroff conclui reafirmando a reformulação dos conceitos filosóficos e psicológicos da consciência e afirmando que encontrou as respostas para o problema difícil da consciência imputando - de certa forma - consciência aos microtúbulos, pois se estes são capazes se processamento de informação - possuem papel na organização celular, para falar de forma mais prática - e são autocontidos, logo devem ser conscientes... Ou algo assim. Deu até vontade de rever o vídeo onde o Searle usa de hipóteses quânticas como uma possibilidade para o livre-arbítrio... (:

Ps.: De modo algum o presente post pretende menosprezar os autores citados, que inclusive admitem que suas idéias atraíram muito interesse e, ao mesmo tempo, críticas severas. Os meus comentários com certeza não são novidade e certamente comentários tanto positivos quanto negativos foram feitos por pessoas com mais conhecimento que eu. Acima de tudo, os autores não ignoram as críticas e é assim que se faz a melhor ciência.

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